terça-feira, 27 de setembro de 2022

A lenda do ti Pivete de Capelins

 A lenda do ti Pivete de Capelins

O ti Joaquim Barradas natural, da então, Vila de Montoito, veio com a sua família para Capelins de Baixo no ano de 1825, onde ficaram a morar e, começou logo a trabalhar como jornaleiro (à jorna) na herdade da Defesa de Ferreira, fazia todos os trabalhos agrícolas, sobre os quais era muito entendido! Era uma pessoa muito conhecida e sociável, dava-se muito bem com toda a gente das terras de Capelins, até ao dia em que devido às suas qualidades foi nomeado manageiro do rancho das mulheres da monda e de outros trabalhos, juntar pedra e arnelos, apanhar espigas e o que houvesse para fazer, a partir daí o ti Joaquim tornou-se autoritário, arrogante e, dono de todo o saber, naturalmente, estava sempre a favor do patrão! O ti Joaquim gostava de beber um copinho de vinho, ou dois e,  quando a sua vida o permitia frequentava a taberna do ti Xico das Albardas, o qual tinha este apelido porque também fazia albardas para as burras e burros que existiam em abundância nestas terras! Uma tarde, depois de sair do trabalho, o ti Joaquim entrou na taberna e já lá estava um homem alto, bem calçado e bem vestido, encostado à parede do lado direito do balcão, bebendo sozinho! O ti Joaquim disse: "boa tarde", o homem respondeu baixinho, mas assim que ele chegou perto do balcão, ainda antes de pedir o copo de vinho ao ti Xico, exclamou alto: "Que pivete"! O ti Joaquim ouviu essas palavras, mas como não sabia o que o estranho queria dizer, não ligou! Pediu um copo de vinho tinto e foi falando com o ti Xico das Albardas, sobre o tempo e as searas que estavam boas, já grandes e outras coisas relacionadas! Daí a pouco entrou um vizinho da rua do quebra cu e, naturalmente, disse: Boa noite! Os presentes responderam todos: "Boa noite"! E o estranho repetiu bem alto: "Que pivete"! Como ninguém sabia o que o homem queria dizer com isso, não ligaram e continuaram a beber e a falar dos assuntos que dominavam, mas sempre que entrava alguém, o homem repetia sempre em tom alto: "Que pivete"! O ti Joaquim passou horas a ouvir a mesma coisa, até que meteu conversa com o estanho! 
Ti Joaquim: Olhe lá, de onde é que vocemecê é? 
Estranho: Eu cá sou de Vila Viçosa! Então porquê? 
Ti Joaquim: Por nada! Era só para saber! 
Estranho: Então, agora já sabe!
O ti Joaquim pensou: "Estás mesmo a pedi-las", mas mediu-o de alto a baixo e pensou logo em desistir dos seus intentos e continuou:
Ti Joaquim: Então e podia dizer-me porque está sempre dizendo essas palavras? 
Estranho: Quais palavras? 
Ti Joaquim: "Que pivete"! Eu bem o ouvi cada vez que entrou aqui alguém!
Estranho: Ah isso? Não ligue, são coisas da minha vida, cada vez que entra alguém lembro-me das fezes em que estou metido! Não estou nada satisfeito com a minha vida!
Ti Joaquim: Então essas palavras querem dizer que está cheio de fezes e que não está satisfeito com a vida? 
Estranho: Nem mais nem menos, estou com grandes problemas, metido em grandes fezes! 
Ti Joaquim: Ah sim? Então em que fezes está metido?  
Estranho: Tenho uma casa cheia de filhos e tive de fugir de Vila Viçosa, aqui para a Defesa, devido a um problema que lá tive, dei uns sopapos num fidalgo e se lá voltar sou preso! Agora preciso de arranjar trabalho aqui, para mandar alguma coisa para os meus filhos comerem e, depois trazer a minha mulher e os meus filhinhos para cá! 
Ti Joaquim: Esteja descansado que depressa arranja trabalho! Em todas as herdades precisam de gente!  
Estranho: Amanhã de madrugada, vou tratar disso! 
O ti Joaquim foi para casa e já no caminho não lhe saiam da cabeça as palavras do estranho: "que pivete", davam-lhe muito jeito para usar na sua profissão de manageiro para desabafar quando as mulheres lhe vinham com pedidos de irem várias vezes por dia atrás do outeiro e, quando estivessem sempre a pedir água para o tempo passar e elas estarem de costas direitas, assim quando não estivesse satisfeito com o que se passava, podia sempre dizer essas palavras modernas! Chegou a casa e começou logo o treino, cada vez que a mulher lhe dizia alguma coisa sobre os problemas da vida, o ti Joaquim respondia: "Que pivete", a mulher não percebia nada, mas com receio de receber alguma má resposta, foi-se mostrando entendida! Chegou a um ponto em que não aguentou mais e perguntou-lhe:
Ti Maria: Olha lá Joaquim, desde que chegaste a casa ainda não te ouvi dizer outras palavras senão essas, "que pivete", diz-me lá o que queres dizer com isso homem? Não entendo nada do que dizes!
Ti Joaquim: Atá aí já eu sabia! São palavras modernas mulher, não são para ti, com estas duas palavras nem imaginas o que podemos dizer! 
Ti Maria: Oh valha-me Deus! Diz-me lá, porque eu estou a ficar parva! 
Ti Joaquim: Há muito tempo, mulher, não é de hoje! Então, essas palavras querem dizer que estamos metidos em fezes, em problemas, que não estamos satisfeitos com alguma coisa, percebeste? 
Ti Maria: Percebi pouco! Tens razão não são para mim! 
Ti Joaquim: Grande novidade! Que não são para ti, sei eu! São tão moderno que acabaram de chegar mesmo agora a Capelins de Baixo, eu sou o primeiro a saber! Que até já sabia!
Na madrugada seguinte, o ti Joaquim deu ordens para o rancho enrregar na monda, mas ficaram algumas mulheres mais para trás a pôr os ganchos nas saias das calças, o ti Joaquim já estava ansioso  e começou a apressá-las e a dizer: "Vá lá mulheres, já era para estarem nos seus regos" e exclamou logo: "que pivete"! As mulheres nem repararam e começaram a mondar! Ao fim de duas horas as mulheres começaram com vontade de ir atrás do outeiro, a pedir uma de cada vez, porque era impensável irem duas juntas e, cada vez que uma pedia, o ti Joaquim respondia: vai lá depressa e rematava: "que pivete", cada vez que uma mulher pedia para beber água, o ti Joaquim respondia: Vá, bebe lá, e logo de seguida repetia: "que pivete"! Foi um dia inteiro nisto, era impossível as mulheres não repararem naquela frase que, nunca tinham ouvido e, já no fim do dia quando alguma mulher fazia um pedido, já todas acompanhavam a resposta entre dentes: "que pivete". Nos dias seguintes  tudo continuou quase igual, com a diferença de, sempre que o ti Joaquim dizia as palavras mágicas, era acompanhado por todo o rancho em coro: "que pivete"! Ele ficava zangado com as mulheres, ou por pensar que estavam a fazer pouco dele, ou por sentir que lhe estavam a usurpar as palavras que ele tanto prezava e, só dignas de um manageiro, mas as mulheres andavam inclinadas com a cabeça dentro da seara e, quando ele se dirigia a alguma, ela respondia sempre: Oh ti Joaquim, eu não abri a minha boca, veja lá quem foi, porque eu não fui! A partir daí o ti Joaquim ganhou o apelido de "PIVETE" e nunca mais se livrou dele! Ainda hoje, existem descendentes, "os pivetes" por aqui e pelo mundo!   
Obviamente que, o estranho de Vila Viçosa se referia ao aroma exalado por cada homem que entrava na taberna, que era natural nessa época. 

Fim 

Texto: Correia Manuel

"Capelins de Baixo"



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