terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O Sábado de Aleluia e o toque dos chocalhos


O Sábado de Aleluia e o toque dos chocalhos

O sábado de Aleluia, véspera da Páscoa, é o dia seguinte à Sexta-Feira Santa e anterior à Páscoa. É o último dia da Semana Santa, na qual os cristãos se preparam para a celebração da Páscoa. 
Para alguns cristãos, particularmente os católicos, foi neste dia que a Virgem Maria, como Nossa Senhora das Dores, recebeu o título de "Nossa Senhora da Solidão", uma referência ao profundo sentimento de solidão associado ao seu luto e tristeza. 
Nas terras de Capelins, no sábado de Aleluia, logo de manhã havia a missa na Igreja de Santo António e a seguir o Pároco chegava à porta larga (a que olha a ocidente) e benzia a rapaziada que estava formada em frente com os chocalhos ao pescoço, prontos a tocar em conjunto. Cada um levava o chocalho que podia arranjar em casa ou que alguém lhe emprestava, mas quanto maior melhor, os dominantes eram os "raboleiros" muito grandes usados nas vacas ou bois bem encorpados e que nesse dia se estivessem disponíveis eram os mais desejados. Quem não tinha um "raboleiro" levava um chocalho das cabras, ovelhas, porcos, perus, todos serviam. Só depois do Pároco fazer as benzeduras é que era válido tocar os chocalhos e ao fim de uns minutos ao sinal de um participante mais velho, paravam repentinamente e gritavam todos: "Jesus ressuscitou", porque o fundamento de tocar os chocalhos era para anunciar que Jesus tinha ressuscitado. A maioria da rapaziada não ligava este ato com a Ressurreição de Jesus Cristo e perguntavam aos mais velhos: - O que temos de dizer no meio do toque dos chocalhos? - Atão, temos de dizer às pessoas que "Jaju ruchitou". E porquê? - Porque se não dissermos isso, não apanhamos nada. Era essa a explicação possível. Assim se passava o sábado de Aleluia tocando os chocalhos às portas das mercearias, tabernas, montes e ruas da Aldeia e gritando, (os mais novinhos) "Jaju ruchitou" (Jesus ressuscitou) em troca de rebuçados, ervelhanas (abelhanas), ou seja amendoins a vulso, e alguns tostões, que eram trocados por rebuçados de meio tostão para darem mais quantidade. No fim do dia fazia-se a divisão das guloseimas que tinham sido conquistadas pelo grupo. 
O toque dos chocalhos no sábado de Aleluia era feito por vários grupos e rapaziada de diversas idades, que não se misturavam, existindo por vezes rivalidades entre os grupos, sobre os lugares onde cada grupo devia ir tocar os chocalhos, porque havia montes onde eram muito bem recompensados e quantos menos lá fossem, melhor seria para eles. 
Jesus continua a ressuscitar, mas esta tradição já foi!

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segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Domingo de Ramos em Capelins

O Domingo de Ramos é uma festa móvel cristã celebrada no domingo antes da Páscoa. A festa comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, um evento da vida de Jesus mencionado nos quatro evangelhos canónicos.

Em Capelins, no Domingos de Ramos, muito cedo, os paroquianos juntavam-se junto à Igreja de Santo António, para assistir à missa de Ramos e para benzer o alecrim com o qual, ainda nesse dia seriam feitas cruzes. Eram escolhidas canas com cerca de um metro e meio de altura, abriam-se uns orifícios um palmo abaixo do extremo superior e enfiava-se alecrim benzido nos lados e por cima por dentro da cana formando uma cruz que durante a tarde desse Domingo eram "espetadas" no chão no meio das searas e nas hortas, sempre viradas para o lado da Igreja de Santo António, com a finalidade das searas serem abençoadas e darem muito pão. Como referimos, principalmente os rapazes juntavam-se muito cedo junto à Igreja para antes da missa se realizar um jogo de futebol naquele espaço entre a estrada que vem do lado do Monte de Igreja e a que vem de Ferreira pelos Foros, era um bom campo de futebol com alguns penedos pelo meio e o jogo era quase sempre entre solteiros e casados!! Após o jogo de futebol era rezada a missa e no fim o senhor Padre benzia o alecrim, que algumas pessoas levavam e os montes que o "Ti José Madorna" e a "Ti Caleça" lá tinham e que logo a seguir ofereciam aos paroquianos, não ficando ninguém sem alecrim!

E era assim, a festa do Domingo de Ramos em Capelins!



Entrada triunfal de Jesus em Jerusalém 

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domingo, 29 de janeiro de 2017

O Baile da Pinha em Capelins

O Baile da Pinha em Capelins 

O Baile da Pinha realizava-se entre o Carnaval e a Páscoa, na Quaresma, num espírito cristão litúrgico.
O salão (Casão) era esplendorosamente decorado. Repleto de gente, chegava o momento solene da abertura do baile, com a chegada da corte real, Rei e Rainha do baile, acompanhados pelos respetivos vassalos e aias ou damas de honra. A fantasia e riqueza dos trajes dependiam muito da imaginação, do brio e da bolsa dos eleitos do baile do ano anterior. Esta festa assemelhava-se nalguns aspetos a um casamento.
Depois da entrada da corte no salão, o rei e a rainha instalavam-se no trono, mas logo de seguida inauguravam o baile da pinha, dançando só os dois, ao som de aplausos da multidão, a primeira peça do baile, enquanto os restantes elementos faziam círculo à sua volta.
A dança seguinte era executada pelas aias e pelos vassalos. Seguidamente dançavam os vassalos com as respetivas aias e os reis. Só depois de todas as danças, começava o baile para toda a gente. Havia bolos e bebidas oferecidos pelos participantes no baile da pinha. Faziam-se leilões como em todos os bailes e dançava-se alegremente até altas horas da noite.
Por volta das 4 horas da manhã, era chegado o momento de maior expetativa, de grande emoção. Tratava-se da "dança da pinha" ou "dança da fita". A enorme pinha de madeira encontrava-se pendurada ao tecto no meio do salão, envolvida por dezenas de fitas que pendiam. A dança da pinha podia durar uma hora e tinha por finalidade abrir a pinha.
Os vassalos e aias também podiam participar nesta dança. Ao longo da dança, o animador do baile anunciava, por ordem, o número do par, a pinha era descida à altura de se puxar uma fita. A dança durava até que " a fita premiada" acciona um mecanismo de abertura da pinha.
Era o momento de maior emoção, em que havia gritos de alegria e se aplaudia o novo rei e nova rainha, que abriam a pinha. Era o fim de um reinado e o começo de outro. Depois os novos eleitos davam início a outra série de danças. Estes escolhiam novos vassalos e novas aias e recebiam a coroa que lhes dava “poderes reais" para o baile da pinha do ano seguinte. 
Os bailes da pinha não eram bem iguais nas terras de Capelins e nas terras vizinhas, mas tinham a mesma finalidade, que era celebrar a alegria da antevisão da Ressurreição de Jesus na Páscoa que se aproximava. 

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domingo, 22 de janeiro de 2017


O corte da lenha para aquecimento e para cozinhar os alimentos

O corte da lenha que se destinava ao aquecimento das casas e à cozedura dos alimentos da família, começava logo a seguir à apanha da azeitona, dentro do mês de Janeiro e esses trabalhos até podiam coincidir em alguns dias. Era um trabalho feito quase todo, por homens treinados que passavam mais de um mês nos montados de azinheiras a cortar (podar) as árvores, algumas de grande porte, munidos apenas de um machado. Aqui não existiam escadas para subir às azinheiras, senão seria chacota, a subida era feita pelo tronco e depois saltavam de ramo (pernada) em ramo cortando toda a ramagem ficando a azinheira completamente despida, mas tinha de ser assim para dar força a ramagem nova, com outro vigor, senão a azinheira envelhecia e podia mesmo secar. A lenha cortada ficava debaixo da azinheira, mas a seguir tinha de ser "esgalhada" cortada em menores dimensões e separada, a mais grossa da mais fina (ramalhos), trabalho feito por homens com mais dificuldades em subir às azinheiras, então andavam mais atrás a fazer este trabalho, fazendo feixas (molhos) atadas com junça ou cordel e juntando, (empilhando), a lenha junto à respetiva azinheira ou chaparro, para mais tarde, quando estivesse seca ser transportada em carroças para perto do Monte ou outra habitação e daí, diariamente, aos feixes (molhos, ainda mais partida em cima de um madeiro com o machado) era levada então para casa, junto ao lume, feito num pequeno compartimento designado por chaminé. Era aqui que cumpria o seu papel de arder no lume onde cozinhavam os alimentos e ao mesmo tempo aquecia toda a casa, ou pelo menos a área da chaminé onde a família passava os serões, ao lume e a ouvir os mais velhos contar contos e peripécias passadas ao longo da sua vida. 

Montado de azinheiras

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sábado, 21 de janeiro de 2017

O ciclo do mel - A cresta

O ciclo do mel - A cresta

As abelhas fazem o mel com o fim do mesmo ser para alimentação da colmeia, mas não têm limite, enquanto existirem flores continuam a recolher néctar e polén e as abelhas engenheiras a fabricar mel com esse néctar em conjunto com a produção de enzimas. Assim, o mel dá para a sua alimentação e para lhe ser retirado uma grande parte na cresta. 
Nos finais da Primavera, nos últimos dias do mês de Maio, ou primeiros dias do mês de Junho, já a principal flor dos campos de Capelins estava em decadência, a flor do rosmaninho e com as colmeias cheias de mel, estava no tempo de fazer a cresta, colheita do mel das colmeias. Alguns dias antes, o apicultor vestia a proteção contra as picadas das abelhas e no apiário (colmeal), abria duas ou três colmeias para confirmar se o mel estava maduro, em condições de fazer a cresta, se os alvéolos dos favos se encontrassem fechados, era o sinal que se podia fazer a cresta. No dia da cresta, muito cedo, o mínimo de pessoas possível, para não enfurecer as abelhas, abriam as colmeias, sempre com fumo para afugentar as abelhas e tiravam os favos para alguidares, deixando na colmeia (cortiços) algum mel, o suficiente para o enxame se alimentar durante o inverno! 
Os favos eram levados para um compartimento para se proceder à extração do mel, os quais eram colocados virados para baixo, suspensos em varas para o mel escorrer para os alguidares, por fim, eram espremidos à mão para sair o mel restante e a partir dos restos ainda faziam água mel e a respetiva cêra! 
O mel era acondicionado em potes ou panelas de barro e ficava em condições de ser consumido, sendo um alimento de muita qualidade devido aos seus componentes benéficos à saúde!

Mel
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O ciclo dos enchidos V

O ciclo dos enchidos V 

A carne do porco ficava nos alguidares cerca de 4 a 5 dias, separada conforme o tipo de enchidos a que se destinava, sendo mexida e adicinada água e sal todos os dias. Ao quarto dia, começava a preparação para encher a carne, (fazer os enchidos), preparavam-se as tripas do porco e as de vaca, entretanto compradas na mercearia, misturava-se a farinha no alguidar das farinheiras, procuravam-se os embudes, (objetos em metal que eram colocados no início da tripa para, por eles, se empurrar a carne para dentro), linhas e junça para atar e ligar as pontas dos enchidos, agulhas para picar os enchidos e sair algum ar acumulado, tesouras e outros apetrechos necessários. Logo a seguir começavam por encher as cacholeiras (feitas do fígado do porco), depois as farinheiras e no dia seguinte várias mulheres enchiam as chouriças, morcelas e palaias (paios). À medida que faziam os enchidos, estes eram colocados (enfiados) em paus para no final serem pendurados dentro da chaminé à altura de dois metros para apanhar o fumo do lume que era feito por baixo e tanto dava para aquecer a família como o fumo secava os enchidos, ou seja, curava a carne, que só ficava em condições de ser consumida depois de passar algumas semanas no fumeiro. As cacholeiras eram as primeiras a consumir e a seguir as farinheiras. As chouriças, morcelas e palaias (paios) levavam mais tempo a secar e por consequência, as últimas a retirar do fumeiro.
Quando os enchidos já estavam curados, bem sequinhos, eram guardados em panelas de barro, muito bem acondicionados e sempre vigiados, para serem consumidos ao longo do ano! 

Foto da net



quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

O ciclo do mel Mel de Capelins

O ciclo do mel 
Mel de Capelins 

O mel é um alimento, geralmente encontrado em estado líquido viscoso e açucarado, que é produzido pelas abelhas a partir do néctar recolhido de flores e processado pelas enzimas digestivas desses insetos, sendo armazenado em favos nas suas colmeias com a finalidade de lhe servir de alimento. 
O mel sempre foi utilizado como alimento pelo homem, obtido inicialmente de forma extrativa e, muitas vezes, de maneira danosa às colmeias. Com o passar dos séculos, o homem aprendeu a capturar enxames e instalá-los em "colmeias artificiais". 
Devido ao desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas de manejo, conseguiu-se aumentar a produção de mel e extraí-lo sem danificar a colmeia. Com a "domesticação" das abelhas para a produção de mel, temos então o início da apicultura. Atualmente, além do mel, podemos obter diversos produtos como o pólen apícola, a geleia real, a apitoxina e a cera. Além da produção e comercialização de rainhas e em alguns casos de enxames e crias.
O mel é o único produto doce que contém proteínas e diversos sais minerais e vitaminas essenciais à nossa saúde. Além do alto valor energético, possui conhecidas propriedades medicinais, sendo um alimento de reconhecida ação antibacteriana
Nas terras de Capelins, desde sempre, foi produzido mel de muita qualidade, devido ao meio ambiente amigável e à abundância de flor de rosmaninho! 

Mel 

Foto net





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Sítios Arqueológicos de Capelins 

Arqueologia é a disciplina científica que estuda as culturas e os modos de vida do passado a partir da análise de vestígios materiais. É uma ciência social que estuda as sociedades já extintas, através de seus restos materiais, sejam estes móveis ou objetos imóveis (como é o caso das estruturas arquitetónicas). Incluem-se também no seu campo de estudos as intervenções feitas pelo homem no meio ambiente.
A maioria dos primeiros arqueólogos, que aplicaram a sua disciplina aos estudos das antiguidades, definiram a arqueologia como o estudo sistemático dos restos materiais da vida humana já desaparecida. Outros arqueólogos enfatizaram aspetos psicológico-comportamentais e definiram a arqueologia como a reconstrução da vida dos povos antigos. 

Conforme consta no levantamento arqueológico e patrimonial do Alqueva, existem mais de oitenta lugares arqueológicos na Freguesia de Capelins, que estão abandonados e podiam ser estudados! 


Malhada das Taliscas - Capelins 

Foto DGPC











O ciclo dos enchidos IV


O ciclo dos enchidos IV 

Depois da lavagem das tripas do porco, o trabalho continuava em força. Os que ficavam em casa adiantavam tudo o que podiam, desde pelar muitos alhos, cortar as miudezas do porco para a rechina, que começava a ser feita imediatamente, porque tinha de ser servida ao jantar. 
A rechina fazia-se no dia da matança do porco, para se utilizar o sangue, o qual tinha sido misturado com um pouco de vinagre para não coalhar. As miudezas do porco eram compostas pelo fígado, bofe, coração e rins, (os rins ficavam de parte para misturar com os miolos do porco, numa boa iguaria). Num tacho de barro, com um pouco de banha derretida, juntavam-se as miudezas, antes cortadas aos bocadinhos, adicionavam-se os condimentos e deixava-se refogar. A seguir juntava-se um pouco de sal. Quando estivesse tudo cozido retirava-se um pouco de caldo e misturava-se com o sangue, para ficar desfeito. Ainda com o tacho ao lume a ferver, deitava-se o sangue aos poucos, mexendo sempre, para engrossar o caldo e cozer e ficava pronta a comer. 
A rechina era servida sobre sopas de pão numa grande tigela! 
Depois do jantar, ou até antes, começavam a "desmanchar" (partir o porco em pedaços, tradicionalmente bem definidos), sendo separados com mestria, os ossos, o toucinho e a carne para os enchidos. Enquanto os mais experientes faziam esse serviço, outros cortavam a carne em pedacinhos em cima de uma tábua, para dentro dos respetivos alguidares, das palaias (paios), chouriças, morcelas, cacholeiras, e farinheiras. Era uma grande noitada de trabalho, continuando na madrugada seguinte, a temperar a carne nos alguidares, fazer a manteiga de onde saíam os torresmos, salgar o toucinho e preparar os presentes compostos por uma panelinha de rechina e um jantar de carne (um osso com pouca carne, um bocadinho de toucinho e uns bocadinhos de barbela e entrecosto), que entregavam a famílias amigas ou seus familiares que ainda não tinham feito a matança do seu porco, mas depois faziam igual, ou já o tinham feito! 
A carne nos alguidares era devidamente temperada com muito sal, água e pimentão vermelho moído e ficava assim durante cerca de cinco dias, sendo vigiada diariamente e mexida diariamente, acrescentando sempre alguma água e sal. As farinheiras e cacholeiras, tinham um tempero diferente e, eram os primeiros enchidos da matança do porco, quase sempre um dia antes dos restantes! 

Enchidos 
Foto da net




segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

O ciclo dos enchidos III

O ciclo dos enchidos III 

Num dia do mês de Janeiro fazia-se a matança do porco, o trabalho iniciava-se antes das oito horas da manhã, embora a hora marcada com os/as ajudantes fosse pelas 08:00 horas, mas antes, ainda tinham que verificar se estava tudo no lugar certo, porque não podia haver falhas para não interromper o trabalho como estava planeado. 
Com tudo no seu lugar, então o passo seguinte era tirar o porco do chiqueiro, que muitas vezes não era nada fácil, até parecia que o animal adivinhava o seu destino, mas tinha que saír, nem que fosse à força, era levado até junto à banca e nesse lugar era agarrado pelas orelhas, cauda e patas e em força era deitado em cima da banca, tudo feito muito rápido. O homem com mais experiência passava-lhe uma corda pelo focinho e pela boca, pedia a faca e, se corresse tudo bem, ao fim de 15/20 minutos essa parte estava feita, se corresse mal, podia ser motivo de chacota na aldeia. Estava na hora do primeiro intervalo para um copito com petisco. A seguir, começava a tarefa de "musgar" (pelar) o porco, recuando no tempo, com "tojos" a arder, por partes, em cima do porco e logo de seguida tiravam a pele com as raspadeiras, mais tarde, já era com um maçarico a gaz, muito mais rápido e limpo. Depois de sair a pele, procedia-se à lavagem, regavam com água e ao mesmo tempo um homem esfregava o couro com um pedaço de cortiça, até o porco preto ficar branco e o porco branco, branco ficar! Mais uma tarefa concluída e mais um intervalo para um copito de vinho! 
A seguir, um especialista abria o porco e com cuidado e saber retirava tudo o que tinha dentro, colocando cada coisa no seu lugar, num alguidar, noutro alguidar, no tabuleiro e tentava não romper as tripas. Quando as tripas, já estavam no tabuleiro de madeira entrava imediatamente uma mulher ao serviço, com uma tesoura cortava as membranas entre elas de forma a ficarem soltas para mais tarde um grupo de mulheres as cortarem e lavarem no ribeiro ou ribeira mais próximo, porque serviam para fazer os enchidos! 
Depois do interior do porco estar limpo, era obrigatório ser pesado, porque ao fim de poucas horas toda a aldeia tinha de saber quanto pesou cada porco, para se tecerem os comentários sobre os motivos porque tinha pesado mais ou menos do que o de outro vizinho! Entretanto, já o lume estava cheio de tachos e panelas com vários petiscos para o almoço de todos os participantes no trabalho. Antes do almoço, o porco era acondicionado numa casa, ficando, de preferência, pendurado para escorrer e só mais tarde se fazia o "desmancho", entenda-se, fazê-lo em pequeninas peças! 
Depois do almoço, as mulheres lavavam as tripas do porco em lugares já habituais e os homens, já em número mais reduzido, continuavam a preparar as tarefas seguintes! 

Enchidos da net


domingo, 15 de janeiro de 2017

O ciclo dos enchidos II


O ciclo dos enchidos II 

A preparação para o dia da matança do porco começava muito tempo antes, quando ainda não existiam maçaricos (objeto por onde saía uma chama de gaz propano para "musgar" tirar a pele do porco depois da matança), os homens tinham que carregar às costas, num burro ou carroça, uns molhos de "tojos" das margens da Ribeira do Lucefécit, ao Bufo, ou de outro lugar onde existissem, que ardiam bem e eram colocados sobre a pele do porco para seguidamente com as raspadeiras remover a pele queimada. 
No dia anterior à matança já havia grande azáfama em casa, como era uma tarefa que se fazia só de ano a ano os instrumentos necessários estavam guardados em diversos locais era preciso encontrá-los e colocá-los nos sítios certos, porque logo de manhã cedo tinha de estar tudo em condições para começar o trabalho, além de convidar os/as ajudantes com antecedência, era procurar as facas, pedras de amular (afiar), raspadeiras, cortiça para com água esfregar o couro do porco depois de musgado (pelado), a corda para amarrar o porco, a banca (mesa) para colocar o porco em cima, a escada para depois pendurar o porco, panos e paninhos, linhas para atar as tripas, tesoura para cortar as tripas, tabuleiro de madeira para colocar as tripas, balança para pesar o porco, lenha para fazer grandes lumes, sal, vinagre, laranjas, água para lavar o porco, vinho, o petisco para os intervalos do trabalho, tachos, panelas, pratos, copos, alguidares e outros instrumentos! 
Só depois de tudo isto organizado, estavam reunidas as condições para dar início à matança do porco! 

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O ciclo dos enchidos I

O ciclo dos enchidos I

Quando se chegava à matança do porco e por consequência aos enchidos, já tinha passado cerca de um ano, desde o início do processo, que dava origem a mais este tesouro da nossa Capelins! 
Em Fevereiro/Março de cada ano, após a matança do último porco, estava na hora de comprar um leitão com pouco mais de dois meses de idade que ocupava o lugar deixado pelo anterior no mesmo chiqueiro instalado geralmente próximo da casa de habitação porque tinha de ser tratado duas a três vezes por dia, entre o abastecimento de comida e de água. 
O leitão nos primeiros meses não era muito exigente na alimentação, nem se podia dar logo muita comida senão começa a engordar muito cedo e antes da época das matanças já estava redondo de gordo. Assim, mantinha-se com os restos da casa, com erva escolhida e recolhida no campo, alguns farelos (separado da farinha de trigo) molhados em água, restos do almece ou leite e uma pequena ração de semente, quase sempre cevada! Ao longo do ano, a ração aumentava em função da exigência do "bacro", quanto mais crescia, mais comida exigia, grunhindo a toda a hora a pedir comida. Quando chegava ao mês de Novembro, já existia muita boleta (bolota) e era fundamental que a engorda do porco passasse a ser feito com este fruto da azinheira, não só pela sua abundância em Capelins, mas também porque a carne tinha mais qualidade. A engorda, já em força, continuava até Janeiro, quando se fazia a matança do porco que era leitão um ano antes e nesta altura já podia pesar de 120 a 150 quilogramas (8 a 10 arrobas)! 
Também, existiam varas de porcos destinados à matança que eram engordados no campo, andavam alguns meses nos montados, alimentados de bolota e de tudo o que encontrassem e que fosse comestível e que produziam carne ainda melhor em relação aos engordados nos chiqueiros e que algumas pessoas de Capelins compravam para fazer a matança e abastecer a sua casa dos respetivos produtos, durante um ano! 




sábado, 14 de janeiro de 2017

O ciclo do azeite III


O ciclo do azeite III 

A azeitona já limpa de ramos e folhas dava entrada no lagar, neste caso, no lagar de Capelins da Casa Dias, que trabalhava de dia e noite nos meses de Dezembro a Fevereiro, dirigido pelo Mestre Ti Limpas. A azeitona era descarregada numa casa junto à prensa e quando esta estava já cheia, ficava na rua do Monte Grande. A prensa era constituída por duas grandes rodas pesadas que circulavam através de uma engrenagem de rodas dentadas movidas pela força de um motor a gasóleo que se ouvia 24 horas por toda a aldeia, as quais esmagavam as azeitonas que os homens munidos de pás de ferro baldeavam para debaixo dessas rodas, formando uma massa homogénea que era recebida num depósito anexo. A partir daqui, outros homens colocavam essa massa sobre uma espécie de tapetes redondos com uma abertura ao meio (chamavam-lhe capachos ou ceras) que eram "enfiados" num varão e entre eles era colocada a referida massa que passava a ser pressionada, por um sistema semi hidráulico que com força manual obrigava o líquido (azeite, ainda com as águas russas) a escorrer para a base tipo depósito, e daqui para outro depósito, ficando o "bagaço, caroços e peles das azeitona" separados da parte líquida, nos capachos" . Neste depósito intermédio era adicionada água quente e ainda no fundo dos depósitos existia um lume de lenha para aquecer o líquido e obrigar o azeite a vir ao de cima e a escorrer por uma abertura para outro depósito onde ao fim de alguns dias ficava separado das impurezas, já de cor amarelinha, com grande pureza e muita qualidade, sempre vigiado e controlado pelo Ti Limpas, que lhe emprestava a sua arte e saber! 

Lagar de Azeite


Azeite de Capelins

O ciclo do azeite II - Capelins

Existem provas de que os mouros a partir do ano de 711 também povoaram as terras de Capelins e aqui introduziram a oliveira. Encontramos poucas oliveiras que podem ser dessa época, ou seja com mais de 1000 anos, mas podemos inferir que algumas se tenham perdido. Depois da Villa de Ferreira ter sido doada à Casa do Infantado em 1698, e repartida em pequenas herdades, foram plantadas algumas oliveiras, mas nunca existiram grandes olivais até ao início de 1900. A partir daí foram plantados os olivais nas herdades da Defesa de Ferreira, Monte da Vinha, Nabais, Ramalha, Seixo, Amadoreira, Roncão, Zorra, Defesa de Bobadela e outros. A colheita da azeitona começava nos finais de Novembro ou início de Dezembro e findava nos finais de Janeiro, podendo, em alguns anos chegar ao mês de Fevereiro. Era feita por homens, mulheres e crianças, chamados "ranchos", que podiam ser contratados pelos proprietários ou rendeiros dos olivais, à jorna (salário diário) ou podiam receber um valor por cada quilograma de azeitona que conseguiam colher e apanhar do chão debaixo das oliveiras e entregá-la já limpa dos ramos e das folhas que caiam das oliveiras misturadas com a azeitona. 
O trabalho era ainda mais difícil porque era feito nos meses de muito frio e de chuva, começava cedo, porque os dias eram muito pequenos, os azeitoneiros/as saíam de casa ainda de noite e de noite voltavam a suas casas, ou podiam dormir nos Montes dos patrões para ficarem mais perto dos olivais, também se deslocavam ranchos de azeitoneiros/as de Capelins para Vila Viçosa, onde existiam grandes olivais. 
Este trabalho consistia em estender os "panos" debaixo das oliveiras e depois com escadas encostadas às oliveiras ou em cima das "pernadas", (ramos mais grossos) e até do chão, "ripava-se" a azeitona para cima desses panos, (não podia cair no chão), depois, quando os panos já tinham muita azeitona, esta era metida dentro de sacos. 
Pelas 16:00 horas os homens carregavam os sacos, geralmente às costas, para um local onde faziam a limpeza da azeitona, (com uma pá de ferro a azeitona era atirada ao ar separando-se assim, as folhas e ramos da azeitona). Depois da limpeza já à noitinha.a azeitona estava em condições de entrar no depósito, onde era recebida e pesada, (comprada) por um intermediário que a concentrava nesse depósito para dali ser carregada para um lagar, ou em alguns casos, entrava diretamente no lagar onde seria transformada em azeite, como era na Casa Dias, em Capelins, que tinha lagar próprio! 

Oliveira centenária de Capelins



sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O ciclo do azeite I

O ciclo do azeite I

A produção de azeite é uma tradição ancestral e nos países da bacia do Mediterrâneo é um saber que remonta a 3000 a.C.
Em Portugal, os vestígios da cultura da oliveira datam do "Código Visigótico" de 506 d.C., que punia quem arrancasse uma oliveira alheia. 
Nas terras de Capelins encontramos oliveiras centenárias em vários lugares e nos trabalhos de levantamento arqueológico e patrimonial do Alqueva, no alto do olival do Monte de Ferreira, perto da Ermida de Nossa Senhora das Neves, no lugar onde existiu a Villa de Ferreira Medieval, de 1314, foi encontrada uma lagareta de xisto e uma mó, a prova de que nos finais da Idade Média, embora de forma muito artesanal, já se fazia azeite por estas terras. Depois da construção dos Montes na Vila de Ferreira (da Casa do Infantado) em 1698, parece que junto dos mesmos, foram plantadas algumas (poucas) oliveiras, como no Monte de Igreja, Monte de Capelins, Monte do Meio, Monte do Pinheiro, Monte da Figueira, Monte dos Calados, Monte da Capeleira e de quase todos os restantes Montes! 
Porém, é já no século XX que surge a produção de azeite nas terras de Capelins, no Lagar da Casa Dias, que transformava a azeitona das suas herdades, Defesa de Ferreira e Defesa de Bobadela e trabalhava de noite e dia pelo menos dois meses!




quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O ciclo do queijo III


O ciclo do queijo III

Quando o leite já estava coalhado, tinham de se meter as mãos à obra, ou seja fazer os queijos. A "coalhada" tirada das panelas era despejada na queijeira, uma mesa retangular com resguardos laterais e um estreitamento acentuado numa das extremidades por onde escorria o "soro" do leite para dentro de um alguidar para seguidamente se fazer o almece. A "coalhada" era colocada com alguma pressão em pequenas quantidades dentro dos cinchos (formas), depois os queijos eram bem salgados e ficavam com o cincho até ao dia seguinte. Já no processo da cura (seca do queijo) a qual era uma tarefa muito exigente em trabalho e higiene, porque tinham de dar volta aos milhares de queijos todos os dias, virar, manualmente, o lado de cima para baixo e verificar se existia alguma anomalia causada pelos pequeninos mosquitos que podiam depositar ovos e estragar o queijo, por isso, tinham de estar bem limpos e salgados, continuando esse trabalho cerca de dois a três meses, ficando, então em boas condições para serem consumidos. 
Os queijos eram vendidos aos quarteirões, (quantidades de 25) e acondicionados de várias formas (debaixo de sal, em panelas com azeite e outros segredos) para abastecer a casa (fundamental nas merendas dos Capelinenses) durante todo o ano! 

Foto da net






terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O ciclo do queijo II O Almece

O ciclo do queijo II

O Almece 

Almece é palavra de origem árabe, de almeiz ou al-meice ou ainda al-mîs, que significa "soro do leite". Trata-se de um regionalismo utilizado principalmente no Alentejo.

Depois da ordenha das ovelhas para o ferrado, o leite era transferido para cântaros de lata onde se fazia o seu transporte para a "Rouparia".
Na Rouparia, o leite passava para uma ou mais panelas, de preferência de barro, em cuja boca se preparava um coador constituído por um pano de linho, seguido de lã e por fim de linha. Deixando-se um abaulamento, os panos que constituíam um filtro eram atados e seguros à boca das panelas e ía-se deitando o leite a pouco e pouco ficando no coador as impurezas e interiormente o leite em condições de preparar o queijo. 
A flor do cardo, tinha sido colocada previamente de molho era bem pisada num almofariz de metal. Seguidamente a água em que o cardo tinha ficado de molho era coada misturando-se ao leite. 
Entre uma e duas horas depois o leite está coalhado formando assim a “coalhada” que vai ser espremida no cincho (forma) para fazer o queijo.
Durante esta tarefa escorria um líquido, o soro de leite ao qual se juntavam alguns pedacitos de coalhada e por vezes um pouco de leite. 
Depois de fervido, obtinha-se o almece onde se encontravam pequenas partículas de leite coalhado que se chamavam “borregos/as”.
O almece comia-se com pão migado e era muito apreciado pelos Capelinenses.


Almece





O ciclo do queijo I


O ciclo do queijo I

Desde sempre, Capelins foi terra de queijos, os quais, para além de serem muito bons, eram arte, vida, símbolos quase sagrados da cultura desta nossa Capelins.
Todo o trabalho era feito artesanalmente e começava muitos meses antes, logo em Setembro do ano anterior, tinham que apanhar o "cardo" (flor da alcachofra brava) passando um ou mais dias no campo a colher essa flor que depois colocavam a secar e era bem guardado para ser utilizado em Março, quando o leite de ovelha começava a estar disponível, depois dos borregos deixarem de mamar e serem separados das mães. 
A "Rouparia" era na maioria das vezes improvisada nas próprias casas de habitação, podendo empregar toda a Família, cada um com as suas tarefas. À noite tinham de pôr o "cardo" de molho em água em quantidade suficiente para fazer coalhar os litros de leite que recebiam na manhã seguinte e em alguns casos também à tarde. A partir das três/quatro da manhã começava a ordenha, (tirar o leite às ovelhas), e logo a seguir o leite era transportado para a "Rouparia" em cântaros de "lata" numa carroça ou numa burra, com muito cuidado para que não houvesse nenhum acidente, a matéria prima era rara, cara e não se podia desperdiçar. Ao chegar à "Rouparia" o leite era passado por "coadores" através de panos brancos sucessivos, muito bem lavados, que não deixavam passar nenhuma impureza para as panelas onde o leite se juntava com o "cardo". Depois nessas panelas era colocado junto ao lume de lenha (brando), para o calor ajudar o leite a coalhar, (engrossar, transformando-se numa pasta branca homogénea) e dela se faziam os queijos! (algumas pessoas coziam o leite ao lume e só depois, juntavam a água onde estava o "cardo" de molho, para começar a coalhar)! 

Foto net




segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Os bolos da Páscoa em Capelins

Quando a Páscoa se aproximava, era uma azáfama muito grande, para fazer os bolos dessa época! Todas as Famílias de Capelins, que não estivessem enlutadas faziam os bolos da Páscoa. O bolo principal que se fazia em maior quantidade, para casa, e para dar nos presentes às Famílias enlutadas, era a rosca (bolo finto). Este bolo, tinha uma receita especial guardada em cada casa, porque como os bolos só eram feitos de ano a ano, tinham que consultar a receita não fossem esquecer algum ingrediente importante! Também se faziam outros bolos, entre eles uns de amêndoa com metade de uma amêndoa no topo e alguns folares da mesma massa das roscas mas ornamentados com tiras de massa e com um ou mais ovos cozidos no topo do bolo/folar! 
Eram esses os bolos tradicionais que davam muito trabalho, principalmente às mulheres, que trabalhavam de noite e dia para os poderem fazer! A farinha, açúcar e outros ingredientes eram amassados como se fazia para o pão, depois a massa fintava (levedava) e a seguir faziam-se manualmente os delicados bolos e folares. Entretanto, acendiam o forno onde ardiam algumas "feixas" de lenha para o aquecer de forma a cozer os bolos! No caso de terem de usar os fornos comunitários, tinham de fazer a marcação do dia e horas! Às vezes existiam confusões nas marcações, mas tudo se resolvia!





Cozedura do pão - Capelins

O ciclo do pão VIII 
A cozedura do pão 

A farinha vinda do Moinho era guardada em casa, no melhor lugar que se podia arranjar, estava ali a base da alimentação da Família! A cozedura do pão exigia que o trabalho fosse iniciado na noite anterior. Primeiro, tinha de se garantir a existência do fermento, (levedura, parte de um pão em massa da cozedura anterior, ou trocado com outra Família, que continha os fungos necessários a desempenhar as suas funções). Ao serão, a farinha destinada à cozedura era peneirada (separava-se o farelo, a casca do trigo) e ficava assim até à madrugada seguinte. Pelas cinco da manhã, os homens começavam a amassar, misturando o fermento e aos poucos água, de preferência morna, na farinha e com as mãos fechadas calcavam na massa e davam voltas e mais voltas, levando mais de uma hora nesse difícil trabalho. Pelas seis horas da manhã estava amassado e ficava em repouso a fintar (levedar) durante duas ou mais horas. O trabalho não parava, tinham de ir buscar a lenha para junto do forno e a seguir puxar fogo a essa lenha dentro do forno para o aquecer! 
Depois de, a massa estar pelo menos duas horas a fintar (levedar) já se podia "tender", ou seja, fazer o pão que continuava mais uma hora a fintar no tabuleiro e de seguida entrava no forno que já tinha sido preparado. Após a lenha arder dentro do forno, o borralho (brasas e cinza) era encostado para um dos lados com uma pá em madeira com um cabo comprido, para o forneiro/a (quem tratava do forno) não se queimar, a mesma pá que depois servia para colocar o pão em massa dentro do forno e tirá-lo já cosido. O solo do forno ainda era bem passado com uma vassoura de piorno verde, para não arder, e tinha que ficar bem limpo de brasas e de cinza para não se colarem ao solo do pão. 
Como eram pães com cerca de dois quilogramas cada, tinham de estar dentro do forno quase duas horas para cozer e ao fim desse tempo eram retirados do forno e colocados num tabuleiro de madeira, mas faziam antes um ritual que consistia em pegar no pão com a mão esquerda e bater com a mão direita aberta, no solo do pão, para sair alguma cinza que existisse e por fé de que tinha ficado bom!
A partir desse momento, com o pão ainda quente, já se podia comer, (na tiborna com azeite e mel), no entanto, este pão para estar aqui, exigiu um ano e meio de duros trabalhos agrícolas!


Forno comunitário de Ferreira de Capelins  








O Ciclo do pão - VII Moinhos de Capelins

O Ciclo do pão - VII 

Moinhos de Capelins

Como sabemos, quando temos um pão na mesa, este exigiu um ano e meio de trabalhos agrícolas! 
No mês de Setembro já podiam levar o trigo novo ao Moinho, para ser transformado em farinha, mas só a um Moinho do rio Guadiana, porque as Ribeiras do Luceféit e do Azevel nesse mês, ainda não tinham água que pudesse mover Moinhos. Depois de chover muito, a partir de Novembro ou Dezembro, o rio Guadiana passava meses com grandes cheias que submergiam os seus Moinhos e impediam o funcionamento durante muito tempo, era nessa altura que funcionavam os Moinhos destas Ribeiras. Os seareiros e os jornaleiros que trabalhavam para os lavradores levavam o trigo aos Moinhos, o qual era pesado pelo Moleiro (dono ou empregado no Moinho) e trocado por farinha. Se o seareiro não pudesse esperar, passando o dia entretido a pescar, a colher madeira para cabos de instrumentos agrícolas ou outro passatempo, podia trazer imediatamente a farinha a que tinha direito face aos quilogramas de trigo que levava, descontando a maquia, ou seja a parte cobrada pelo Moleiro pelo pagamento do seu trabalho e despesas com toda a engrenagem. No caso do seareiro querer a farinha feita do seu trigo do que levava, como referimos, esperava, ou podia lá voltar nos dias seguintes, mas a diferença na farinha não era nenhuma! 
O seareiro levava a farinha para sua casa. a qual ficava disponível para ser peneirada (separar o farelo, casca do trigo, da farinha, com uma peneira) e para fazer a cozedura do pão! 
Importa referir que, no decénio de 1960, ou talvez antes, já existia uma moagem em Montes Juntos, pertencente à Família Poeiras, movida a motores, que substituiu a maioria dos Moinhos movidos a água, existentes na Freguesia de Capelins! 






O ciclo do pão - VI

O ciclo do pão - VI 

No final do mês de Agosto a debulha dos cereais estava pronta, ou quase e a maior parte do trigo já tinha entrado nos celeiros. 
De manhã muito cedo pelas quatro horas da madrugada carregavam as carroças com 400/500/600 quilogramas de trigo, conforme elas eram puxadas por uma, ou duas muares (parelha) e seguiam a caminho de Alandroal ou Vila Viçosa, onde chegavam pelas 8/9 horas. Entregavam o trigo e voltavam às terras de Capelins, onde chegavam pelas 13/14 horas e com grande cansaço dos homens e animais. No entanto, durante a tarde ainda tinham de carregar a palha dos cereais, das eiras para a almiára, (monte retangular e bem delineado) a qual servia para alimentar as muares grande parte do ano. Na madrugada seguinte e enquanto tivessem trigo para vender no celeiro o trabalho repetia-se. Quando o trigo disponível para venda já se encontrava no celeiro, durante o mês de Setembro, antes da vinda das chuvas, tinham de tapar as almiáras com palha de centeio (tipo colmo) que era segura com agulhas feitas com duas varas de piorno atadas uma à outra pela rama e as pontas eram cravadas na palha de centeio obrigando-a a aderir à almiára, fazendo uma cobertura que não deixava entrar a água das chuvas durante o inverno, mantendo a palha em condições de alimentar as muares. Finalmente, aqui fecha-se o ciclo, do início do arranjo da terra para semear o trigo até à sua colheita, passando entretanto um ano e meio, de Fevereiro/Março do ano anterior (alqueve), até Setembro do ano seguinte, em que o trigo ficava disponível a ser feito em farinha e dela, o pão! 
Em 4 de Outubro, com algum dinheiro no bolso, os lavradores, seareiros e Famílias, íam à feira de São Francisco, na Villa de Redondo, fazer as compras de alguns produtos, roupas, (venda e compra de animais) e o que precisavam para quase todo o ano! Alguns lavradores e seareiros, não faltavam às Feiras de Santa Maria no dia 15 de Agosto em Reguengos de Monsaraz e à de Vila Viçosa no dia 29 de Agosto, porque também nestas feiras compravam e vendiam o gado (muares e outros animais), eram grandes feiras de gado!





A debulha do trigo de forma manual

No mês de Julho, com as ceifas prontas, ou quase e os molhos de cereal concentrados junto das eiras, era tempo de se iniciar a sua debulha. Quem tinha eira com piso de tijoleira (baldosas) ou tipo cimento (mistura de cal preta e areia) podia começar imediatamente, mas havia muitos seareiros que não tinham esse privilégio e ainda tinham que fazer a eira, de preferência num local rochosos e o mais liso possível, não era conveniente fazer a debulha diretamente em cima da rocha e muito menos em fundo de terra, então tinham que tirar um dia para recolher "bóstias" de vacas nos campos onde pastavam e depois mergulhá-las em água, de forma a fazer pasta, a qual era espalhada com ajuda de vassouras feitas de "gestia" e de outros arbustos no local que servia de eira, depois com o sol endurecia o suficiente para sobre esse local serem debulhados todos os cereais do seareiro.
Assim, geralmente começavam pela debulha das favas, porque eram em menor quantidade e já estavam ceifadas há mais tempo e durante um ou dois dias ficavam prontas a guardar! 
O cereal em maior quantidade e importância económica era o trigo, logo o que merecia mais dedicação. 
Conforme a dimensão da eira, assim seria a quantidade de molhos de trigo a debulhar de cada vez, pela manhã,eram atirados do frascal (monte de molhos) 40/50 molhos de trigo para dentro da eira, depois, o seareiro ou mais homens, desatavam os molhos um a um e com um gesto próprio atiravam com o cereal ainda em palha de forma homogénea que ficava colocado um sobre o outro com a altura de 30/40 centímetros e ali ficava até cerca das 11 horas para aquecer com o sol, porque quanto mais quente estivesse, mais facilmente a palha se desfazia e o trigo saía das espigas, através da passagem das muares por inúmeras vezes por cima do "calcador" a andar e a correr puxando um instrumento designado trilho composto por 4/5 rolamentos em madeira impregnados de facas de ferro com cerca de 8 centímetros, que rodavam e em conjunto com as patas das muares cortavam a palha e faziam a debulha do trigo. Seguidamente, se existisse vento, (quando não existia o "calcador" podia estar vários dias na eira, esperando pelo vento para separarem a palha do trigo), procedia-se, então à limpeza do trigo atirando com a palha ao vento com o auxílio de uma forquilha de madeira e como a palha era mais leve do que o trigo ía cair a alguns metros ficando o trigo separado da palha.
Se corresse bem, antes da meia-noite o trigo já se encontrava em sacos para ser guardado em casa e todos os dias esse trabalho era repetido, até ao fim da debulha. No fim, parte dele era vendido nos celeiros de Terena, Alandroal ou Vila Viçosa e outra parte ficava para fazer farinha e alimentar a família durante um ano e para a sementeira seguinte!





O ciclo do pão - IV

O ciclo do pão - IV 

Ainda no mês de Julho, com as ceifas prontas, ou quase, e já se carregava o cereal para as eiras. As carroças (carros, puxados por uma muar, por uma parelha ou por juntas de bois), eram preparadas para carregar um grande número de molhos de cereal, nos estribos laterais eram encaixados três paus de cada lado com cerca de dois metros de tamanho e pontiagudos que eram o suporte da carrada e permitiam que a mesma pudesse sair além dos taipais com muito mais largura e altura. Após a preparação das carroças dava-se início ao trabalho, feito geralmente por dois homens, em cada carroça, sendo um para fazer a "carrada" e o outro para dar os molhos, de início à mão e à medida que a mesma subia os molhos eram dados com o auxilio de uma forquilha (instrumento com pontas em ferro (3/4) e um cabo em madeira com dois ou mais metros de tamanho). A carga do cereal em grão começava muito cedo, porque com o passar da noite os molhos de cereal manejavam-se melhor, estavam mais macios e as espigas não se desfaziam. Só depois da primeira carrada estar na eira é que os trabalhadores comiam o almoço (pequeno almoço) o qual era uma açorda com sopas de pão e carne de porco frita a acompanhar, ou uma açorda de alho. A azáfama continuava o dia todo, com intervalos para se alimentarem e para a sesta! Nas eiras, o cereal era colocado em montes que se designavam por "frascais" construídos de modo a resguardar o lado das espigas de eventuais intempéries, pouco frequentes, mas também da passarada que tentavam comer o cereal, assim, as espigas ficavam sempre para o lado de dentro e os "troços" para fora, ficando o "frascal" em forma redonda, quadrada ou retangular.
Depois da concentração dos cereais junto às eiras,dava-se início à sua debulha.

Foto da net




O ciclo do pão - III

O ciclo do pão - III 

Após a monda do trigo, alguns lavradores e seareiros ainda espalhavam nas searas um adubo especial denominado sulfato amónio, com aparência de açúcar, ao qual davam o nome de "cobertura" e a partir daí era esperar até meados do mês de Junho para se iniciar a ceifa deste cereal, porque a das favas, cevada e aveia começava nos finais do mês de Maio. As mulheres e homens ceifeiros eram contratados pelos lavradores e seareiros para fazerem toda a ceifa, deslocando-se da Beira Baixa para estas terras e das nossas aldeias para os campos de trigo, onde ficavam até acabar a ceifa, dormindo no chão ao relento. A alimentação, geralmente era fornecida pelos patrões e era baseada em sopas de pão, açordas, gaspachos e sopas de grão, feijão, chixaros e outras. Começavam a ceifar antes do sol raiar e só terminavam depois do pôr do sol, com 4/5 intervalos para o almoço, (hoje pequeno almoço), "bucha" a meio da manhã, jantar, ao meio dia e de seguida a sesta debaixo de uma azinheira ou oliveira, depois a merenda e à noite a ceia (hoje o jantar) e logo a seguir deitar, porque pelas 5 horas da manhã tinham de se levantar e voltar ao mesmo ritmo. 
O cereal era ceifado manualmente com uma foice e os ceifeiros/as para se protegerem de eventuais cortes usavam na mão esquerda a que apanhava o cereal para a foice cortar, uns canudos feitos de cana e metidos nos dedos. 
O cereal cortado, ficava no chão em pequenos montes, os homens vinha atrás e atavam essas porções pela cintura com o próprio cereal, fazendo molhos, que eram juntos em montes, chamados "relheiros", para no fim da ceifa, ou até antes, serem carregados para as eiras. 
Em meados do mês de Julho, a maioria das ceifas estavam concluídas e as mulheres voltavam às suas casas, os homens continuavam com o trabalho de carregar os cereais para as eiras, para, a seguir o debulharem, mas antes, no chamado dia da "acaba", quase todos os patrões ofereciam uma festa, ou no rio Guadiana, ou no Monte, era uma caldeta (sopa) de peixe do rio, peixe frito e vinho!
Pela tardinha, chegavam à aldeia em carroças, todas ornamentadas com ramos e flores de "alandroeiro" e cantando as cantigas que estavam então em moda, sendo recebidos pelos que já tinham regressado e pelos que aqui se tinham mantido! 
Os Beirões regressavam à sua saudosa Beira!


Pão Alentejano 
Foto net




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