domingo, 29 de janeiro de 2023

Memórias da chegada da Televisão à Aldeia de Ferreira

 Memórias da chegada da Televisão à Aldeia de Ferreira

A televisão deu os primeiros passos em Portugal, a preto e branco, em 4 de Setembro de 1956, mas as emissões regulares somente tiveram início em 7 de Março de 1957 e, nesse tempo, só eram captadas na região de Lisboa, abrangendo o resto do país alguns anos mais tarde.
O primeiro televisor, chegou à Aldeia de Ferreira em meados da década de 1960 e, como nessa data, ainda não existia corrente elétrica, era um motor a diesel que fornecia a energia para o seu funcionamento e, também servia para avisar a população de que o televisor já estava a funcionar, porque ouvia-se por toda a Aldeia.
O televisor estava instalado no mesmo casão onde se realizavam os bailes, para que, todas as pessoas pudessem assistir aos programas, uma vez que, nessa época, as mulheres e as crianças não permaneciam nas tabernas, mas o dito televisor, também era visto a partir da taberna.
Quando a televisão chegou à Aldeia de Ferreira, com transmissão a preto e branco, já havia muito tempo que se ouvia falar da sua existência e, algumas pessoas, já tinham assistido a programas em Lisboa, Évora, Alandroal e noutras localidades, mas poucos percebiam como apareciam as imagens dentro daquela pequena caixa ou caixote de madeira com um vidro em frente, e inventavam-se as coisas mais fantásticas que alguém podia imaginar e convenciam algumas pessoas, principalmente a rapaziada que interrogava os mais velhos sobre o funcionamento daquela magia e diziam-lhe, de entre outras balelas, que em Lisboa metiam aquilo que se via dentro de um caixote muito grande e as imagens apareciam ali na Aldeia de Ferreira, dentro daquele caixotinho, pelo que, ainda confundiam mais os pequenos.
Devido à interioridade desta região, a chegada da televisão à Aldeia de Ferreira, foi muito importante, não só pelos programas educativos e lúdicos, mas pela informação diária que o Estado Novo permitia que fosse transmitida, mas ao menos, começaram a chegar notícias, quase na hora, a este recondito lugar.
Os programas que recordamos dessa época e que, levavam a população quase toda a ver a televisão, eram os Festivais da Canção e da Eurovisão, as Marchas Populares de Lisboa até 1970 quando foram suspensas, os noticiários, as touradas, as Boas Festas pelo Natal, enviadas pelos militares que cumpriam serviço nas ex-colónias, e os jogos de futebol, neste caso, era para os homens.
Nas noites dos bons programas, o casão ficava completamente cheio, sem ninguém pagar bilhete, o retorno do investimento feito pelo taberneiro, era feito pelo consumo de bebidas e petiscos, e quando se verificavam essas grandes enchentes do casão, os lugares não chegavam para todos e algumas mulheres e raparigas levavam bancos e cadeiras de suas casas, como faziam nas noites dos bailes.
A televisão foi sempre melhorando as transmissões, tornando-se cada vez mais atrativa, os programas eram cada vez mais interessantes, começou a mostrar as várias regiões do nosso país, a vida das suas gentes, o folclore, a sua cultura e, em 06 de Agosto de 1966 a inauguração da ponte 25 de Abril, sobre o mar, como diziam alguns e depois a chegada do homem à lua no dia 20 de Julho de 1969, assim como, o Talk Shows Zip Zip transmitido entre 26 de Maio de 1969 e 29 de Dezembro de 1969.
Nas tardes e noites que a televisão transmitia programas mais importantes, as outras tabernas ficavam quase desertas, uma situação que não agradava aos respetivos taberneiros e não passaram muitos anos, um outro taberneiro instalou mais um televisor, igualmente a funcionar através de gerador a diesel e a partir daí, os espetadores começaram a dividir-se, em conformidade com a empatia pelos taberneiros ou pelo lugar.
Quando em 1971, a eletricidade chegou à Freguesia de Capelins, quase todas as tabernas instalaram televisores, algumas, já com antenas para receber a emissão da televisão espanhola que, transmitia muitas touradas e programas mais atraentes do que os da RTP e, continuaram a ser um chamariz de fregueses.
Passados dois ou três anos, alguns capelinenses começaram a comprar televisores para suas casas, onde se juntavam alguns vizinhos e familiares que ainda não tinham e começou a diminuir a afluência aos casões e às tabernas onde estavam os televisores.
A primeira emissão a cores foi em 1975, mas como os televisores eram quase todos, senão todos a preto e branco, não se notou, porém, depois de mais algumas experiências foi em 07 de Março de 1980 com a transmissão do Festival da Canção que a RTP começou, definitivamente a transmitir as emissões a cores.
A partir dessa data, os capelinenses, como todos os portugueses, começaram, gradualmente a substituir os seus televisores a preto e branco, mas nunca mais conseguiram estar atualizados, porque a evolução tem sido muito rápida, depois dos PLASMA e LCD, surgiram os LED, OLED, QLED, e outros LED.
Fim
Texto: Correia Manuel
Televisor antigo
Foto net 



sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Singela homenagem ao capelinense Manuel António Capelins

Singela homenagem ao capelinense Manuel António Capelins

Manuel António, nasceu em Santo António de Capelins, no dia 01 de Janeiro de 1924, era filho de António Eusébio e de Quitéria Maria, ambos naturais da Freguesia de Santo António de Capelins, onde casaram no dia 25 de Setembro de 1920. Manuel António era neto paterno de Eusébio da Encarnação, natural de Vila Viçosa, mas desde cedo, residente em Capelins.
Ainda novo, Manuel António, rumou à Aldeia de Santiago Rio de Moinhos, onde casou com Capitolina da Conceição Barreiros Serol no dia 18 de Dezembro de 1950, ficando registado com o nome de Manuel António Capelins.
Manuel António Capelins, era pastor na Serra D'Ossa, mas destacou-se com o seu artesanato, sendo mesmo apelidado de escultor, ao ponto de expôr algumas das suas obras no Casino do Estoril.
Não conhecemos, pessoalmente este conterrâneo, mas sabemos que tinha qualidades diferentes do cidadão comum, pela admiração que lhe foi dispensada pelo grande poeta Eugénio de Andrade, vejamos: Por João de Mancelos: Por exemplo, acerca do escultor e artesão Manuel António Capelins, Eugénio de Andrade escreveu estas linhas de um lirismo sóbrio, mas expressivo: “É um homem seco — as migas gatas, a sopa de cebola ou um gaspacho onde o azeite mal aflora não ajudam muito as carnes — alto, mas não muito, quase jovem, de rosto enxuto e uns olhos inteligentes e graves à tona, onde a alegria surge de súbito como o canto rompe dos lábios. Dos lábios? Não, aqui tudo vem de mais longe, ou de mais fundo, como quiserem. É das entranhas que tudo sai no Alentejo: o pão e a música, o sol e a água, a poeira e o luar”. Ao ler as palavras de Eugénio é inevitável associar o homem ao lugar, neste caso, Manuel António Capelins e o Alentejo, como se o artesão fosse, mais do que um resultado do meio ambiente, um prolongamento e uma expressão da própria paisagem, enfim, um génio do lugar."
Verificamos que, o grande poeta Eugénio de Andrade, nascido no Fundão e mais tarde residente no Porto, conheceu, pessoalmente este capelinense Manuel António Capelins, e pelo que escreve, mostra-nos a sua identidade.
Já lhe foram prestadas homenagens, mas não em Capelins, mas compreende-se.
Assim, por este meio, prestamos a nossa singela homenagem a este capelinense de nome Manuel António Capelins, que vai ficar registada no Blogue dos Amigos de Capelins. 

Nascimento de Manuel António Capelins em santo António de Capelins em 01-01-1924














Casamento de Manuel António Capelins em S. Tiago Rio de Moinhos em 18-12-1950















e artesanato de Manuel António Capelins 



quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Memórias da viagem do meu avô Xico Alvanéu, andado, de Capelins ao Torrão

 Memórias da viagem do meu avô Xico Alvanéu, andado, de Capelins ao Torrão

No ano de 1945, devido aos efeitos da Segunda Grande Guerra, 1939/1945, a crise chegou às terras de Capelins, onde existia falta de trabalho, principalmente de pedreiro, pelo que, o meu avô Xico Alvanéu, teve conhecimento que estavam a construir a barragem de Vale do Gaio, ou Trigo de Morais, no rio Xarrama, no Concelho de Alcácer do Sal e, convenceu o irmão, também pedreiro, a deslocarem-se lá, na esperança de encontrarem emprego na sua profissão.
Depois de planearem a viagem, escolheram o caminho que deviam seguir, partiram a pé na madrugada de segunda feira dia 02 de Abril de 1945, não só, porque não havia transportes públicos desde a Aldeia de Ferreira, mas para pouparem o dinheiro da viagem, cerca de 29$30, ou seja, cerca de 0,15 €, assim, com cerca de 90 quilómetros para percorrer, foram por Santiago Maior, Montoito, Vendinha e, após a passagem do rio Degebe na ponte do Albardão, quase 35 quilómetros andados, nesse lugar, passaram a primeira noite, enrolados na manta que levavam às costas.
No dia 03 de Abril, muito cedo, assim que acordaram, comeram um pouco do farnel e começaram a andar em direção perdida, sendo o objetivo S. Manços e lá chegaram, daqui continuaram para S. Marcos da Aboboda e, logo a seguir passaram a segunda noite num lugar designado Magalhôa, entre S. Marcos da Aboboda e S. Brás do Regedouro.
Na manhã do dia 04 de Abril, estavam muito cansados, mas tiveram de continuar a sua viagem, ainda faltavam cerca de 30 quilómetros para vencer nesse dia, passaram pelo Monte do Tojal, S. Brás do Regedouro, Alcáçovas, e à noitinha chegaram ao destino, à Vila do Torrão, onde dormiram e pediram informações sobre a possibilidade de encontrarem emprego na barragem de Vale do Gaio.
Com base nas informações recolhidas, na madrugada seguinte, dia 05 de Abril, seguiram para o Vale do Gaio, depois, foram percorrendo o canal até ao Vale de Matanças na Crujeira, onde o encarregado das obras de uma empresa subempreiteira os contratou como serventes e para serviço geral, porque, segundo ele, todos que ali chegavam diziam que eram pedreiros, uma vez que ganhavam mais oito escudos e depois, não sabiam quase nada dessa profissão.
No dia 06 de Abril começaram a trabalhar num canal da dita barragem, no lugar de Vale de Matanças a ganhar a jorna de 14 escudos, cerca de 0,07 €, era pouco, mas era trabalho certo e forneciam-lhe as 2 sopas por 1 escudo cada e, somente no dia 24 de Abril foram reconhecidos como pedreiros, depois de darem provas disso e começaram a trabalhar para a Junta Autónoma das Obras de Hidraulica Agrícola, no canal geral a ganhar a jorna de 22 escudos, cerca de o,11 €, e em cada mês seguinte, foram aumentando a jorna até 26$50, cerca de 0,13 €.
No mês de Junho, como já tinham muito dinheiro no bolso, tornava-se perigoso, então decidiram ir levá-lo a suas casas à Aldeia de Ferreira e, ao mesmo tempo ver a família, pelo que, no sábado dia 23 de Junho de 1945 saíram da Vila do Torrão de manhã na camioneta da carreira de Manuel Martins e Sebastião Martins Lda. de Évora, até esta cidade, e à tarde partiram noutra carreira até à Vila do Redondo, onde chegaram à tardinha e daqui foram a pé até à Aldeia de Ferreira, cerca de 25 quilómetros, quase em linha reta, onde chegaram na manhã do dia 24 de Junho.
Os dois irmãos pedreiros, estiveram na Aldeia de Ferreira, entre 24 e 30 de Junho, neste dia, foram dormir à Vila do Redondo e no dia 01 de Julho às 09,00 horas embarcaram na camioneta da carreira até Évora e ás 17 horas de Évora para a Vila do Torrão, seguindo a pé até ao lugar onde andavam a trabalhar.
Entre o dia 23 de Outubro e o dia 04 de Novembro a minha avó Francisca esteve no Vale de Gaio, na Raposeira, fazendo o mesmo percurso, mas foram levá-la e a buscá-la numa carroça à Vila do Redondo.
Na sexta-Feira, dia 21 de Dezembro, partiram da Vila do Torrão, na carreira até Évora e à tarde seguiram de Évora para a Vila do Redondo, onde pernoitaram, e no dia seguinte de manhã, sábado, partiram a pé para a Aldeia de Ferreira, e chegaram a casa à noite.
Como ganharam algum dinheiro, endireitaram a vida económica, e como o trabalho na barragem era muito duro, além de estarem longe de casa e da família, então, decidiram não voltar ao Vale do Gaio, também, porque, entretanto, com o fim da guerra, a situação económica do país começou a melhorar e surgiram alguns trabalhos em Capelins que, mesmo ganhando menos, compensava ficar em casa, junto da família.
O bilhete da camioneta da carreira nesta época, de Évora para a Vila do Torrão custava 16$50 (cerca de 0,08 €) e de Évora para o Redondo 12$80 (cerca de 0,06 €) e eles ganhavam 26$50 (cerca de 0,13 €/dia), assim, a dita viagem entre o Torrão-Redondo, custava um dia de trabalho.
Fim
Texto: Correia Manuel

Através de pesquisas, pensamos que esta fotografia foi tirada no Domingo dia 04 de Novembro de 1945 na Vila de Torrão, na altura em que o avô trabalhava na Barragem de Trigo de Morais em Vale do Gaio.






segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi na excursão a Vila Viçosa

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi na excursão a Vila Viçosa

A primeira viagem em camioneta da carreira feita pelo Chiquinho de Capelins, foi de Capelins de Baixo à Igreja de Santo António de Capelins, no dia 03 de Setembro de 1959, tinha apenas 3 anos de idade, mas ficou marcada, também, porque foi pelo casamento do tio Manuel.
O Chiquinho de Capelins andava na primeira classe, na escola da Aldeia de Ferreira, no ano de 1963, a professora Dª Eva, natural de Vila Viçosa, organizou uma excursão ao Palácio dos Duques de Bragança, com um grupo de alunos/as da primeira à terceira classe, mas nem todos puderam ir, porque, o passeio era pago, custou 7$50, sete escudos e cinquenta centavos, nessa época, não era barato, esse dinheiro dava para comprar quase três pães de quilo e, a algumas famílias fazia-lhe muita diferença nas magras carteiras.
Como alguns alunos eram minúsculos, iam à larga, três em cada banco, muito contentes e cantando as cantigas previamente encenadas na escola, sendo na viagem uma dedicada ao motorista da camioneta da excursão, o senhor Pimpão.
O primeiro destino em Vila Viçosa, foi a casa da Dª Umbelina "Rendeira" a anfitriã e benfeitora do grupo, veio receber os excursionistas e eles depois do sinal da professora cantaram a cantiga de agradecimento por os receber e dar de comer, o pequeno almoço, o almoço e o lanche, era mais ou menos assim: Obrigado Dª Umbelina/Por nos receber tão bem/É uma senhora divina/Que Vila Viçosa tem.
Depois da cantiga cantada, veio o pequeno almoço, eram papo secos, uns com rodelas de chouriço e outros com marmelada, dentro de tabuleiros, enchiam o olho, mas o Chiquinho nunca tinha comido, nem visto, papo secos, desconfiado foi olhando e cheirando, ainda pensou que fossem bôlas de pão, como as que a mãe lhe fazia quando cozia o pão lá em casa, mas só pelo cheiro, decidiu logo que aquilo não era para ele e não conseguiu meter-lhe o dente, tirou uns pedacinho do chouriço e atirou o papo seco para cima da mesa e lá ficou.
Após o pequeno almoço, o grupo excursionista acompanhado da professora, partiu para a visita ao Palácio Ducal, antes, em caminho, passaram pela casa da professora, onde demoraram pouco tempo, foram ver a rua pelas janelas do primeiro andar e tudo era uma festa, depois, seguiram caminho e assim que chegaram começaram a visita guiada ao Palácio com um guia e tudo o que ele explicava terminava com grande desabafo de admiração, algumas vezes, adiantavam-se e faziam o desabafo antes do guia acabar a explicação.
Devido à amizade do guia com a professora, parece que, era amigo ou familiar, a visita foi muito demorada e quando acabou já tínhamos muita fome, dali, partimos, novamente para casa da Dª Umbelina, onde nos esperava o almoço e quando o Chiquinho esperava que ia comer alguma açordinha de alho, ou umas sopinhas de grãos com chouriça, trouxeram-lhe massa com carne, e a empregada anunciou:
Empregada: Massinha com carne de vaca para os meninos e para as meninas!
O Chiquinho ficou logo sem apetite e disse:
Chiquinho: Xó, eu não como vacas! Na minha Aldeia ninguém come as vacas!
Empregada: Então, coma a massinha que está muito boa!
Chiquinho: Como é que como a massinha a saber a vaca? Não quero! Não quero!
Empregada: Então quer um papo seco com o quê?
Chiquinho: Papo seco? Ainda menos! Não quero nada disso!
A empregada viu que não podia fazer mais nada, encolheu os ombros e foi para dentro e o Chiquinho comeu duas ou três colheres de massa, petiscou mais qualquer coisa e ficou almoçado.
Depois do almoço, os excursionistas foram brincar para o recinto de uma escola que estava a poucos metros, mas alguns alunos dessa escola, ouviram cantar e a gritaria e apareceram lá a mandá-los dali para fora, armou-se uma confusão, mas valeu-lhes a pronta intervenção da professora que estava com o olho no grupo e mandou os outros embora, e com muito custo, lá desapareceram e a rapaziada continuaram por ali o resto da tarde a cantar, fazer rodas de mão dada, brincar à apanhada e outras brincadeiras até que os chamaram para o lanche e não é que o lanche era igual ao pequeno almoço, papo secos! O Chiquinho fez o mesmo que tinha feito ao pequeno almoço, porque não conseguiu comer os papo secos.
Após o lanche, tiveram, novamente de cantar as cantigas de agradecimento e despedida da anfitriã e pouco depois entraram na camioneta da excursão e lá foma para a Aldeia de Ferreira, mas antes da chegada, tiveram de cantar a cantiga de agradecimento e despedida ao senhor Pimpão e pouco depois, a excursão estava terminada.
E foi assim, a primeira excursão da vida do Chiquinho de Capelins, foi um pouco atribulada, mas valeu a pena, deixou marcas para a vida e abriu-lhe horizontes para, mais tarde, fazer outras excursões mais longas.
Fim
Texto: Correia Manuel



sábado, 21 de janeiro de 2023

Memórias da volta a Olivença, da viola e do lobo branco

Memórias da volta a Olivença, da viola e do lobo branco

Decorria o mês de Junho de um ano do início da década de 1970, já havia alguns rapazes de férias na Aldeia de Ferreira e, com outros que não tinham nada que fazer, passavam o tempo pelas respetivas tabernas, contando peripécias e anedotas, tomando algumas bebidas e jogando às cartas, ou outros jogos.
Numa noite ao serão, alguns rapazes perguntaram ao grupo se tinham planos para o dia seguinte e, quase todos encolheram os ombros em sinal que não tinham nada na ideia, mas o João disse que no dia seguinte ia dar uma volta a Olivença com dois rapazes da Aldeia das Hortinhas, ainda não tinha acabado de falar e já todos diziam que também queriam ir com eles.
Então, o João explicou as condições, para os que quisesse ir, tinham de sair dali um quato para as 06 horas, para estarem em Cheles antes das 08 horas e apanharmos La Estellesa para Olivença, que partia às 07,50 horas, íamos pelas Azenhas D' El-Rei, passávamos por cima do açude, mas depois para cá, só voltávamos no outro dia pelas 05,15 horas, no barco do ti Fura, já estava tudo combinado com ele, que era para passarmos a noite em Cheles, que aquilo à noite era muito bom, por isso, quem quisesse ir, era estar ali à porta da taberna a essa hora, os rapazes das Hortinhas iam de motorizada ter lá ao Guadiana.
O João contou o número de rapazes que queriam ir e eram seis, com os dois da Aldeia das Hortinhas seriam oito, e ficou tudo combinado.
Na madrugada seguinte, à hora marcada, lá nos juntámos todos e partimos à pressa, pelo Monte da Figueira, Ramalha, Zorra, descemos o Ribeiro do Carrão até perto da Ribeira de Lucefécit, depois virámos pela fonte da lesma até ás Azenhas D' El-Rei, aí passámos pelo açude e muito antes da oito horas estávamos em Cheles, fomos logo procurar a paragem de la Estellesa, mas estivemos, estivemos e não havia sinais da camioneta, então, os que ablavam um pouco de portunhol pediram a confirmação do horário e disseram-lhe que era às 07,50 horas, mas como já eram quase nove horas, já estava em Olivença, e foi quando percebemos que em Espanha era mais uma hora do que em Portugal, mas ao dizermos que queríamos ir para Olivença, indicaram-nos o carnicero (talhante) que tinha um jipe e que nos levava a Olivença, ficámos aliviados e fomos primeiro ao café dos Birutas, já conhecidos, porque apareciam pelas terras de Capelins,a trabalhar e a fazer contrabando de café, aí trocámos escudos por pesetas e fomos procurar o carnicero de Cheles que se prontificou a levar-nos para Olivença.
A carretera, ou estrada tinha tantas curvas e a condução era tão agressiva que nós apanhámos o maior susto das nossas vidas, como no jipe, lá atrás, não tínhamos onde agarrar, quase fazíamos piroletas e batíamos com os pés no tejadilho, mas nada incomodava, porque o que mais queríamos era ir para Olivença e lá chegámos inteiros e fizemos uma grande festa.
Os oito portugueses metemos o nariz em todo o lado, bebíamos uma cerveja num café, uma cuba libre noutro, e foi quando estávamos num desses cafés que ouvimos ao João, qual o motivo que o levava a Olivença, era para comprar uma viola, porque, andava com a mania da música e, como os rapazes das Hortinhas já conheciam os lugares onde vendiam os instrumentos musicais iam de guias do João, então fomos todos procurar uma viola boa, barata e bonita, mas os preços eram muito altos para a bolsa dele e andámos horas e horas por Olivença à procura de uma viola que ele pudesse pagar e acabámos por a encontrar, o João comprou a viola e o Chiquinho comprou uns óculos de sol que, enquanto duraram, fizeram furor nos meios que ele frequentava em Lisboa.
Já com a viola, continuámos a andar de rua em rua, sem nos lembrarmos, que andávamos todos ilegais, mas as pessoas eram todas muito simpáticas, achavam graça aos muchachos portugueses e nem os guardas nos perguntaram nada.
Quando desconfiámos que seriam horas da chegada de La Estellesa, antes das 17,00 horas, a qual vinha de Badajoz, fomos para a paragem, mas ainda era muito cedo e com a viola do João sempre a trinar começámos a cantar as cantigas da moda que sabíamos que os espanhóis gostavam, entre elas: Ó "Manuel da rola"/ Das bandas d'além/Não me julgues tola/ Eu te entendo bem. (...) e São caracóis, são caracolitos/São os espanhóis, são espanholitos. (...), e aproximaram-se logo de nós dois rapazes das nossas idades muito admirados e perguntaram de onde éramos, o que faziamos ali e outras perguntas e disseram-nos que eles eram argentinos e que estudavam na Escola Agrícola de Olivença, depois pediram a viola ao João, mas ele respondeu: "Xóstra, nunca mais a via! Como o rapaz argentino disse que sabia tocar bem, nós insistimos para ele a emprestar, mas ele respondeu: - Então e se eles fogem com ela, nunca mais a vejo! Não, não, não empresto!
Depois de algum impasse, nós dissemos-lhe: - Ó João, empresta lá a viola e se eles fugirem com ela nós caímos-lhe todos em cima e não nos escapam! Então, assim ainda é pior, disse o João, se lhe caímos todos em cima esmarnecom-me a viola toda, fico sem ela na mesma, não, não!
Parecia que não havia nada a fazer, mas depois de muita conversa entre nós e os argentinos o João ganhou confiança e emprestou a viola a um deles que, assim que passou os dedos nas cordas disse que estava desafinada, pelo que, começou por a afinar o melhor possível e depois começou a festa, foi cantar e tocar músicas argentinas e portuguesas que, fez um ajuntamento de espanhóis, alguns ainda descendentes dos portugueses de Olivença, mas quando a festa estava no melhor chegou La Estellesa e tivemos de embarcar, com a promessa aos argentinos que brevemente lá voltávamos, e dissemos-lhe para estarem naquele sítio que íamos ali ter com eles, mas nunca mais lá voltámos.
Já instalados na la Estellesa a caminho de Cheles, de Aldeia em Aldeia, e a viola do João sempre a trinar, a viagem foi longa e por cada localidade que passávamos íamos lendo o nome em coro, até que chegámos a San Benito e gritámos, San Benito, já não falta muito para Cheles, alguns comentaram que devia ser São Bonito em português, mas outros não concordaram e armou-se uma discussão que durou até Cheles acompanhada pelo trinar da viola do João.
Por fim chegámos a Cheles e os passageiros de La Estellesa respiraram de alívio, por se livrarem de tão incómodos companheiros de viagem, estavam cansados de ouvir a nossa gritaria e a viola do João, mas não disseram nada, porque a maioria dos espanhóis gostam muito de festas.
Já na Vila de Cheles, continuou o festival de café em café, até tudo fechar, o último foi o casino (sociedade artística) e pouco depois decidimos ir andando até às Azenhas D' El-Rei, ainda era cedo, mas Cheles já dormia e decidimos abalar, depois lá numas moitas de juncos, podíamos amagar e passar pelas brasas até à chegada do ti Fura com o barco, fomos indo fazendo grande algazarra que se ouvia em Portugal e o João sempre a mandar-nos calar, porque, se os carabineiros (guardas espanhóis) aparecessem ali íamos todos dormir o resto da noite ao Posto da Guarda de Cheles, mas isso era o menos, dizia ele, o pior é que eu fico sem a minha viola, mas os carabineiros se por ali andavam, fugiram de nós, porque se fossemos contrabandistas, não íamos naquela festa.
Quando estávamos perto das Azenhas D´El-Rei, do lado de Espanha, apareceu à distância, a uns cem metros, um grande cão, maior do que o rafeiro alentejano, quase todo branco, parámos com medo de avançar, mas o cão não nos atacou, andava de um lado para o outro, então, alguns alvitraram que devíamos dar uma volta mais larga, depois, quando fosse a hora do ti Fura chegar com o barco, logo nos aproximávamos do sítio combinado para o embarque, mas outros disseram que não era um cão, era um lobo, porque já tinham ouvido aos contrabandistas que havia ali muitos lobos e assim, começou mais uma discussão, alguns rapazes diziam que não era lobo, porque já tinham visto lobos no jardim zoológico e não eram brancos, mas outros, continuavam a dizer que tinham ouvido aos contrabandistas que havia ali lobos brancos e mostravam muito medo em se mexer dali.
Como o cão não se aproximava, decidimos ir em frente na direção do Rio Guadiana e foi quando ele, sem nunca ladrar, avançou direito a nós, então ficámos aflitos e corremos para as azinheiras e chaparros mais próximos e num salto ficámos lá em cima, exceto o João que, para não estragar a viola levou mais tempo a subir, mas o cão não avançou mais e ficou por ali, e nós com o cansaço fomos passando pelas brasas em cima dos chaparros e quando o ti Fura chegou não viu ninguém, mas deu um assobiu e alguns rapazes ouviram, foi a nossa sorte, senão ele ía-se embora e nós tínhamos de passar o rio Guadiana, novamente pelo açude, por onde o João não queria passar, porque antes do açude havia um correntão forte e perigoso e ele podia molhar a viola, por isso, combinou a passagem de barco.
O ti Fura levou-nos no barco, todos numa viagem, e depois de lhe contarmos o motivo de estarmos empoleirados nas azinheiras e chaparros, riu-se e disse-nos que não era um lobo, era um cão ali do Monte e era muito manso, os contrabandistas até lhe faziam festas quando ali passavam, era grande, metia respeito, mas não fazia mal a ninguém e que ali não havia lobos, depois de passarmos pelo pego de Dª Catarina, encolhidos com medo, devido à sua profundidade, desembarcámos junto à foz, na margem direita da Ribeira do Lucefécit, o ti Fura escondeu os remos, encheu o barco de água por causa do sol não ressequir a madeira e com uma corrente e um cadeado prende-o a um freixeiro e foi trabalhar, e nós fomos a pé, pelo mesmo caminho de volta à Aldeia de Ferreira, onde chegámos já o sol ia alto, despedimos e fomos a correr para as nossas camas e dormimos o dia todo, à noite quando nos juntámos na taberna, já foi acompanhados do trinar da viola do João.
Fim
Texto: Correia Manuel

Cidade de Olivença
Foto: net



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