domingo, 23 de abril de 2023

Memórias do ti Xico ceroulas, de Capelins

 Memórias do ti Xico ceroulas, de Capelins

No final do decénio de 1960, o ti Xico Bento, trabalhava na herdade do Roncão de Capelins, morava na Aldeia de Capelins de Baixo, mas só ia a casa nos Domingos da parte da tarde, ver a mulher a ti Maria Joana e os filhos e para fazer a mudança da roupa, voltando ao Monte do Roncão à noite, ou na segunda feira de madrugada.
Num Domingo do mês de Abril, depois do jantar (almoço), quando o ti Xico se preparava para ir tratar das bestas, antes de abalar, o Diamantino, conhecido pelo Diamante, companheiro de trabalho, disse-lhe que se podia ir embora, ele tratava das bestas, porque, agora tinha a bicicleta que era do tio, ainda chegava a Capelins de Baixo primeiro do que ele, já que a bichaninha até voava por aqueles caminhos.
O ti Xico, nem esperou mais, levantou-se do mocho, onde estava sentado, despediu-se e pegou na trouxa, ou seja, na alcofa e num saco de serapilheira com algumas coisas dentro, meteu tudo às costas e seguiu pelo ribeiro do carrão acima, passou em frente do Monte da Zorra, subiu a chapada até ao alto da Ramalha, mas quando chegou aí deu-lhe grande dor de barriga que nem o deixou procurar um lugar mais discreto, olhou para todos os lados e como não viu ninguém, atirou a carga ao chão, baixou as calças e as ceroulas e encoberto por algumas ervas espigadas, dispôs do bom lugar.
O Diamante, assim que tratou do gado, pegou na sua bicicleta e, no desejo de chegar a Capelins de Baixo primeiro que o ti Xico, conforme tinha prometido, pedalou, pedalou até que, ao chegar ao alto da Ramalha o viu encoberto pelas ervas, logo imaginou o que estava fazendo e pensou em brincar com ele, fazer-lhe uma passagem rasante a grande velocidade, deu ainda mais força aos pedais e virou a bicicleta na direção do alvo, mas como tinha pouca prática, deixou-a resvalar por um rodado de carroça para fora do caminho, indo ter ao lugar onde estava o ti Xico, que vendo o caso mal parado, muito apressado, puxou as calças para cima e deu um salto para trás ao mesmo tempo que o Diamante caía com a bicicleta abafando o presente.
O ti Xico ficou sem saber se havia de rir ou de se zangar com ele, mas quando o viu levantar sem mazelas à vista, com o peito todo borrado, começou então a rir e perguntou-lhe como tinha acontecido aquilo, quase morriam ali os dois, mas o que interessava era que não tinham ficado mal!
O Diamante estava envergonhado e não tinha vontade nenhuma de rir, ainda mais com aquele perfume nas mãos e na roupa, mas como sabia que a culpa tinha sido toda dele, apanhou algumas ervas e limpou-se, e a lamentar-se do sucedido, seguiu o seu caminho ao lado da bicicleta.
Como diz o ditado: "O último a rir é o que ri melhor", o ti Xico depois de tanto rir e do Diamante ter abalado foi-se arranjar, uma vez que, ainda tinha as ceroulas à altura dos joelhos, quando as puxou para cima e as apertou com as calças percebeu que alguma coisa não estava bem, foi inspecionar e viu que estavam bem aviadas com o resto do presente.
O ti Xico perdeu a vontade de rir e, depois de muito pensar decidiu apanhar ervas e limpar a maior parte depositada nas ceroulas e quando chegasse ao ribeiro da Ramalha despia-se e lavava-se, assim como, as ceroulas, porque não podia entrar em casa naquele estado e com aquele cheiro, e ao mesmo tempo preparou uma mentira para a ti Maria Joana, dizia-lhe que tinha caído de costas ao passar o ribeiro do carrão e que se tinha molhado, assim, ficava tudo resolvido e livre de falatório.
Quando o ti Xico chegou ao ribeiro da Ramalha, procurou um lugar onde não fosse visto, despiu as calças e as ceroulas e começou a lavagem, mas no mesmo caminho seguia um grupo de mulheres que tinham ido ao Monte de S. Miguel e quando passavam o ribeiro uma disse que tinha de ir atrás de uma moita e todas disseram o mesmo, lá foram observando a área com cuidado, não estivesse por ali algum homem, e estava mesmo, ficaram pasmadas quando viram o ti Xico despido da cintura para baixo de rabo para cima com tudo ao léu, já não foram à casa de banho e apressaram-se a continuar o seu caminho, sempre a tentar adivinhar o que andava o homem fazendo, todo "pelaroto" (despido) naquele lugar! Algumas, afirmaram que só podia andar a lavar a roupa, porque, decerto, se tinha borrado todo, mas não tinham certezas, podia ser tanta coisa!
Assim que chegaram a Capelins de Baixo a primeira pessoa que encontraram no alto do Monte da Figueira foi a ti Maria Joana, que estava em cuidado, porque o ti Xico não aparecia e podia-lhe ter acontecido alguma coisa de mal, e perguntou-lhe se o tinham visto pelo caminho, sendo informada que sim, e da figura que andava fazendo, todo "pelaroto" dentro do ribeiro da Ramalha!
A ti Maria Joana ficou com os nervos em franja, a matutar o que teria passado pela cabeça do marido para andar naquele desplante dentro do ribeiro e, quando o ti Xico chegou a casa, a mentira antes preparada, não lhe serviu de nada e foi obrigado a contar à mulher o que lhe tinha acontecido, com a garantia que ela não contava a ninguém, senão era motivo de chacota, mas a ti Maria Joana contou a uma irmã e, embora lhe tenha pedido para não contar a ninguém, não demorou muito tempo, toda a gente sabia do sucedido e o acontecimento andou de boca em boca e o ti Xico ganhou a alcunha do "ceroulas".
Fim
Texto: Correia Manuel




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