segunda-feira, 29 de abril de 2019

Moinho do Bufo - 3

Os Moinhos de água da Freguesia de Capelins 

3 - Moinho do Bufo 

Este Moinho situava-se/situa-se na margem direita da Ribeira de Lucefécit, junto a terras da Torre, não muito distante do Monte do Escrivão e do Monte da Talaveirinha, por esse motivo, nos primeiros decénios de 1800, consta pelo menos num Registo Paroquial da Paróquia de Santo António de Capelins, com a designação de Moinho do Escrivão!, porém, logo a seguir aparece em alguns documentos com a designação de Moinho do Bufo, devido à alcunha de um seu proprietário, um lavrador da herdade de Santa Luzia, morador na Vila do Alandroal, mas como, também era o lavrador da herdade do Pego do Bufo, na Freguesia de Rosário, neste Concelho, o dito Moinho passou a ser conhecido pela alcunha do seu dono, também ficava perto do Monte de Santa Luzia, embora situado além da Ribeira, mas fabricava muita farinha para este Monte.
Era um Moinho de rodízio, ou roda horizontal, com um aferido, provido de um açude que atravessava a Ribeira e ligava as margens do lado da Torre à herdade de Santa Luzia, canalizando a água até à sua engrenagem que fazia funcionar a mó, a qual, transformava os cereais em farinha. 
No decénio de 1960, foi construído neste lugar, um passadiço pedestre pelo rendeiro da herdade de Santa Luzia, senhor Martins que, esteve ativo até à construção da barragem de Alqueva, sobre o açude, com início no Moinho até à margem do lado daquela herdade que, permitia a passagem de pessoas, mesmo no caso das grandes cheias da Ribeira.
Como todos os Moinhos das Ribeiras, só funcionava durante o Inverno e Primavera quando havia água suficiente para poder trabalhar e era auxiliar de um dos Moinhos do Rio Guadiana, ou seja, quando havia grandes cheias, que podiam durar meses, os Moinhos do Rio Guadiana não podiam trabalhar, porque ficavam submersos e eram os Moinhos das Ribeiras que fabricavam a farinha necessária para a região. 
O Moinho do Bufo tinha a casa de apoio um pouco afastada da área de eventual inundação, para resguardar os cereais e a farinha em caso de grande cheia da Ribeira e da inundação do respetivo Moinho, mas também era a habitação do Moleiro e da família. 
No dia 17 de Maio de 1862, foi encontrado morto dentro deste Moinho uma criança espanhola, que era mendigo, de 12 anos de idade, ao qual chamavam José, deixando os capelinenses muito consternados.
Este Moinho, parece ter sido construído na centúria de 1700, estando em atividade até ao início da década de 1960, atualmente está submerso nas águas da Albufeira de Alqueva e quando foi submerso já se encontrava com um rombo no teto, pelo que, em Capelins diziam que foi desmoronado pela EDIA. 
Quando do Levantamento Arqueológico e Patrimonial do Alqueva em 1995, no relatório é indicado que, foi encontrado um habitat da Idade Média junto ao Moinho do Bufo.
(Algumas informações foram obtidas no livro: "Os Moinhos e os Moleiros do Rio Guadiana, de Luís Silva, porém, outras foram em diversos documentos e conhecimentos pessoais com presença em diversos Moinhos da Freguesia de Capelins e com explicações de alguns Moleiros). 


Texto: Correia Manuel 


Do Memorial existente na Aldeia de Montejuntos - Capelins 


 



domingo, 28 de abril de 2019

Moinho Velho - 1

Os Moinhos de água da Freguesia de Capelins 


1 - Moinho do Velho ou Moinho Velho

Este Moinho ou Azenha situava-se/situa-se na margem direita da Ribeira de Lucefécit, junto à herdade da Defesa de Ferreira de Cima, em frente aos limites da herdade de Santa Luzia com as Águas Frias, ou seja, logo abaixo do Porto romano das Águas Frias de Baixo, e está submerso pelas águas da Albufeira de Alqueva.
Era um Moinho misterioso, não tinha idade, não tinha história em termos de desempenho, não sabiam nada do seu passado, nem quando foi construído, quem foram os seus donos, quem foram os Moleiros que nele trabalharam, até quando trabalhou, e existe a lenda do velho, transmitida de geração em geração, diziam que, viveu nele um pobre velho, daí chamarem-lhe o Moinho do Velho! 
Na região de Capelins não existia nenhum Moinho igual a este e os ancestrais não sabiam como funcionava a sua engrenagem, uma vez que, nunca conheceram nenhum açude para canalizar a água para a mesma, e os Moinhos não trabalhavam sem um açude, mas pode ter desaparecido ao longo dos séculos, talvez com a ajuda do homem, porque, os açudes na Ribeira do Lucefécit não deixavam subir o peixe e havia queixas dos pescadores.
Pelas suas características, diziam que, talvez fosse construção romana, com cerca de 2.000 anos, o que nos leva a pensar que, podia ser uma Azenha de roda vertical, porque essas Azenhas surgiram por estas bandas com os romanos, mas ao observarmos o edifício, verifica-se uma grande boca de saída de água na linha da Ribeira, perpendicular à sua porta de entrada, pelo que, a água devia correr por baixo do edifício fazendo funcionar, talvez uma roda horizontal, neste caso de rodízio ou então uma eventual roda vertical no exterior, e se assim fosse seria uma Azenha, mas não se vislumbra lugar para uma roda vertical.
Ainda existe a hipótese de ter sido Moinho de pilão, servindo para  triturar/separar os minerais extraídos das minas, muito próximas, mas foi-nos afiançado por quem frequentou o lugar durante muitos anos que, nunca foram encontrados nenhuns resíduos de minerais, nem dentro, nem nas imediações do Moinho, pelo que, não acreditavam que tivesse sido um Moinho de pilão para o dito fim, assim, parece-nos que deve ter sido um Moinho de rodízio ou uma uma Azenha para fins moageiros que trabalhava para a Vila de Ferreira romana, situada um pouco acima. 
(Algumas informações foram obtidas no livro: "Os Moinhos e os Moleiros do Rio Guadiana, de Luís Silva, porém, outras foram em diversos documentos e conhecimentos pessoais com presença em diversos Moinhos da Freguesia de Capelins e com explicações de alguns Moleiros). 


Texto: Correia Manuel 

Moinho Velho e uma Azenha














Diferença entre o Moinho e Azenha, neste caso, vejamos a roda vertical da Azenha




sábado, 27 de abril de 2019

Os Moinhos de água da Freguesia de Capelins

Os Moinhos de água da Freguesia de Capelins

Desde a pré-história que o homem descobriu que os grãos de sementes eram bons para comer, mas, havia uma dificuldade, muitos deles são tão duros e não se podem engolir a seco! 
Para resolver este problema a humanidade começou a desenvolver técnicas para triturar os grãos, assim, surgiram as farinhas. 
Por muito tempo, uma parte dos alimentos eram feitos de farinha, feita nos Moinhos de “pilão” (Objeto feito a partir de um tronco de madeira, com uma abertura, utilizado para triturar ou descascar cereais, muito semelhante à cegonha ou picota)! 
Depois, surgiram os Moinhos de pedra movidos a água, através de uma roda que fazia girar um eixo na posição horizontal e, este movimento por sua vez, fazia girar engrenagens aumentando a rotação!
Mais tarde, o homem aperfeiçoou e desenvolveu as turbinas, que tinham palhetas na ponta de um eixo na posição vertical dentro de uma caixa que recebia água corrente, ou seja, em movimento por gravidade! 
O Moinho era composto por duas pedras, as quais, sendo em 360 graus: uma inferior que permanecia fixa, a outra superior, girava assentada na inferior através do eixo!
O mecanismo funcionava assim: Os grãos de cereais estavam depositados numa caixa de madeira acima das pedras, a qual, tinha uma palheta flexível entre a caixa e a pedra superior, com o movimento da pedra ela fazia um leve atrito, fazendo com que os grãos lentamente caíssem nas pedras por uma regulação de volume! 
O que fazia moer era o atrito entre as duas pedras, e fendas faziam escoar a farinha! Havia um espaço entre as rodas (pedras), que manualmente, se regulava a espessura que se queria da moagem! 
Na Freguesia de Capelins, não se conhece nenhum Moinho de Pilão, mas existiram pelo menos vinte e dois Moinhos de água de rodízios.

Veja como funcionava um Moinho de pilão: 
Como referimos era semelhante à cegonha ou picota, ou a um baloiço com uma pessoa de cada lado e eixo ao meio, quando uma baixa faz pressão, a outra sobe! Na parte de trás do tronco central era escavada uma cavidade para onde escorria a água, a qual enchia essa cavidade, com o peso da água o pilão subia, mas como a cavidade cheia de água baixava, esta despejava, logo o tronco central com o pilão mais pesado, caía sobre a dentro da cavidade onde se encontravam os cereais, tipo almofariz, fazendo os mesmos em farinha, este movimento era repetitivo, porque a cavidade da água estava sempre a encher e a despejar, fazendo com que o pilão estivesse sempre a triturar os cereais, caindo sobre eles, fazendo farinha.


Moinho de Pilão muito simples 


sexta-feira, 26 de abril de 2019

O Jogo do XITO em Capelins

O Jogo do XITO em Capelins

O xito é constituído por um cartuxo metálico de uma munição com cerca de cinco/seis centímetros de altura, que é colocado sobre uma laje de xisto com as dimensões aproximadas de 30X30 cm!

A finalidade do jogo é derrubar o XITO com antigas moedas de vinte reis de D. Luís ou de D. Carlos, quando derrubam o xito chama-se "data" e vale dois pontos, mesmo, se nenhum jogador o derrubar, o jogador cujo "vintém" moeda ficar mais próximo da "cama" lugar na pedra onde se situa (empina) o Xito, ganha o ponto! 
Quando um jogador é dono do ponto, antes do jogador seguinte da outra equipa jogar pode "envidar", ou seja, fazer uma aposta em como o outro não lhe vai tirar o ponto, se isso acontecer pode somar seis pontos, mas se o outro conseguir tirar o ponto, esses pontos serão para ele! No caso de, ainda faltar jogar um elemento da equipa adversária, o jogador, agora, dono do ponto pode apostar que o jogador adversário não consegue tirar o ponto e, então pode "revidar", se o jogador que vai jogar não tirar o ponto o que "revidou" ganha 9 pontos, mas se o outro tirar o ponto, esses nove pontos ficam para ele! Mas em último ainda há o "Retentino", acima do "Evidado" e do "Revidado" que, sendo conseguido pode somar o maior número de pontos!
O jogo acaba quando um jogador ou a sua equipa atingir os 24 pontos, mas para ganhar a partida tem de ganhar dois jogos, primeiro do que o outro jogador ou do que a outra equipa! Quando ganham uma partida, começa de novo o jogo, é necessário ganhar a partida! 
A povoação de maior relevo no concelho de Alandroal para este jogo era Cabeça de Carneiro (Freguesia de Santiago Maior), mas em todas as Aldeias este jogo era de eleição nas tabernas que, podia durar toda a noite em grandes disputas.


O necessário ao Jogo do Xito: Laje de xisto, cartuxo metálico de bala e vintém (Moeda de cobre de vinte réis, D. Luís ou D. Carlos).  

Xito

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Moinhos de água do Rio Guadiana nas terras de Capelins

Moinhos de água do Rio Guadiana nas terras de Capelins 

Os Moinhos de água situados nas Ribeira de Azevel, Lucefécit e no Rio Guadiana na Freguesia de Capelins estão todos submersos, alguns a grande profundidade! A única forma de os trazer à superfície é escrever sobre eles, sobre os moleiros, e sobre a sua importância na época aurea em termos sociais e económicos desta região! 
Os fregueses que se deslocavam ao Moinho, trocar os cereais por farinha e resolvia aguardar, entretinha-se em diversas atividades, bebiam alguns copos de vinho, comiam pão com queijo de cabra ou de ovelha, linguiça, toucinho, azeitonas, peixe frito e caldetas de peixe do rio e conviviam com outros fregueses. 
Os Moinhos, eram espaços de convívio social de eleição, onde os fregueses acorriam em grupos, pela paródia, dormiam na rua ou na casa do moinho ou, dentro do mesmo, conforme a disponibilidade do espaço e/ou as condições climatéricas. 
Os Moinhos eram também importantes locais para se juntarem as gentes que trabalhavam ou residiam nas redondezas, uma vez que, aqui se encontravam os moleiros e a família, fregueses, pescadores, ociosos, transeuntes e guardas fiscais.

Moinhos do rio Guadiana  







quinta-feira, 11 de abril de 2019

A lenda dos dois teimosos que ficaram presos no passadiço do Bufo

A lenda dos dois teimosos que ficaram presos no passadiço do Bufo 

No decénio de mil novecentos e sessenta, o lavrador das herdades da Defesa de Bobadela nas terras de Capelins e de Santa Luzia para lá da Ribeira de Lucefécit,  mandou construir um passadiço pedonal junto ao Moinho do Bufo, por ser o lugar mais adequado para os seus trabalhadores que residiam nas terras de Capelins poderem passar a dita Ribeira quando levava cheia, a caminho da herdade de Santa Luzia! Este passadiço, era a única alternativa de passagem entre as duas margens  nesta região, sendo usado por toda a gente que precisasse de passar para qualquer das margens!  
Nessa época, nas ditas herdades trabalhavam homens de Montes Juntos e alguns da aldeia de Ferreira de Capelins, entre eles, o ti Manoel da Rosa, morador em Capelins de Cima e  o ti António Ramos, morador em Capelins de Baixo! Como houve redução no trabalho na herdade da Defesa, o feitor disse-lhe para se apresentarem no Monte de Santa Luzia, onde ficariam a trabalhar durante algum tempo! 
A mudança, não foi do seu agrado, porque, o caminho era muito mau e tinham de atravessar a Ribeira duas vezes por dia que, no mês de Março e Abril, levava grandes cheias, logo, a sua travessia era perigosa, mas não tinham escolha, era pegar ou largar, mas não aceitar, significava desemprego, por isso, não tinham alternativa! 
No dia anterior, ao da apresentação em Santa Luzia, o ti Manoel e o ti António combinaram a hora da partida e o lugar onde se deviam encontrar, assim, o encontro seria junto ao poço da estrada, às seis horas da manhã, seguiam pelo malhão, talaveirinha e bufo, mesmo devagar nas suas bicicletas pasteleiras, estariam no Monte de Santa Luzia antes das sete horas! 
Nos primeiros dias, chegaram ao poço da estrada à hora combinada, depois, começaram quase sempre a ter de esperar um pelo outro, até que decidiram deixar de esperar ali parados, então, seguiam e logo se juntavam!  
Na sexta feira, dia três de Março de mil novecentos e sessenta e seis, quando o ti António Ramos chegou ao poço da estrada, não havia sinal do ti Manoel da Rosa, até podia estar para a frente, então, foi pedalando devagar, também porque, tinha de subir a chapada até quase ao alto do malhão ao lado da bicicleta!
 Depois de fazer esta parte do caminho, depressa chegou ao Ribeiro da Negra, o qual, tinha grande corrente, passou nas  passadeiras, com muito cuidado, porque ainda estava muito escuro, quando chegou ao alto da talaveirinha olhou para trás na esperança de ver sinais do companheiro e, avistou uma luz lá no alto do malhão, logo, ficou mais descansado, o ti Manoel estava para trás, mas continuou na direção do Monte da Talaveirinha e do Bufo! 
Quando chegou junto ao Moinho do Bufo, meteu a cabeça por dentro do quadro da bicicleta, colocou-a apoiada atrás do pescoço, porque ali tinha de ficar à frente, encostou-se à parede do Moinho e lá foi indo muito devagar até entrar no passadiço, continuou a andar com muito cuidado agarrado ao arame lateral de apoio e, quando deu por si já tinha os pés assentes em terras de Santa Luzia! 
Ainda pensou em esperar pelo companheiro, mas para não arrefecer ali parado, decidiu continuar devagar, podia ser que ele o apanhasse até lá ao Monte! 
O ti Manoel da Rosa já vinha perto do ti António e, quando chegou ao Bufo, fez o mesmo que ele, meteu a cabeça por dentro do quadro da bicicleta, ajeitou a alcofa do almoço, encostou-se à parede do Moinho e começou a andar devagarinho, porque aquele espaço era muito estreito e perigoso, entrou no passadiço que ficava todo ocupado em largura, com ele, com a bicicleta e a alcofa, por isso, não era fácil o cruzamento com outro transeunte que, eventualmente viesse a passar com a mesma carga às costas e, foi o que aconteceu! 
Quando o ti Manoel estava quase a meio do passadiço e da Ribeira, deparou com outro homem que vinha, exatamente com a mesma carga, era o ti Xico Bandarra  que morava no Monte do Aguilhão e naquele dia ia trabalhar para a herdade da Amadoreira, situada nas terras de Capelins, para cá da Ribeira de Lucefécit!
O ti Manoel assim que o avistou a entrar no passadiço sem esperar que ele chegasse à margem, começou a gritar: 
Ti Manoel: Oh homem espere aí, não vê que já vou a meio do passadiço e não posso ir para trás! 
Ti Xico: Então, acha que não cabemos os dois? Eu tenho a certeza que consigo passar, não tenho nenhum problema, passo bem em todo o lado! 
Ti Manoel: Mau, mau, você quer é tourada! Então é tourada que vai ter! Juro pela minha honra que aqui não passa, para não ser malcriado! 
Ti Xico: Oh homem, estou a brincar, eu não quero tourada nenhuma! Que conversa é essa? Chegue-se lá para o lado que passamos bem os dois! 
Ti Manoel: Já lhe disse que não chego para lado nenhum, aqui não passa e pronto, arrede, arrede! 
Ti Xico: Qual arrede! Vá, vire-se para lá, passamos as bicicletas pelo lado de fora e passamos costas com costas! 
Ti Manoel: Mas nem pensar, era o que faltava, você quer é pregar comigo na água! Vá arrede, arrede e depressa, que eu não tenho tempo para estar aqui! 
Ti Xico: Oh homem, já lhe disse, se passamos bem, nenhum precisa de arredar! 
Ti Manoel: E eu já lhe disse que não me viro para lado nenhum, ainda por cima aqui no sítio mais perigoso, se caísse à água, era morte certa! Arrede, arrede! 
Ti Xico: Eu não arredo nada, nem um metro, por isso, ou faz com eu digo ou arreda você! 
Ti Manoel: Mau, mau, pois fique a saber que daqui não arredo nem encosto para lado nenhum! 
Ti Xico: Eh que homem tão teimoso! Pois fique a saber, que eu também não arredo e não me encosto para lado nenhum! Também tenho a minha honra! 
Ti Manoel: Você sabe que eu tenho razão, viu-me aqui no passadiço, se tivesse alguma honra, tinha esperado um bocadinho para eu chegar aquele lado e logo se metia no passadiço! 
Ti Xico: Oh homem, quantas vezes já aqui me cruzei com outras pessoas e com jeito passamos bem, isto é tudo teimosia sua! 
Ti Manoel: Não é teimosia nenhuma, eu é que não me vou rebaixar e sei lá se me manda água abaixo! 
Ti Xico: Oh homem, mas qual água abaixo? Teimoso como você é, se caísse, decerto ia água acima! 
Ti Manoel: Mau, mau, isso já é ofender, olhe que isto ainda acaba mal! Vá, arrede que já estou atrasado para o trabalho! 
Ti Xico: Está você e estou eu, por isso, se quer passar já lhe disse como é! 
Ti Manoel: Mas ouça lá, você sabe de quem é este passadiço? Pensa que manda aqui alguma coisa? Que pessoa tão teimosa! Pois olhe, fique a saber que daqui não saio, nem que passe aqui o dia! 
Ti Xico: O passadiço, é de quem aqui passar e olhe, fique sabendo que eu também não saio daqui, nem que passe o dia todo e até uma semana ou duas neste lugar!  

Entretanto, o ti António Ramos chegava ao Monte de Santa Luzia, foi sempre com o ouvido à escuta, esperando ouvir a aproximação do companheiro, mas nada! 
Quando chegou, arrumou a bicicleta no alpendre, pegou na alcofa e foi-se chegando para junto dos outros trabalhadores, deu os bons dias, começaram a falar da meteorologia, passou algum tempo e nada da chegada do ti Manoel, alguns homens estranharam eles não terem chegado juntos e perguntaram-lhe por ele!
O ti António, disse-lhe que já estava a ficar preocupado, não tivesse ele caído da bicicleta e ficado mal, ou ainda pior, se tivesse caído à água na passagem da Ribeira! Naquele momento, chegou o feitor e depois de os cumprimentar verificou que faltava o ti Manoel da Rosa e perguntou: 
Feitor: Então o ti Manoel da Rosa, hoje não veio trabalhar? 
Ti António: Olhe ti Zé, eu não o vi, porque vim sempre à frente, mas quando cheguei ao alto da talaveirinha olhei para trás e vi a luz da bicicleta dele no alto do malhão, por isso, estou  preocupado por ele ainda não estar aqui! 
Feitor: Oh ti António, como é que sabe que era a luz da bicicleta dele? Tantas luzes de bicicletas que há por aí, elas são todas iguais! 
Ti António: Não, não, ti Zé! As luzes das bicicletas não são todas iguais! Umas dão a luz branca, outras amarela, umas mais baixas, outras mais altas, umas mais fortes, outras mais fracas! São muito diferentes e, também depende da cor da lâmpada! A do ti Manoel, conheço-a muito bem e aquela que vi era a dele! 
Feitor: Oh ti António, não sabia que era especialista em luzes de bicicletas, mas se era o ti Manoel, logo virá cá ter! Ou foi à casa de banho, ou furou a bicicleta ou qualquer outra coisa! Podem ir lá para baixo podar os freixeiros e depois o ti Manoel fica aqui no Monte que há aí muito para ele fazer! Vá, podem subir para o reboque, eu logo dou lá a volta a ver o seu trabalho!  
Os homens foram para as margens do rio Guadiana podar os freixeiros, esgalhar a lenha, separando a mais grossa dos ramos para as vacas comerem as folhas, que tinham efeitos medicinais e, já perto do meio dia, apareceu o feitor, foi logo ter com o ti António e disse-lhe: 
Feitor: Olhe, ti António, o nosso homem, afinal não apareceu! 
Ti António: Ai valha-me Deus, ti Zé! Tenho a certeza que ele não está por bem, o mais certo foi ter caído na Ribeira e marchou água abaixo! 
Feitor: Oh ti António, não podemos pensar no pior! Pode estar doente, ou ter algum filho doente ou a mulher ou até se pode ter deixado dormir! Se lhe tivesse acontecido alguma coisa de mal no caminho, já o tinham achado, essa estrada tem muito movimento!
Ti António: Tenho a certeza que ele vinha atrás e mim, a luz da bicicleta era a dele e se não caiu no caminho é porque caiu na Ribeira, esta hora, já vai  Guadiana abaixo, só se ficou agarrado a algumas silvas ou a algum freixeiro!
Feitor: Olhe ti António, para ficar mais descansado, agora depois do jantar (almoço), carregam a lenha no reboque e vão levá-la ao Monte, vocemecê vai com o tratorista, pega na sua bicicleta e pode ir ver se sabe alguma coisa do ti Manoel! 
Ti António: Está bem, ti Zé, eu não estou descansado! Não estou, não estou!
Feitor: Então fica assim! Vai ver que ele ficou em casa na boa vida e vocemecê aí cheio de preocupações, a pensar que ele já vai Guadiana abaixo! Até logo!   
Ti António: Até logo, ti Zé! Deus queira que eu não tenha razão! 
O feitor ainda lhe disse: Vai ver que não tem razão, vai ver! 
Depois do meio dia, os trabalhadores carregaram o reboque com lenha grossa dos freixeiros e, o ti António seguiu com o tratorista para o Monte de Santa Luzia! 
O ti António não se empatou, pegou na bicicleta e partiu rapidamente pelo caminho do Bufo, assim que chegou ao passadiço, ficou abismado com o que viu! Dois homens sentados mesmo ao meio, com as bicicletas enfiadas na cabeça em grande discussão, como não conseguia perceber o que se estava a passar, encostou a sua bicicleta a um freixeiro e meteu-se pelo passadiço na sua direção! 
Quando se aproximou deles teve a certeza que não estavam feridos, mas o que estavam a fazer naquele lugar? 
O ti António, deu-lhe a boa tarde e perguntou-lhe: 
Ti António: Ai valha-me Deus! O que estão vocês a fazer aqui no meio do passadiço? Houve algum azar? 
Os dois homens, responderam ao mesmo tempo: Boa tarde, houve um grande azar, lá isso houve! 
Ti António:  Mas não estão feridos, o passadiço não caiu e está livre! O que raio se passa? 
Os dois homens falando ao mesmo tempo e culpando-se um ao outro contaram ao ti António, qual era o motivo que os obrigava a estar ali!   
Ti António: Eu não acredito no que estou a ver e a ouvir! Então vocês por teimosia, perderam o dia de trabalho? Vá, vamos lá levantar e falar ali para a margem da Ribeira! 
Os dois homens responderam em uníssono: Não é por teimosia, é pela minha honra! Eu não saio daqui! Ele é que tem de arredar! 
Ti António: Mau, mau! Temos aqui duas crianças? Vá, ti Xico, venha lá, já depois o ti Manoel pode sair daí! 
Ti Xico: Essa agora! Eu não me rebaixo a esse teimoso! Sou um homem honrado! Ele que arrede e vamos para aquela margem! 
Ti Manoel: Mas nem pensar, porquê eu? Pensa que não tenho a minha honra? Não senhor, não arredo um passo que seja! Eu já vinha quase a meio do passadiço quando você teimou em entrar nele desse lado!
O ti António tentou tudo, mas foi obrigado a desistir! Voltou ao Monte de Santa Luzia a informar o feitor do que se estava a passar e a pedir ajuda, porque não tinha dúvidas que, eles estavam de pedra e cal, sentados  ao meio do passadiço do Bufo! 
O ti António chegou ao Monte, perto das três horas da tarde, foi direito à casa do feitor e perguntou à mulher: 
Ti António: Ora, boa tarde, ti Anna! Sabe dizer-me onde posso encontrar o ti Zé? 
Ti Anna: Boa tarde ti António, olhe ele quase nunca me diz para onde vai, mas hoje por acaso disse-me que ia primeiro tratar de um assunto com o pastor além para os lados das Neves e depois vinha pela malhada para falar com o ti Margarido! 
Ti António: Nesse caso, vou até ali abaixo à malhada e espero ali por ele! Então, até amanhã! 
Ti Anna: Até amanhã ti António! 
O ti António seguiu para a malhada de Santa Luzia para ali esperar a chegada do feitor! Cumprimentou o ti Margarido, contou-lhe o que se estava a passar com os dois teimosos e, disse-lhe que esperava o feitor para lhe pedir se ele podia ir lá ao Bufo, porque só ele podia resolver aquela questão! 
O feitor ainda se demorou e o ti António não esteve parado, andou ajudando o ti Margarido a afilhar as porcas e a limpar as pocilgas! 
Quando o feitor chegou à mallhada ficou surpreendido por o ver o ti António ali e a fazer aquele trabalho, mas nem teve tempo de fazer perguntas, porque o ti António disse-lhe logo:
Ti António: Boa tarde ti Zé, já achei o ti Manoel! 
Feitor: Ah já? E está vivo? Ou está afogado? Onde é que ele está homem?
Ti António: Está vivo! Até está vivo de mais! Olhe, até está mesmo ao meio do passadiço do Bufo desde esta madrugada!
Feitor: Ora essa! Não me diga que o passadiço foi água abaixo e o homem ficou encurralado lá no meio? 
Ti António: Está lá encurralado está! E bem encurralado! Mas o passadiço não foi água abaixo, está lá bem firme! 
Feitor: Essa agora! Então se o passadiço está lá bem firme, o que está o homem a fazer um dia inteiro, lá empoleirado?
O ti António contou ao feitor tudo o que se tinha passado e pediu-lhe para ir lá, porque só ele podia resolver aquela questão! 
O feitor, ficou irritado e revoltado com aquela palhaçada e, não hesitou em ir com o ti António até ao Bufo! 
Quando chegaram, estava tudo na mesma, o feitor avançou até ao meio do passadiço, mal os cumprimentou e disse-lhe: 
Feitor: Vamos lá acabar com esta palhaçada, levantem-se já daí e venham atrás de mim, vamos lá falar além para a margem! 
Os dois homens responderam ao mesmo tempo: Eu não me mexo daqui! É a minha honra que está em causa! Eu não me rebaixo a este teimoso! 
O feitor já irritado disse-lhe: 
Feitor: Mas qual honra nem honra, desde quando é que a teimosia é honra? Vocês sabem quem mandou fazer este passadiço? Sabem, sabem! Então, ponham-se fora dele imediatamente! Quando eu chegar além à margem, se não forem atrás de mim, o ti Manoel está despedido e o ti Xico vai ser despedido, porque ainda vou hoje à Amadoreira contar esta palhaçada ao seu patrão e pedir-lhe para o despedir e nunca mais passam por este passadiço, porque como sabem, ele tem dono! 
O feitor seguiu e não olhou mais para trás, quando chegou à margem esquerda da Ribeira, estavam os dois junto dele com as bicicletas enfiadas na cabeça! 
O feitor ao ver que tinha resolvido o caso, não falou muito, apenas disse: 
Feitor: Bem, por hoje isto fica por aqui, depois logo falamos! Podem ir para casa! Até amanhã! 
Os dois trabalhadores, envergonhados, despediram-se e, cada um seguiu para suas casas! O feitor voltou para a malhada do Monte de Santa Luzia, o ti Xico foi para o Monte do Aguilhão e o ti António e o ti Manoel, para Ferreira de Capelins! 
O ti Manoel e o ti António, durante o caminho, pouco falaram, quando chegaram ao poço da estrada, seguiram caminhos diferentes um para Capelins de Cima e, o outro para Capelins de Baixo! 
Quando o ti Manoel chegou a casa, um pouco mais cedo, a mulher, a ti Maria Joaquina, ainda não tinha a ceia (jantar) pronta, ficou admirada e perguntou-lhe: 
Ti Maria: Então Manoel, hoje deram-te a solta mais cedo? 
Ti Manoel: Mais cedo? Hoje nem me chegaram a dar a solta! 
Ti Manoel: Não te chegaram a dar a solta? E como é que soltaste? 
Ti Manoel: Olha mulher, soltei, soltando! 
Ti Maria: Olha como tu vens! Assim, não te entendo! 
Ti Manuel: Então e o que é que tens que entender? Mas se queres saber a verdade, hoje não fui trabalhar! 
Ti Maria: Ai valha-me Deus! Tu não me digas uma coisa dessas! Olha que eu estou já a dever muito ali na mercearia e ainda hoje disse ao ti Miguel que assim que recebesses ia lá pagar, agora uma coisa destas! 
Ti Manoel: E agora o que queres? Sempre é melhor do que eu ter morrido, não? 
Ti Maria: Pois, mas não morreste e perdeste o dia de trabalho! Mas, então diz-me lá o que te aconteceu? 
Nesse momento, o ti Manoel esteve quase a mentir e a dizer-lhe que esteve muito doente, mas de repente lembrou-se que, tinha comido tudo o que levava na alcofa! Ora, uma pessoa doente mão comia assim e depois não demorava muito tempo em toda a gente saber o que se tinha passado e ainda ia ser muito pior, então decidiu contar tudo à ti Maria! 
A ti Maria ia ouvindo e levando as mãos à cabeça, mas não podia dizer muita coisa porque o ti Manoel estava muito irritado e ainda podia sobrar para ela, então só lhe disse: 
Ti Maria: Oh Manoel,  um homem da tua idade a fazer essas figuras! E ainda dizes que foi tudo pela tua honra? Tanta falta que nos faz o dinheiro da jorna! Então e se és despedido? Olha que ando a comprar fiado!
Ti Manoel: Oh mulher cala-te com essas lamúrias! Tu sabes lá o que é a honra de um homem! Não há dinheiro que pague isso! 
Ti Maria: Sim, Manoel, a honra tem muito valor, de verdade tem, mas não paga as contas na mercearia! 
Ti Manoel: Olha Maria, acabou a conversa, traz lá a ceia para a mesa que estou cheio de fome e deixa lá que tudo se resolve
Ti Maria: Está quase pronta, mas olha, se não foste trabalhar ao menos podias ter deixado o jantar para a ceia, era isso que ainda ganhavas! 
Ti Manoel: Cala-te mulher, ainda comi mais do que os outros dias e se mais tivesse mais comia! Não te esqueças que estive com a bicicleta enfiada na cabeça o dia todo em cima do passadiço do Bufo! Dói-me o corpo todo! Assim que comer vou-me logo deitar! Vê lá se despachas isso! 
A ti Maria acabou de prepara as sopas de grãos, disse ao ti Manoel que já podia migar o pão para a tigela! Cearam e não demorou muito tempo já estava esticado na cama, porque como tinha estado com as pernas encolhidas o dia todo, nem as sentia com tanto cansaço!
No dia seguinte, já toda a gente sabia nas terras de Capelins e arredores, fizeram-lhe cantigas, décimas e, foi motivo de muita chacota, mas os dois teimosos não se importaram, porque para eles, não foi teimosia, mas uma questão de honra, como nenhum cedeu, para eles, foram os dois vencedores.

Fim 

Bufo - Capelins 


Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

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