sábado, 10 de setembro de 2022

A lenda do maltez que foi feitor

 A lenda do maltez que foi feitor 

Conta-se que, num dia no início do mês de Março de 1758, iniciavam-se as lavouras (alqueve) na herdade da Defesa de Ferreira, quando à tardinha chegou junto do ganhão (responsável pelos bois de trabalho), um homem com uma manta às costas e um pau, que lhe servia de defesa, e perguntou se não precisavam de um homem para lavrar com os bois. O ganhão olhou para ele desconfiado e respondeu-lhe com outra pergunta, se ele sabia fazer aquele trabalho, ao que ele respondeu: Dou um jeito! O ganhão repetiu a pergunta e o homem deu a mesma resposta! Sendo assim, como tenho dois ou três lugares podes ficar à experiência e depois logo vejo pelo resultado, se vais ficar ou se te dou um pontapé no traseiro, porque aparecem por aqui muitos maltezes como tu! Disse o ganhão! E já posso cear (jantar) na casa? Ainda hoje não comi nada! Disse o homem! Não devias, porque ainda não estás a trabalhar, mas está bem, depois logo acertamos isso! Disse o ganhão! E o homem nessa noite já ceou (jantou) no Monte Grande, umas sopas de grãos com toucinho rançoso. Ainda de madrugada, os trabalhadores (criados) levantaram-se, comeram uma bucha e foram para o malhão onde era a lavoura. Os bois já lá estavam e os criados começaram a emparelhar as suas juntas e ficaram preparados para começar a lavrar. O ganhão deu as ordens para começarem uns atrás dos outros e depois de entregar uma junta de bois ao novo trabalhador disse-lhe para se distanciar dos outros, porque precisava de saber se ele sabia lavrar com os bois. Ele perguntou-lhe o nome dos bois da sua junta, porque isso era muito importante para se entender com os animais. O ganhão riu-se e disse-lhe: "para o tempo que há-de ser" chama-lhe boi cá, boi lá. O novo trabalhador tornou a pedir-lhe para lhe dizer o nome dos bois e o ganhão repetia sempre a mesma coisa e disse-lhe se não te calas levas já um pontapé e desapareces daqui. O homem seguiu as instruções do ganhão e foi tirar um rego, antes marcou um ponto ao longe, de onde não tirou os olhos e sempre falando com os bois, estes colaboraram de tal maneira que o ganhão não queria acreditar no que via, em toda a sua vida nunca tinha visto um rego tão direito, ainda pensou que fosse por calhar e não disse nada. O homem continuou a lavrar e os regos sempre certinhos, fazendo uma lavoura nunca vista nas terras de Capelins. O ganhão coçava a cabeça, nunca tinha assistido a um trabalho tão bem feito. Quando pararam para o almoço (pequeno almoço), aproximou-se do homem com uma atitude amigável e perguntou-lhe: Então como te chamas? Maltez! Disse o homem! Então agora! Ninguém se chama maltez! Vá diz lá o nome! Disse o ganhão! "Para o tempo que há-de ser, sou maltez! Disse o homem! E não passou disso. Continuou a lavrar e antes do meio dia apareceu o feitor da herdade que estranhou ver um homem a lavrar afastado dos outros. Esteve a apreciar a lavoura e ficou abismado, nunca na sua vida tinha visto uma lavoura assim e foi ter com o ganhão a pedir explicações. Este disse-lhe o que se passava, que o homem estava à experiência. O feitor zangou-se, mas qual experiência, agora a seguir ao jantar (almoço), pões o homem aqui com os outros e já é criado da casa. Chegou a hora do jantar (almoço), parou o trabalho, foram todos jantar e o ganhão, sempre em volta do homem, deu-lhe a melhor comida, disse-lhe que já era criado da casa e boa conversa, mas o homem pouco falou. Acabou de comer, levantou-se, pôs a manta às costas, apanhou o pau e foi-se embora. O ganhão, não queria acreditar no que estava a ver, foi atrás dele até ao alto do malhão, pediu-lhe desculpa por o ter recebido tão mal, fez-lhe promessas, com medo do feitor, mas o homem não falava e continuava o seu caminho para sul e o ganhão teve de desistir e voltar para o trabalho. O homem, chamava-se Miguel e, à tardinha desse dia, com Monsaraz à vista, chegou à herdade do Azinhal Redondo de Baixo, dirigiu-se ao lavrador e depressa se ajustaram. O Miguel ficou aqui a trabalhar e devido à sua dedicação e à qualidade do seu trabalho, um ano depois já era o feitor da herdade do Azinhal Redondo de Baixo e a sua fama de bom feitor espalhou-se pelas terras de Capelins. O Miguel começou a namorar com a filha de um jornaleiro da herdade e, alguns meses depois casaram na Igreja de Santo António, no dia do seu casamento, estava lá o ganhão a batizar um filho, foi novamente pedir-lhe desculpa da forma como o tinha tratado e a desejar-lhe felicidades. O Miguel e a esposa, ficaram no Monte do Azinhal Redondo de Baixo até ao fim das suas vidas, tiveram seis filhos que casaram pelas terras de Capelins e de São Pedro do Corval. O Miguel era de São Miguel do Adaval, Redondo, um homem muito honesto e bom trabalhador. O ganhão do Monte Grande foi precipitado no julgamento, em relação ao Miguel, as aparências muitas vezes enganam! 

Fim 

Texto: Correia Manuel 





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