terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A comemoração dos Reis nos tempos de outrora, em Capelins

A comemoração dos Reis nos tempos de outrora, em Capelins

O Dia de Reis é uma celebração católica, associada à tradição natalícia, sobre os três Reis Magos do Oriente, que visitaram o Menino Jesus na noite de cinco para seis de Janeiro, sendo guiados pela estrêla de Belém.
Em Capelins, em tempos remotos, não se encontram registos da comemoração da noite e dia de Reis, nem os nossos ancestrais se recordam de ouvir aos mais antigos que isso acontecia, mais tarde, talvez ainda na centúria de 1800, a dita noite, passou a ser comemorada com o cantar os Reis e tornou-se tradição, a qual, era planeada cerca de um mês antes, porque, primeiro eram formados os grupos de cantadores, depois, escolhiam os Montes das herdades onde iam cantar, os cânticos dos Reis e a cantiga dirigida a cada Família do respetivo Monte e, depois do grupo concordar com o plano, tinham de ensaiar em conjunto.
Como os cantadores dos Reis trabalhavam de sol a sol, os ensaios tinham de ser feitos à noite, depois da ceia (jantar), ou na rua, ou num cabanão de algum dos elementos ou emprestado por um familiar, se estivesse muito frio ou a chover, mas não era preciso ensaiar muito, uma vez que, as cantigas eram quase as mesmas do Natal.
Os grupos tinham de planear uma boa estratégia, para terem tempo de dar a volta escolhida, porque não podiam faltar nos Montes onde havaia a fama de darem as melhores recompensas, quase sempre, chouriças, morcelas, farinheiras, toucinho, pão, queijos, ovos, passas de figos e outros, mas quem primeiro chegava, primeiro era servido, embora, houvesse casas que apreciavam o cante e depois os que melhor cantavam e dedicassem a melhor quadra ao dono e Família, assim seria a recompensa.
Os grupos eram, quase sempre, recebidos pelo feitor ou por um criado/a do Monte e, era-lhe indicado o lugar onde se deviam posicionar a cantar e os donos, muitas vezes, nem apareciam, estavam muito calados no lado de dentro, atrás da porta a apreciar os cânticos e no fim, era o mesmo criado/a que lhe entregava a recompensa, mas no Monte de Bacêlos o lavrador recebia os grupos e ficava presente a apreciar a sua atuação.
Um amigo de Capelins, contou-nos que, na década de 1950, foi cantar os Reis integrado num grupo e, nessa noite, começaram por se juntar às 19,30 horas, junto ao lagar do Monte Grande em Capelins de Cima, e dali saíram com muita pressa a caminho dos Montes antes escolhidos e viveu algumas peripécias, como a de chegar a alguns Montes e por ser já depois de outros grupos, já o último, foi difícil darem-lhe alguma coisa, num dos casos, com muita insistência, lá apanharam uma pequena farinheira, porque as chouriças já tinham abalado todas, também nos transmitiu as cantigas de alguns grupos que cantaram os Reis no Monte de Bacêlos:
"Tem esta casa o Brasão
De entre todos o mais nobre
Receber sem distinção
Tanto o rico como o pobre."
O lavrador gostou muito, e recompensou-os como nunca ninguém o fez em toda a região.
Noutro ano, outro grupo, depois de cantar os cânticos dos três do oriente, cantou a seguinte cantiga, ao lavrador do Monte de Bacêlos:
"Adeus portas e janelas
Adeus janelas e portões
Aqui se encontra o espólio
Da Casa antiga Camões."
Parece que, este grupo não foi tão bem recompensado, como o da cantiga anterior.
No início da década de 1970, fizemos um grupo e fomos cantar os Reis à porta de algumas pessoas na Aldeia de Ferreira, mas nenhum dos elementos sabia o que se devia cantar, mas depois de escolher as casas a visitar, foi ensaiada uma cantiga dedicada a cada um dos donos das casas, sendo decidido começar em Capelins de Cima, pela casa do ti Xico do Sobral que morava numas casas da casa Dias, na eira Grande, por trás do Centro de Dia da Aldeia de Ferreira, depois iamos descendo até Capelins de Baixo, onde já com as recompensas seria feita uma patuscada.
O Grupo chegava, batia à porta e pedia se podia cantar os Reis, e quer fosse, ou não autorizado, cantava sempre, o primeiro cântico que todos sabiam era o seguinte:
"Olhei para o céu,
Estava estrelado,
Vi o Deus Menino,
Em palhas deitado.
Em palhas deitado,
Em palhas estendido,
Filho de uma rosa,
De um cravo nascido."
A seguir, cantávamos a cantiga dirigida ao dono da casa e na primeira foi esta:
"O ti Xico do Sobral,
É um grande parceiro,
O melhor guarda florestal,
Aqui e no Mundo inteiro."
Anunciámos que era o fim, e veio a esposa à porta a entregar um queijo, agradecemos e partimos para outra porta a cantar os mesmos cântico, só o último era diferente, no final, juntámos cerca de seis ovos e um queijo, os ovos foram fritos e deram para fazer uma boa patuscada ainda nessa noite, embora, fossem ovos com cinza à mistura, porque a frigideira virou-se ao tirar do lume, mas os ovos foram apanhados para um prato e não sobrou nada, estavam muito bons, mas devido à fraca colheita, nunca mais fomos cantar os Reis, ficando a experiência para a vida.
A noite de Reis, não era "noite buena" em Capelins, por isso, as tabernas fechavam pelas vinte e duas horas, mas ainda havia alguns homens que por lá passavam a beber uns copos de vinho ou de aguardente e por divertimento, cantavam os Reis e ensinavam algumas cantigas do seu tempo, quando eram rapazes, aos mais novos..
As recompensas que cada grupo recebia era dividido em igualdade, ou faziam uma patuscada para todos.
Quando um grupo chegava a um Monte, ou porta de uma casa, a cantar os Reis, geralmente começavam por cantar uma destas cantigas:
"Estas casas são bem altas,
Forradas de papelão.
Esta gente que aqui mora,
Deus lhe dê a salvação.
Estas casas são bem altas,
Forradas de papel fino.
Esta gente que aqui mora,
Deus lhe deia o Céu Divino."
Como no dia seguinte, dia de Reis, tinham de ir trabalhar, a comemoração tinha de acabar o mais cedo possível, porque, muitos rapazes, às cinco ou seis horas da madrugada já estavam em pé, para seguirem para as herdades onde trabalhavam e alguns ainda iam trauteando as cantigas que tinham ficado no ouvido, que depois cantavam aos companheiros no trabalho, passando as mais sonantes para a voz do povo, ficando gravadas até à atualidade.
Fim
Texto: Correia Manuel



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