quarta-feira, 14 de setembro de 2022

A lenda da perua do rabo alçado, que quase acabou num ensopado

 A lenda da perua do rabo alçado, que quase acabou num ensopado

Conta-se que, o ti António Borralho, que morava em Capelins de Baixo e, era ganadeiro na herdade de Santa Luzia, num sábado, nos finais do mês de Maio do ano de 1889, depois de cear (jantar) e de deixar o gado tratado, meteu-se a caminho de casa, seguiu o caminho do Monte de Santa Luzia na direção do Moinho do Bufo, onde passou a Ribeira de Lucefécit pelo açude do dito Moinho e seguiu pelo alto do malhão. 
Já era tarde, perto da meia noite e no malhão começou a ouvir grande alarido de conversa de mulheres, pensou que era confusão na sua cabeça, mas cada vez ouvia mais claro e mais perto e escondeu-se atrás de uma moita de arbustos, como estava uma linda noite de luar, depois de uma pequena curva, avistou três peruas a andar na sua direção e falavam como mulheres, deu uma chapada na face para ter a certeza que estava acordado, e em poucos minutos vieram-lhe muitas ideias à cabeça, talvez as vozes fossem de mulheres que viessem atrás das peruas e sem pensar no que estava a fazer, meteu os dedos na boca e deu um estridente assobio dobrado, as peruas assustaram-se e levantaram voo, duas passaram-lhe por cima da cabeça, mas a última que era mais pesada caiu em cima dele.
 O ti António, apercebeu-se que era mesmo uma bela e gorda perua, deitou-lhe a mão e meteu-a bem apertada debaixo do braço e, continuou o seu caminho para Capelins de Baixo, falando alto: - Desta vez os meus gaiatos vão tirar a barriga de miséria, vão ser ensopados e mais ensopados, com umas batatinhas, mas não posso ser garganeiro, tenho de dar uns jantares aos meus vizinhos, coitados, anda tudo com fome, até a minha comadre Margarida lá há-de receber a parte dela.
As peruas eram feiticeiras que moravam em Capelins de Cima e em Capelins de Baixo e que nessa noite tinham sido convocadas pelo mafarrico para o baile junto ao pego da azinheira, na Ribeira de Lucefécit, onde tinham de estar à meia noite em ponto, mas quando iam a subir a estrada do malhão, uma alertou as outras para o perigo que corriam, podiam ser vistas por alguém e o melhor seria transformarem-se em peruas, porque se fosse preciso, depressa se escondiam no meio das searas ou podiam voar e chegar mais depressa ao baile, e todas concordaram que seria o melhor a fazer, e transformaram-se em três lindas peruas.
A ti Margarida Rosa era gorda, e ao transformar-se em perua ficou um pouco desequilibrada, com o rabo alçado e ia caminhando com dificuldade, foi por isso que falhou o voo e foi cair em cima do seu compadre António Borralho e agora estava metida num grande sarilho, nem podia abrir o bico, senão ele conhecia-a e ficava desgraçada.
As outras feiticeiras aperceberam-se do que tinha acontecido e voltaram para trás acompanhando-os de perto, para no caso da ti Margarida conseguir fugir, se fosse necessário, fazerem algumas diversões para o desorientar e ela escapar. 
Quanto mais a ti Margarida estrebuchava debaixo do braço do seu compadre António, mais ele a apertava e ela estava a perder a esperança de se ver livre dele, mas quando iam passando junto ao poço da estrada, ele já muito cansado devido ao peso da perua, desabafou em voz alta: - Vou-te já cortar a goela aqui, não me fujas tu, e meteu a mão ao bolso para tirar a navalha aliviando a pressão sobre ela e foi naquele momento que a ti Margarida juntou as forças que ainda tinha, deu um grande safanão e com sorte libertou-se, voando por cima da parede da horta, meteu-se pelo ribeiro do poço da estrada abaixo, e o ti António ficou tão atónito que nem reagiu e, nunca mais pôs a vista em cima da perua. 
O ti António, ficou muito revoltado por ter perdido o jantar (almoço) tão generoso, seguiu para sua casa, e as feiticeiras seguiram para o seu baile a correr e a voar e na hora marcada estavam aprumadas para entrar no baile sobre o olhar ameaçador do mafarrico que se apercebeu do que se tinha passado.
O ti António Borralho, no Domingo antes de abalar para Santa Luzia andou a contar aos vizinhos o que se tinha passado na noite anterior e a dizer-lhe que, por pouco, tinham tido ensopado de perua ao jantar (almoço) e foi dizer o mesmo à comadre Margarida que sentiu um grande arrepio pela espinha e pensou em nunca mais se transformar em perua, porque quase era comida num ensopado pelos compadres e pelos vizinhos.


Fim 

Texto: Correia Manuel

Alto do Malhão - Capelins 



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