sábado, 28 de dezembro de 2019

Resenha histórica dos Baldios do Povo, do Termo (Concelho) de Terena

Resenha histórica dos Baldios do Povo, do Termo (Concelho) de Terena 
Baldio do Peral 1262 - 1804
Os baldios, sendo territórios comunitários, com regime próprio, têm uma longa história de usos coletivos tradicionais, exercidos e controlados pelas comunidades rurais locais!
No Termo (Concelho) de Terena existiam 17 Baldios, sendo 13 administrados pela Câmara de Terena e 4 pelo Povo que, os considerava seus, estes quatro, ficavam nas Terras de Capelins e denominavam-se: Barreiro, Vale de Martinez, Campo de Gracia e Malantio, (Manantio), cujo conjunto era designado por Baldio do Peral, existindo, ainda outro, denominado Baldio do Roncanito, este, administrado pela dita Câmara!
A sua origem foi no início do povoamento cristão da, então herdade de Terena, conforme foi passando de geração em geração, os Baldios do Termo (Concelho) de Terena, foram doados ao Povo por D. Gil Martins e sua esposa, Dª Maria Eanes, em 1262, ficando registado no respetivo Foral de Terena, dessa mesma data.
O Baldio do Peral, embora fosse do Povo que, o administrava, dividindo as terras para cultivo, criação de animais e os frutos por todos, o Povo pagava 240.000 réis por ano, à Câmara de Terena e, o salário a um guarda!
Os Baldios eram um bem para o Povo, porém, com o alvará de 27 de Novembro de 1804 foi declarada a jurisdição das Câmaras sobre os terrenos baldios, nos baldios dos concelhos ou que foram em comum dos moradores, se conservarão os usos e as posturas municipais. Este mesmo alvará autorizou a divisão dos baldios e maninhos por aforamento perpétuo com foro fixado por louvados, a requerimento da maioria dos vizinhos!
Ao contrário de outras Câmaras, a de Terena, apressou-se a vender os Baldios do Povo, ao abrigo da lei de 27 de Novembro de 1804 da rainha Dª Maria I a "Piedosa", sendo o fruto para usar nas despesas do Concelho, de nada servindo a legislação que foi surgindo sobre os mesmos:
Legislação de utilização e gestão dos baldios
Ano /Lei/ Reordenação/ Código Objetivo da Lei
Lei dos forais de 1822, art.º 8 Reconhece a razão dos povos ao confirmar a existência da propriedade comunitária e define as suas formas de administração.
1830 Reordenação administrativa Criação das “juntas de freguesia” a partir daqui aparece uma nova administração dos baldios, contrária a toda a tradição histórica, responsável por uma nova e profunda vaga de privatização dos baldios.
Decreto de 26 de novembro de 1830 Instituiu as juntas de paróquia e reconhece a paróquia com divisão administrativa.
Decreto de 26 de novembro de 1832 Este Decreto retira as funções administrativas às paróquias.
Lei de 25 de abril de 1835 Restitui as funções administrativas às paróquias.
Código Administrativo de 1836 Estabelece a necessidade de se proceder ao cadastro dos baldios, delegando as câmaras municipais de o fazerem, contudo, estas incumbem este trabalho de levantamento às juntas de freguesia na sua área de administração.
Código Administrativo de 1842 Retira novamente as funções administrativas às paróquias. Todavia, concede às câmaras a possibilidade de venderem baldios.
Lei de 26 de julho de 1850 Facilita os tapumes e coutamentos, que pretende acabar com os pastos comuns. Estabelece, também, a distinção entre baldios paroquiais (logradouros comuns) e baldios municipais.
Toda esta legislação e muito mais, chegou tarde aos Baldios do Povo de Capelins, porque, a Câmara de Terena já se tinha encarregado de os desfazer, a mal do Povo, ao contrário de outras Câmaras que, não a respeitaram, a bem do Povo.
Baldio de Capelins 




quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Resenha histórica da Villa de Terena e de suas Gentes de outrora - 1671

Resenha histórica da Villa de Terena e de suas Gentes de outrora - 1671
Através da carta de 23 de Março de 1671, o Rei D. Afonso VI "O Vitorioso", nomeou Sebastião da Veiga, Juiz da Alfândega da Vila de Terena! Os produtos, mercadorias e animais passavam no Porto Seco de Terena, no rio Guadiana, no Lugar da Cinza (Sisa), herdade da Defesa de Bobadela, nas Terras de Capelins!
"O juiz da Alfândega era o funcionário que superintendia a administração da Alfândega. A ele competia, não só o julgamento dos casos sobre a administração da fazenda, como a coordenação da ação dos oficiais da repartição, como o almoxarife e os escrivães, estabelecendo o horário de serviço, os produtos que podiam ser despachados, sob a sua supervisão. Em caso de negligência, que implicasse dano e descaminho de direitos à Fazenda Real, tinha poder para penhorar os bens do almoxarife e dos escrivães"!

Sebastião da Veiga
📷 Documento simples Nível de descrição
PT/TT/RGM/A/001/0013/13218V Código de referência
Formal Tipo de título
1671-03-23 📷 a 1671-03-23 📷Datas de produção
Alvará. Juiz da Alfândega da vila de Terena. Âmbito e conteúdo
Registo Geral de Mercês, Mercês (Chancelaria) de D. Afonso VI, liv.13, f.218v Cota atual
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Folha 218 do livro 13 da Chancelaria de Afonso VI





Resenha histórica da Villa de Terena e de suas Gentes de outrora

Resenha histórica da Villa de Terena e de suas Gentes de outrora
Através desta carta redigida no dia 05 de Dezembro de 1730, o Rei D. João V "O Magnânimo", nomeou João Charrua Frade, para Escrivão do Judicial na Villa de Terena!
Assim, confirma-se que, a Villa de Terena nesta época tinha Tribunal Judicial!

João Charrua Frade

📷 Documento simples Nível de descrição
PT/TT/RGM/C/0022/58275 Código de referência
Atribuido Tipo de título
1730-12-05 📷 a 1730-12-05 📷Datas de produção
1 doc.; papel Dimensão e suporte
Provisão. Escrivão do Judicial na vila de Terena. Filiação: Manuel Fernandes Charrua. Âmbito e conteúdo
Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 22, f.55 Cota atual
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Folha 55 do livro 22 da Chancelaria do Rei D. João V






domingo, 8 de dezembro de 2019

Resenha histórica da Vila do Alandroal - Pêro Rodrigues, Alcaide do Alandroal

Castelo de Alandroal














Resenha histórica da Vila do Alandroal - Pêro Rodrigues, Alcaide do Alandroal 

DUMA ENTRADA QUE OS PORTUGUESES FIZERAM POR CASTELA, E DO ROUBO QUE TROUXERAM.

Se sois bem lembrados do que tendes lido, el Rei de Castela é no termo dÓbidos, esperando a sua frota para ir cercar Lisboa, e enquanto Nuno Álvares está de folga e o Mestre aguarda seu poderoso cerco, para este tempo não ficar vago, vejamos entretanto algumas coisas, posto que ligeiras sejam, até que venha a frota a que havemos de tornar.
Ora assim aveio que alçando a voz pela Rainha muitos Alcaides dos castelos, como ouvistes, o Mestre mandou Vasco Porcalho, Comendador mor de sua Ordem, a Vila Viçosa por alcaide, e que lançassem fora Garcia Peres do Campo, Craveiro da dita Ordem, por que era criado da Rainha de que tomavam suspeita.
E tendo Vasco Porcalho assim sua voz, mandou o Mestre que Álvoro Gonçalves Coitado estivesse em Vila Viçosa com trinta escudeiros naturais da dita vila, porque ele era desse mesmo lugar. Este Álvoro Coitado era muito amigo de Pero Rodrigues, Alcaide do Alandroal, e acordaram ambos de fazer uma cavalgada (rapina de gado, etc) em Castela, quando nenhuns que então tivessem voz por Portugal eram ousados disto cometer, porquanto Pero Rodrigues da Fonseca estava em Olivença muito poderoso com quinhentos de cavalo entre homens de armas e ginetes, de guisa que toda aquela comarca era temerosa ante ele, e os gados todos muito seguros ao longo do extremo da parte de Castela. Feito o acordo e marcado o dia, juntou Álvoro Gonçalves os seus trinta escudeiros e cento e cinquenta homens de pé de Vila Viçosa, e Pero Rodrigues quinze de cavalo e cinquenta homens de pé do Alandroal, assim que eram por todos quarenta e cinco de cavalo e duzentos homens de pé. E juntos assim para entrar por Castela, passaram de noite o Odiana pelo porto da Cerva e foram ao enxido (pastos para criação de gado) de Chelas sobre o quarto da alva, e fizeram presa em dois fatos (manadas) de vacas de Garcia Gonçalvez de Grisalva, e tomaram catorze vaqueiros e arrancaram as tendas, e carregaram as manadas com todos os seus aparelhos. E assim trouxeram as vacas e novilhos e éguas com os seus pastores, que não escapou mais do que um que foi dar novas a Vila Nova de Fresno e a Alconchel, lugares do senhorio de Castela. E Pero Rodrigues e Álvoro Coitado mandaram tanger a cavalgada aos homens de pé e deram-lhes dez de cavalo que viessem com eles, e eles com os besteiros ficaram em resguardo, caso alguma gente sobreviesse para pelejar. Com a qual cavalgada passaram por Ferreira, e vieram com ela pelo sobral da Ordem entre a vila do Alandroal e Juromenha até ao campo de Pardais, onde está uma igreja de são Marcos. Naquele campo repartiram a sua cavalgada, aos capitães a sua direita parte e a cada um dos outros o que lhe aí cabia, e o quinto que era dado a Álvoro Coitado não quis este naquela hora havê-lo para si, mas que se repartisse por eles, do que todos ficaram muito contentes e lho agradeceram muito.
E acharam naquela presa setecentos novilhos que andavam apartados numa das manadas, e as vacas eram mil e quatrocentas, e vinte e seis éguas e nove poldros de três anos e outros poldros pequenos, e as éguas deram-nas a Álvoro Coitado que as mandou para uma sua quinta perto de Benavente. E esta foi a primeira cavalgada que os portugueses fizeram por Castela no começo desta demanda.

COMO VASCO PORCALHO FOI LANÇADO DE VILA VIÇOSA POR SUSPEITA QUE DELE TOMARAM.


Tendo esta cavalgada e roubo sido assim feito, soube de certeza Pero Rodrigues que o Comendador mor Vasco Porcalho recebia cartas de Pero Rodrigues da Fonseca contra o serviço do Mestre, e fê-lo saber por um seu Escudeiro a Álvoro Coitado em Vila Viçosa, onde estava. E quando o Escudeiro chegou com este recado estava Vasco Porcalho na praça da vila, e Álvoro Coitado preparou-se para o prender falando primeiro com alguns da vila e tomando a porta da traição com besteiros e homens de pé, para que não deixassem sair nem entrar ninguém. E mandou pôr à porta do castelo dez escudeiros e fechar todas as portas da vila, e a grande pressa mandou ao Alandroal, que é daí uma légua, chamar Pero Rodrigues, o qual, como viu o seu recado, cavalgou com dez escudeiros e sessenta homens de pé e a mui grande pressa chegou logo aí.
E Álvoro Gonçalves, que tinha já tomada uma torre grande que está sobre uma das portas, mandou-lha abrir. E, havendo-se encontrado, o que ambos falaram não foi ouvido, e logo com os seus e mais todos os da vila chegaram aos Paços da Ordem, onde já o Comendador estava com quinze escudeiros e trinta homens de pé e dez besteiros, e com a rua dos Paços bem apalancada para se defender.
A gente era muita e logo foi quebrado o palanque, bradando todos em alta voz e dizendo: Morra o traidor com quantos tem! Que nos tinha vendidos a elRei de Castela. E dizendo todos que lhe pusessem o fogo, fizeram-nos estar quedos e mandaram dizer ao Comendador que saísse cá fora para lhe falarem, ou que iriam eles lá dentro, como ele antes quisesse.
Vasco Porcalho, depois que o seguraram a ele e aos seus, saiu dos Paços cá fora a falar com eles, e tendo-se afastado para um lado, perguntou o Comendador porque se tinham movido a desonrá-lo e matar sem porquê (sem razão), cercando-lhe o seu castelo em que o seu Senhor, o Mestre, o pusera e pelo qual lhe tinha feito preito e menagem: Na qual coisa, disse ele, não me parece que fizestes bem nem houvestes bom conselho, nem o Mestre, de quem criado e freire eu sou, o haverá por bem nem vo-lo terá em serviço, e digo-vos que entendo de lhe escrever todo o mal e desonra que me é feita por vós.
Ditas estas e outras razões que largamente expôs, em sua querela respondeu Álvoro Gonçalves e disse: Cavaleiro, vós não vos agraveis nem hajais por mal coisa nenhuma destas que são feitas nem que tenhamos de fazer, que nenhuma se fez para vos desonrar nem matar, mas por o entendermos assim para serviço de nosso Senhor, o Mestre. A nós é dito, e somos disso certos, que vós vos carteais com Pero Rodrigues da Fonseca, Alcaide de Olivença, e que há já três meses que sois vassalo delRei de Castela, e que recebestes dele mercês e lhe prometestes de dar esta vila, e que em Olivença estão trezentas lanças de castelhanos que hoje haviam de vir tomar posse dela. E porque isto seria mui grande mal e dano, e desserviço do Mestre, nosso Senhor, queremos estar de vós seguros e que nos entregueis este castelo, e então ide-vos para o Mestre, mostrando-vos sem culpa disto, e servi-o no que vos mandar, e aqui não há mister de mais razões nem escusas coloradas (desculpas simuladas), que vos não hão-de conhecer delas, mas hoje mesmo será o castelo chão com a vila, e a ponte quebrada, e tudo o mais que entendermos para segurança do lugar e serviço de nosso Senhor, o Mestre.
A isto deu ele sua resposta com que quis mostrar que não era assim, e eles disseram-lhe que não razoasse mais sobre tal história porque bem sabia que era verdade, e que lhes entregasse logo o castelo porque por então não entendiam de se fiar dele. Vasco Porcalho, não podendo mais fazer, chamou Lopo Gil, escudeiro de que muito se fiava, e mandou que se fosse com eles e lhes entregasse o castelo, tomando primeiro testemunhos da violência que lhe faziam e protestando que não incorria em caso pelo preito e menagem que dele fizera. Tomaram então posse do dito castelo, e mandaram quebrar a ponte da porta da traição e taipar a porta pela parte de fora, e fizeram que se servissem a vila e o castelo em comum, e o comendador foi fora com todas as suas coisas e quantos com ele estavam.

COMO O MESTRE MANDOU ENTREGAR A VASCO PORCALHO O CASTELO COMO ANTES TINHA.


Partiu o Comendador para Lisboa com aqueles que com ele aguardavam uma reviravolta, e o Mestre recebeu-o muito bem, não embargando que Pero Rodrigues e Álvoro Gonçalves lhe tinham já escrito como tudo se passara. E Vasco Porcalho fez grande queixume ao Mestre, mostrando que lhe fora feita grande desonra por inveja, e não por ser verdade o que dele diziam.
O Mestre relevou tudo com boas razões, dando-lhe de si bom agasalho, e esteve a coisa assim alguns dias. E comendo uma vez o Mestre, servia ante ele o Comendador, de copa, e no fim da refeição deu água para as mãos, e depois que se levantaram as toalhas chamou o Mestre o Comendador e disse:
Comendador, não sejais triste por isto que agora se passou, porque aqueles que o fizeram entenderam que me faziam serviço, mas eu, não embargando isto, quero daqui em diante fiar de vós muito mais do que dantes fiava, e que vós sejais tornado a vossa honra e que vos entreguem o meu castelo de Vila Viçosa como dantes tínheis. E se vós me fordes desleal sereis o mais traidor homem do mundo, serdes vós freire da minha Ordem, e meu cavaleiro, e cuidardes vós alguma traição contra mim! Isto não poderia eu crer, nem creio que Deus vos fez tal que trabalheis para pôr sobre o vosso nome um apelido vergonhoso. Eu vos mandarei dar minhas cartas para Álvoro Gonçalves e Pero Rodrigues e os homens bons dessa vila, para que vos entreguem vosso castelo como dantes tínheis, pois vos hei por bom e leal, e creio que vós tal sois que fareis o vosso dever, e eu fazer-vos-ei por isso mercês. E mando-vos que tenhais toda a boa amizade com esses cavaleiros, e eles pelo meu serviço vos honrarão, e vós assim o fazei a eles e a esse Concelho.
O Comendador, ouvindo isto, beijou a mão ao Mestre, dizendo que lhe tinha em grande mercê de o tornar à sua honra, que já se havia por contado com os mortos, sem culpa que nisso houvesse, pois o seu coração não cuidara contra ele coisa por que o desservisse, nem Deus não permitisse que tal míngua por ele passasse. Estas e outras razões lhe disse o traidor, pelo que o Mestre cada vez o tinha por mais sem culpa.
Então mandou o Mestre escrever suas cartas de valimento para Álvoro Gonçalves, e Pero Rodrigues e para o Concelho, sobre a maneira que com ele haviam de ter, e ele se despediu do Mestre e se veio a Vila Viçosa, e pousou no mosteiro com os que trazia e mandou as cartas a Álvoro Gonçalves e a Pero Rodrigues, ao qual muito pesou quando viu tal recado.
E deixou boa guarda na vila e foi falar a Álvoro Coitado, para haver com ele conselho, e quando chegou a Vila Viçosa encontrou que Álvoro Coitado tinha todas as portas da vila cerradas com pedra, e não estava nenhuma aberta salvo um postigo que está sob o poderio duma grande torre, e àquele postigo estavam dez homens de armas e vinte peões e seis besteiros, e por ali entrou Pero Rodrigues.
E depois que falou a Mécia Peres do Campo, mulher de Álvoro Coitado, foi-se àquela torre onde ele estava e mostraram as cartas um ao outro, e viram que a vontade do Mestre era de Vasco Porcalho ser tornado à posse do castelo, assim como antes, e embora muito lhes pesasse, e aos da vila, houveram acordo de cumprir o mandado do Mestre, e mandaram-no chamar para que se viesse ao seu castelo, pois mercê era do Mestre de ele o ter.

COMO VASCO PORCALHO PRENDEU ÁLVORO GONÇALVES POR ARTE.


Depois que Vasco Porcalho entrou no lugar falou a Álvoro Gonçalves e a Pero Rodrigues com boas e mesuradas razões, como é costume dos que enganar querem, dizendo que lhe perdoassem se os anojara em alguma coisa, e que ele era prestes para o serviço do Mestre em toda a coisa que eles mandassem e tivessem por bem, e que lhes prometia boa e verdadeira amizade, e que fossem dum amor e duma vontade. E tal conversação deu de si a todos e por tal modo que tornou a reparar o castelo como antes estava, havendo-o todos por bem feito, e pôs muito pedra no muro e grossas traves por cima das ameias, e açalmou-se (abasteceu-se) de lenha e carnes e doutras coisas que para defensão pertenciam, dizendo que assim lho mandara fazer o Mestre.
E em fazendo estas coisas fingia grande amizade com Álvoro Coitado, e foi seu compadre dum filho que Álvoro Gonçalves baptizou, ao qual baptismo veio Pedro Rodrigues, Alcaide do Alandroal, e depois que todos comeram com Álvoro Gonçalves tornou-se Pedro Rodrigues para donde viera. E Álvoro Gonçalves não foi dormir nessa noite àquela grande torre da vila de que ainda estava em posse, e quando foi serão veio-se para ele Vasco Porcalho, mostrando (aparentando) que vinha beber com o seu compadre e tomar com ele prazer, e deteve-se ali com ele até alta noite, quando entraram cinquenta escudeiros e duzentos homens de pé que tinha escondidos dentro do castelo, e então prendeu Álvoro Coitado e a sua mulher e filhos, e quantos com ele estavam, e levaram-nos logo de imediato para a torre de menagem, e roubou-lhe as casas de quanto nelas tinha.
Naquele serão entraram dentro do castelo duzentas lanças de castelhanos, e à grande madrugada tocaram as trombetas e levantaram bandeira na torre de menagem, bradando em altas vozes: Castilha! Castilha!
Quando os da vila viram os castelhanos ali dentro consigo ficaram muito desacordados e postos em grande turvação, tanto pela tomada da vila como pela prisão dÁlvoro Gonçalves, e abriram aquele postigo e começou a gente a fugir para Borba, assim de pé como de cavalo, e o Comendador folgava por livrarem a vila e se irem todos como de facto foram, e ele deu logo os bens daqueles que partiram a seus criados.
Então começou Vasco Porcalho de fazer má vizinhança a Pero Rodrigues, Alcaide do Alandroal, e o mesmo fazia Pero Rodrigues a ele, e os do Alandroal passavam já fracamente de mantimentos, comendo pão de bolotas e outras coisas ásperas de comer. O Comendador, quando prendeu Álvoro coitado, fê-lo saber a elRei de Castela, e que lhe mandasse dizer como era sua mercê de fazer dele, e igualmente escreveu Pero Rodrigues ao Mestre, informando-o como o traidor do Comendador de que ele fiara dera Vila Viçosa a elRei de Castela, e como tinha preso Álvoro Coitado, e ao Mestre isto pesou muito, e mandou a Pero Rodrigues que pusesse bom recado na vila que tinha.
Veio recado delRei de Castela, e mandou ao Comendador que enviasse Álvoro Coitado a Olivença, por ser aí melhor guardado, e uma carta a Pero Rodrigues da Fonseca para que o guardasse bem até que visse qual era o seu mandado. NunÁlvares soube como Álvoro Gonçalves fora preso e, pesando-lhe muito, escreveu a Pedro Rodrigues do Alandroal que fizesse muito por saber se haviam de levar dali Álvoro Coitado, e ele escreveu-lhe que sim, mas não sabia como nem quando.
E NunÁlvares enviou-lhe alguns escudeiros para os ter consigo e ordenar com eles, se pudesse, como tirá-lo das mãos dos castelhanos quando o levassem para Olivença, dos quais um era Afonso Peres o Negro, que depois foi Alcaide de Vila Viçosa, e Lourenço Martins do Tojal, e Gonçalo Cão, e Gonçalo Colaço, e Lourenço Peres Cinza, e Gomes Lourenço Sam Paio, e doutros bons escudeiros até dez, além daqueles seis, aos quais mandou que fizessem tudo o que lhes Pero Rodrigues ordenasse, e eles assim lho disseram quando a ele chegaram, e ele lho agradeceu com boas palavras, e folgou muito com eles.

COMO OS PORTUGUESES PELEJARAM COM CERTOS CASTELHANOS E OS VENCERAM E DESBARATARAM.


Logo após como estes escudeiros chegaram, cavalgaram uma noite de Vila Viçosa o Comendador de Çalamea e o Comendador de Calatrava, com certos de cavalo e de pé, e foram correr o termo de Évora e por aquela comarca. E indo eles grande noite muito encobertos, um moço português natural de Borba que chamavam Rodrigo Valejo e ia por pajem de um castelhano, que diziam ter o nome de Diego Gonçalvez Maldonado, fugiu-lhe no caminho ao quarto da alva e foi-se à vila do Alandroal dar notícia a Pero Rodrigues, Alcaide do lugar, de como aquelas gentes eram entradas a roubar o termo dÉvora. E que eram duzentos homens de pé, almogávares e outra gente, e cento de cavalo com os ginetes que com eles iam, e disse-lhe o caminho que levavam e a sua fala (plano) sobre onde haviam de aí fazer presa.
Quando Pero Rodrigues ouviu isto foi muito ledo com tais novas, e muito mais o foram os escudeiros que NunÁlvares ali mandara, porquanto Vasco Porcalho dera os bens dalguns deles, que eram de Vila Viçosa. E Pero Rodrigues houve logo conselho com eles de como lhes parecia que era bem de fazer em tal feito, e acordaram todos, ainda que aquela gente fosse muita, que os fossem todavia aguardar no caminho e pelejassem com eles.
Pero Rodrigues fez logo fazer prestes os que consigo havia de levar, e eram com os escudeiros de NunÁlvares vinte e seis de cavalo e sessenta homens de pé, e tomaram o caminho de Estremoz cavalgando o mais que puderam até à estrada que vai de Vila Viçosa para a cidade de Évora, e levavam consigo o moço que lhe trouxera as novas, e este os pôs na trilhada por onde os castelhanos passariam para atravessar a serra, e ali houveram acordo que no porto (na passagem) dela os esperassem, onde seriam tão bons os poucos como os muitos. Acordado que ali os aguardassem, com a ventura que Deus lhes quisesse dar, esconderam-se os de cavalo e de pé num baixo e pôs Pero Rodrigues duas atalaias que avistavam grande extensão de terra por aquele campo, e ele estava numa delas, e assim estiveram desde a hora de prima até ao meio-dia, quando viram os de pé tangendo a cavalgada, e com eles dez ginetes em guarda.
E era a cavalgada mui grande à maravilha, que eles traziam cinco mil ovelhas e mil e quinhentas cabras, e entre homens e moços até sessenta metidos em três baraços, e os de pé vinham todos com a presa, e com eles os dez ginetes, e os homens de armas tinham ficado em resguardo mais atrás, e tangiam a sua cavalgada com tal segurança como se estivessem em Castela. E nisto apareceu a gente de armas, e vinham fazendo maior vista do que eram, e deixaram a estrada que traziam direita e foram correr o Redondo, que estava ali muito perto, e escaramuçavam ao redor da vila com alguns dos que aí estavam.
Quando Pero Rodrigues e aqueles escudeiros viram isto, disseram uns aos outros: Agora é tempo de darmos sobre estes de pé que aqui vêm com a cavalgada, e sobre estes ginetes, antes que lhes venha acorro de gente de armas.
E logo se repartiram em duas partes tanto os de pé com os de cavalo, e foram dar nos de pé e nos ginetes assim como vinham, e nos primeiros golpes derribaram cinco ginetes e cinquenta e três dos de pé com tais feridas que não tiveram mister de mestre que os pensasse, e os restantes mal-grado seu desampararam a cavalgada e começaram a fugir para a serra, aqueles que o puderam fazer. Pois os portugueses assim de pé como de cavalo, mais os que eles traziam cativos, que foram logo soltos, seguiam-nos mortalmente, matando e prendendo neles como melhor podiam, de guisa que em pequeno espaço foram entre presos e mortos cento e vinte e três, e os outros escaparam na serra. E fez logo Pero Rodrigues, com as armas e as bestas dos cinco que caíram, cinco escudeiros de homens de pé que o bem mereciam, de modo que já eram trinta e um de cavalo para pelejar.
Os cinco ginetes que escaparam foram dar novas aos homens de armas de como a cavalgada era em poder dos portugueses e muitos dos seus presos e mortos. E eles com grande desgosto reuniram-se todos e ao maior andar que puderam, por fora da estrada, vieram sobre o lugar onde fora a peleja, e acolheram-se a um cabeço muito alto, donde conseguiam ver bem quantos eram os portugueses. Pero Rodrigues quando assim os viu estar, e apesar de que a peleja seria muito desigual, houve acordo com os escudeiros para que, antes que os castelhanos cobrassem esforço de vir a eles, os acometessem eles primeiro.
Então pôs os de pé todos a uma parte e mandou-lhes que ficassem quedos, e que não se descorregessem por coisa que vissem, pois eles queriam ir acometer aqueles de cavalo antes que estes houvessem acordo de virem a eles, e se com os castelhanos não pudessem, que se recolheriam aonde os de pé estavam, e que então estes não tivessem dó de partir os dardos e as lanças pelos cavalos dos castelhanos. E em seguida puseram as lanças sob os braços e, bradando todos Portugal e são Jorge, foram ferir nos inimigos. Os Comendadores mais os de sua parte com bom desejo se endereçaram a eles, chamando Castilha, Santiago, e ao juntar das lanças caíram em terra dez castelhanos e dos portugueses dois.
Depois que as lanças foram perdidas vieram as espadas e feriam-se bem de vontade, e de tal guisa o faziam os castelhanos, que eram muitos, que se por vergonha não fora os portugueses teriam deixado a praça. Os homens de pé entenderam isto e, vendo a peleja tão desigual, não embargando o mandado que tinham, trabalharam de lhes acorrer a tempo, que bem mister lhes fazia seu acorro.
E, como chegaram, começaram a despender daqueles dardos nos cavalos dos castelhanos, por azo do que os seus donos caíam em terra, e tanto fizeram os de cavalo e de pé para haver a melhor sobre os seus inimigos que, por força, os fizeram abandonar o campo. E Lourenço Martins do Tojal e Gomes Lourenço de Sam Paio quando viram que os castelhanos se venciam e começavam de fugir, disseram um ao outro: Vamos a estes Comendadores, pois os conhecemos, e não nos escapem assim. Então deitaram atrás deles, cada um ao seu. Os Comendadores, para recolher a gente, iam-se detendo acompanhados para isso dos seus, e Lourenço Martins e Gomes Lourenço meteram-se por entre eles todos e cada um deles encontrou o seu, de guisa que os puseram fora das selas, vendo estes por terra, os seus bons criados tornaram sobre eles e mataram os cavalos a Lourenço Martins e a Gomes Lourenço, e ambos ficaram a pé, feridos. Então cobraram os Comendadores cavalos, e sobreveio Pero Rodrigues em acorro àqueles escudeiros, que já estavam para serem mortos ou presos, e por aí se partiu a peleja. Daquele lugar se foi Pero Rodrigues e disse aos escudeiros que levassem aquelas ovelhas para o Alandroal, que ali acudiriam os seus donos por elas.
E recolhida a gente achou que não minguava nenhum dos seus, mas foram feridos vinte e cinco homens de pé e onze dos escudeiros, de feridas porém seguras de morte, e morreram dos castelhanos, ali onde juntaram, quatro de cavalo e foram nove presos, e seis cavalos mortos e nove apanhados vivos, e da parte dos portugueses, cinco cavalos mortos, mas não minguaram outros melhores para os seus donos.
Ali vieram os donos das ovelhas, cada um pelas suas, e davam a Pero Rodrigues a metade, mas ele não quis mais do que trezentas cabras e cem carneiros para comerem aqueles feridos (que 36 comilões de primeira!).

COMO FOI LIVRE DE PRISÃO ÁLVORO COITADO, E DESBARATADOS OS CASTELHANOS QUE O LEVAVAM.


Não tardou muito, após isto, que chegasse um dia pela manhã uma esculca (sentinela) que Pero Rodrigues tinha em Vila Viçosa, e disse que naquela noite que havia de vir iriam levar Álvoro Coitado de Vila Viçosa para Olivença, e que visse o que cumpria fazer. Pero Rodrigues chamou logo os escudeiros perante o homem, e começaram a falar de que maneira teriam nisto, e acordaram que naquela noite se lançassem em cilada perto de Vila Viçosa, num pinhal azado para isto, e que aquele homem fizesse de modo a que soubesse as horas a que Álvoro Coitado havia de ser levado e por que maneira, e mandaram-no que se fosse e que lhes levasse as novas àquele pinhal. Pero Rodrigues, depois de sol-posto, com aqueles dezasseis de NunÁlvares e com quinze escudeiros seus e cinquenta homens de pé, partiu do Alandroal fingindo que levava caminho dEstremoz, e depois que foi noite deram a volta por outro caminho, o mais encobertamente que puderam, e foram-se ao pinhal que escolhido tinham. E esperando eles ali a resposta do homem que mandaram que lhes trouxesse o recado, era já grande serão andado e não sabiam informação do lugar que fosse certa, salvo o que já lhes dissera aquele homem que esperavam.
E vendo sua tardada mui grande começaram a duvidar se era verdade o que lhes dissera, e diziam alguns que isto podia ser traição desse homem de que Pero Rodrigues fiara, por os ter vendido, e o que disto mais se receava era o dito Pero Rodrigues, tanto que a ele e aos outros bem lhes prouvera de serem dali para fora e não ter tal obra começada, e estando-se nisto os dois escudeiros Lourenço Martins e Gomes Lourenço começaram de dizer assim: Pero Rodrigues, vós sois aqui vindo por serviço de Deus e do Mestre, e NunÁlvares, quando nos mandou a vós, esta foi a principal coisa que vos mandou encomendar, que este Álvoro Gonçalves saísse da prisão quando o daqui quisessem levar, se vós o pudesses fazer. Ora se isto é traição, já ordenada está, e não lhe podemos fugir por nenhuma guisa que o não tenhamos de fazer pelas nossas próprias mãos, aguardando qualquer aventura que avenha aqui ou no caminho, e portanto, se vos prouver, nós queremos ir com dois homens de pé e tomaremos língua (alguém que dê informações), se pudermos, e vós aguardai aqui que mui toste (rápido) tornaremos a vós. Pero Rodrigues disse que lhe prazia e que não partiria dali por nenhuma guisa até que eles viessem.
Foram-se os escudeiros com dois homens de pé almogávares, e quando foram perto da vila mandaram os de pé ao arrabalde, e eles ficaram próximo e em frente à porta da traição.
E estando assim viram muita gente de pé e de cavalo, e vieram dois homens de pé castelhanos que se queriam ir com aqueles que estavam à porta da traição por mandado do Comendador, e os escudeiros prenderam-nos logo e fizeram-nos calar. Nisto voltaram os dois homens que foram com eles e disseram: Já Álvoro Gonçalves tiram do castelo, e têm-lhe uma mula prestes em que vá, e parece-nos que serão duzentos de cavalo, a nosso esmar, e muita gente de pé, e chamam por Afonso Garcia almocadém, dizendo que saia má hora, se há-de sair.
Agora, disseram eles, ficai-vos aqui, e quando eles se moverem e começarem de cavalgar vá um de vós dar novas e o outro vá cerca deles, e vejam ao certo quanta gente é e por qual caminho vão.
Então se partiram os dois escudeiros com aqueles homens que assim prenderam e foram-se ao pinhal, e, como chegaram, contaram a Pero Rodrigues e aos outros tudo o que lhes sucedera, e estando perguntando àqueles prisioneiros que gente estava em Vila Viçosa chegou o homem por que Pero Rodrigues esperava, e um dos que tinham ficado no lugar para saber o caminho, e ambos deram novas dizendo assim: Sabei que os Comendadores vêm com Álvoro Gonçalves, e trazem consigo até noventa de cavalo e sessenta homens de pé todos escolhidos, e vinte e cinco besteiros, e vem por guia deles Afonso Alvarez almocadém, e trazem esta estrada da corte dElvira e em breve os ouvireis passar por aqui. Começaram então de se pôr a cavalo e, em se preparando, ouviram o som dos cavalos dos castelhanos.
Como vos parece que será bem, disse Pero Rodrigues, ou em que lugar acometeremos esta demanda?
Parece-nos de são conselho, disseram os outros, deixarmo-los alongar da vila e à entrada daquele azinhal atacarmo-los.
E isto falando chegou outro peão com recado, dizendo: Já passam os Comendadores, e levam a maior palra de palavras que homem ouviu, e vão sem avisamento nenhum, pois eles não levam gentes que vão adiante nem nenhum resguardo doutra gente.
Então disse Pero Rodrigues: A mim parece que é bem que naquele campo além destes estevais tenhamos a demanda com eles, e não temos por que mais deixá-los ir, que poderão haver de nós sentido e achá-los-emos melhor preparados. A noite está boa e não muito escura, e nós feiramos neles de surpresa e, prazendo a Deus, eles nos farão graça dÁlvoro Gonçalves e dalguns cavalos e armas que levam.
Então cavalgaram ao maior andar que puderam e entraram na estrada por onde iam os Comendadores, e chegaram tão cerca deles que ouviam as conversas que com grande arruído levavam entre si. E quando começaram a entrar no campo prepararam-se os portugueses para ir a eles, e puseram as lanças sob os braços ao maior correr dos cavalos que levar podiam.
Os castelhanos, quando os assim ouviram, deram uma grande arrancada para diante, e a grandes vozes disseram os Comendadores: Não é nada, Senhores, não é nada. Volta, Senhores. E ao arrancar que fizeram deu um cavaleiro em Álvoro Gonçalves uma lançada sobre uma jaqueta que ele levava vestida, dizendo: Ó traidor! Vendido nos hás! E Álvoro Gonçalves lançou-se da mula em terra com uma adoba (grilhão) mui grande que trazia nas pernas, e escudou-se na mula.
Pero Rodrigues mais os que com ele iam foram ferir nos castelhanos, e desta chegada que deram neles caíram bem vinte escudeiros das bestas, e os seus homens de pé colheram-se ao monte, sem fazer coisa que de contar seja. Os peões portugueses não houveram outro trabalho senão prender aqueles escudeiros que caíam e apanhar lanças e adargas (escudos) que jaziam por esse campo, e tomar mulas e cavalos e azémolas e outras bestas com fardagem dos Comendadores e de escudeiros de conta que iam em sua companhia, dado que não havia quem lho pudesse tolher, pois logo foram vencidos e arramados (dispersos) por esses estevais.
E porque era de noite e ficaram sem guia, desciam-se dos cavalos e lançavam-se ao monte para escapar, e por esta razão ficaram muitos cavalos sem donos, além dos que na primeira volta caíram. Os Comendadores foram dar consigo numa fraga muito pedregosa e ali deixaram os cavalos, e igualmente os outros que com eles iam, e os cavalos tornavam-se ao campo.
Os portugueses não sabiam de Álvoro Gonçalves e bradavam por ele, chamando-o pelo seu nome, e ele deitara-se num grande juncal e não ousava responder, crendo que aquele era MartinhAnes de Barvuda que o vinha tomar dos castelhanos para o levar cativo, pelo mal que lhe queria, e por sorte foi para aquele juncal Gomes Lourenço de Sam Paio, e andando bradando por Álvoro Gonçalves este conheceu-o pela fala e então respondeu. E havendo grande prazer com ele, desceu-se do cavalo e ajudou-o a montar nele, que ele não podia por razão da adoba que tinha, e pôs-lhe uma espora e deu-lhe a lança, e cobrou Gomes Lourenço o cavalo do Comendador de Calatrava, que era o mais afamado que ali vinha, e foram-se para onde estavam os outros. Pero Rodrigues foi mui ledo com ele, tal como quantos aí eram, dizendo-lhe que somente por ele ali foram vindos, e ele agradecia-lhe a sua obra quanto podia.
Entretanto o arruído era grande na vila e repicavam quanto podiam, cuidando que era NunÁlvares que ia sobre eles, e esta era a ideia que tinham os do lugar segundo lhes diziam os que se colhiam à vila.
Neste desbarato foram presos nove escudeiros e tomados dezasseis cavalos e seis mulas, e seis azémolas e vinte e cinco bestas de albarda com frasca (provisões, etc.) de alguns escudeiros.
E findando as razões que houveram, Álvoro Gonçalves se despediu de Pero Rodrigues, e de quanto lhe davam não quis levar mais que oito cavalos, e foram-se com ele para Estremoz os dezasseis escudeiros que Nuno Álvares mandara e mais alguns homens de pé, e Pero Rodrigues se tornou para o Alandroal, o qual no outro dia deu seis cavalos a seis homens que fez escudeiros, e repartiu as outras coisas todas e a rendição dos presos (o resgate) tanto a um como ao outro (equitativamente), e tão bom quinhão haviam sempre os que se acertava que ficassem no lugar como os que iam para fora com ele.

COMO PERO RODRIGUES FOI ACORRER A ÁLVORO COITADO PARA QUE O NÃO PRENDESSEM OS CASTELHANOS.


Quando Vasco Porcalho soube da tomada dÁlvoro Gonçalves e como os Comendadores foram desbaratados houve muito grande pesar, e com grande queixume dizia a modo de escárnio para os que estavam presentes:
Em verdade hei por estranho nunca nenhuns de vós me pedirem o quinto destas cavalgadas que fazeis, um cento de vós pelejam com trinta e sempre de vós ficam mortos duas dúzias, e os outros fugindo como ovelhas tornam-se aqui para este curral; quanta, com tal honra como esta, boa fama irá de nós a elRei.
E mandou essa noite duas esculcas saber que fazia Pero Rodrigues e que gentes foram com ele na tomada dÁlvoro Gonçalves, e se estava ainda no Alandroal, pois que ele queria aí vir correr e fazer algum bem se o pudesse. E uns homens que Pero Rodrigues enviara essa noite por escutas tomaram língua das escutas de Vasco Porcalho; e este, tendo sabido que Álvoro Gonçalves era já em Estremoz e havia naquele dia de partir para Borba, mandou a quarenta de cavalo e trinta homens de pé que se fossem pôr no caminho por onde Álvoro Gonçalves havia de vir, e que morto ou preso não lhes escapasse de nenhum modo, e Álvoro Gonçalves não sabia disto.
Mas Pero Rodrigues tinha disto novas, e mais por um homem de Vila Viçosa que lho veio dizer, e quando disto foi certo mandou chamar os do lugar e perguntou-lhes o que lhes parecia que devia de fazer em tal feito, e eles lhe disseram que fizesse o que por sua honra entendesse, que eles prestes estavam. A mim parece, disse ele, que não é bem deixarmos perder quem tanto trabalho nos deu para o havermos de livrar, pois se nós não lhe acorremos poderá ser preso ou morto, coisa que eu não queria por nenhuma guisa que acontecesse.
Fazei-vos prestes, disseram eles, que nós prestes somos.
Então cavalgou ele com o Concelho do Alandroal e chegou àquele lugar de Montalvom onde lhe disseram que o Comendador mandara aguardar Álvoro Gonçalves; os castelhanos tinham duas atalaias e, quando os viram vir, foram-se acolhendo, não os querendo aguardar, e não pôde Pero Rodrigues alcançar nenhum. Então se foi cavalgando para Estremoz e achou Álvoro Gonçalves que ainda não partira, e contou-lhe porque ali viera, e ele lho agradeceu muito, e Pero Rodrigues disse-lhe que pusesse em si boa guarda e avisamento para que não recebesse dano.
Partiu então Álvoro Gonçalves e Pero Rodrigues com ele para a vila de Borba, e no dia seguinte, alta manhã, mandou Álvoro Gonçalves descobrir terra por dois escudeiros, e eles acharam dez de cavalo que vinham correr a vila de Borba, e estes vieram até ao lugar no encalço daqueles dois que foram descobrir, e tomaram junto da vila vinte bois que andavam pascendo. Álvoro Gonçalves e Pero Rodrigues, quando viram isto, saíram a eles para lho tolher, e tomaram-lhos antes que chegassem a uma cilada que os castelhanos tinham preparada onde chamam Orrelhal, e foi a cilada descoberta e seguida de corredura (perseguição) até às hortas do Reguengo cerca da vila, onde tomaram sete azémolas do Comendador Vasco Porcalho, o que os castelhanos não ousaram de lhes ir tolher cuidando que seriam muita mais gente.
Então se tornou Álvoro Gonçalves para Borba, e Pero Rodrigues para o Alandroal.

COMO VASCO PORCALHO FOI CORRER AO ALANDROAL, E DA PRESA QUE TOMOU AOS PORTUGUESES.


O Comendador Vasco Porcalho, vendo a fouteza que contra ele mostrava Pero Rodrigues com os que consigo tinha, escreveu a Pero Rodrigues da Fonseca, Alcaide de Olivença, para que mandasse correr a vila do Alandroal de que recebia muito má vizinhança, e que ficasse certo de que, quando os corressem, logo sairiam a eles tanto os de pé como os de cavalo da vila, e que os não haviam de largar até ao rio de Odiana, que a tanto corriam os homens de pé daquele lugar como os de cavalo, e que assim os podiam prender e acutilar à sua vontade lançando-lhes uma cilada bem longe para cá do lugar (a leste). E enquanto ele mandava este recado enviou vinte de cavalo a correr o Alandroal, e fizeram presa nuns poucos de asnos e isto foi-lhes tolhido pelos do concelho. Estes corredores, tornando para a vila, disseram a Vasco Porcalho que não entendiam de lá mais ir daquela guisa, porquanto os seguiram de tal maneira que se o caminho não fora longe lá teriam ficado por seus hóspedes.
O Comendador, com grande despeito, cavalgou era grande madrugada e levou cento e cinquenta de cavalo e duzentos e cinquenta homens de pé, e lançou-se em cilada cerca do Alandroal, onde chamam o Pinheiro, e depois que foi bem de dia mandou vinte de cavalo que corressem até às portas da vila, e que a qualquer coisa que achassem travassem (deitassem mão) nela sem receio nenhum, e os ginetes fizeram como ele lhes mandou e correram até às portas do lugar e tomaram setecentas cabras. Os da vila saíram a eles, Pero Rodrigues com dez de cavalo, e setenta e cinco homens a pé, e foram os de cavalo por outra parte para lhes tomar a dianteira, e já os de pé tinham as cabras tiradas aos corredores e os de cavalo foram dar com a cilada, a qual sendo descoberta deixaram-se todos ir direitamente à vila, que era muito perto.
Pero Rodrigues quis acorrer aos peões, e vieram todos em confusão até cerca das casas do arrabalde da Mata e ali os esperaram e começaram de pelejar, e Pero Rodrigues era a pé com os seus. E sendo a peleja muito desigual foram os portugueses por força vencidos e fugiram para a vila, acolhendo-se às casas da rua da Mata que eram furadas umas pelas outras, e por ali foram escapando, que doutra guisa os mais deles teriam sido mortos e presos, mas não houve mais que cinco homens mortos, bem mancebos e para muito, os quais lhos mataram junto ao muro, e foram muitos feridos, e Pero Rodrigues houve uma ferida, e dos castelhanos morreram dois, e quinze cavalos.
Tornou-se então Vasco Porcalho com grande prazer para Vila Viçosa, e levou aquelas setecentas cabras sem haver ninguém que lhe pusesse embargo, e ficou Pero Rodrigues com os seus bem nojoso por tal desaventura, e por isso dizia de praça para os confortar: Amigos, tal vai da guerra em semelhantes coisas. Oitenta e cinco a trezentos e cinquenta deixar-lhes o campo sem vergonha o podem fazer, e estes que morreram por defensão do reino, Deus lhes haverá mercê às almas.

COMO PERO RODRIGUES DA FONSECA LANÇOU UMA CILADA AOS DO ALANDROAL E DO QUE LHE AVEIO.


Pero Rodrigues da Fonseca não foi esquecido do que lhe escreveu Vasco Porcalho, e cavalgou de Olivença com duzentos de cavalo e trezentos homens de pé e veio uma noite lançar-se em cilada cerca de São Brás do Mosteiro, a uma grande légua do Alandroal. E como foi manhã disse aos seus nesta guisa: Amigos, eu queria tomar esta vila e matar ou prender os que nela vivem, e se o pudermos fazer, segundo é meu desejo, faremos serviço e prazer a elRei de Castela, e lograremos todas as cavalgadas (presas, saque); e pois que Vasco Porcalho no outro dia matou parte deles por uma cilada que lhes lançou, façamos nós por esta maneira. Os que forem correr, se tomarem alguns prisioneiros ou qualquer outra coisa, façam em finta que vão contra Terena, e alguns que fiquem em face da vila, travando com eles com o maior resguardo que poderem; e se não acharem coisa em que façam presa, tirem-nos o mais à longa da vila que puderem, e façam-nos saber o mais escuso que poder ser. E eles assim alongados do lugar, eu e mais estes escudeiros meter-nos-emos entre eles e a vila; e quem conhecer Pero Rodrigues faça muito por o prender, e nos outros mate quanto puder, que se ele for preso logo me dará o lugar, ou o degolarei eu à porta da vila.
Os outros, ouvindo estas razões, disseram que tal acordo era muito bom, mas que lhes parecia que era bem de o fazer saber a Vasco Porcalho, que estava cavaleiroso de gente, e assim seria muito melhor e mais em seu salvo.
Pero Rodrigues disse que lhe não prazia, que esta honra queria ele para si e para eles. Que hoje queimaremos a porta do lugar, disse ele, e depois que for em nosso poder, ele o saberá, e doutra guisa não me praz. Firmando-se assim neste conselho, estremou (separou) quarenta de ginetes, os melhores encavalgados que achou e de que mais fiava, e tornou-os a avisar da maneira que dissemos, recomendando-lhes que usassem do seu bom juízo naquilo que lhes encomendava.
Eles correram a vila como lhes era mandado; e Pero Rodrigues, alcaide do Alandroal, mandara essa manhã descobrir terra por dois escudeiros contra Vila Viçosa, e a atalaia, que viu os ginetes, deu à campana e derribou o cesto, Os do lugar quando viram aquilo saíram a pé com lanças e dardos, e quem isto não tinha levava seis e sete estevas agudas com aviamentos; Pero Rodrigues não quisera que saíssem, e depois que os viu em escaramuça saiu com dez de cavalo, e de tal guisa seguiram os castelhanos que o caminho que estes cuidavam de levar não puderam ir por ele, mas servidos de dardos e de garrochas começaram a fugir para onde Pero Rodrigues da Fonseca permanecia em cilada, muito desapercebido de tal acontecimento.
E quando os portugueses e os castelhanos foram misturados, tanto por darem todos juntos neles, como pela surpresa, foi neles o desatino tão grande que alguns não puderam montar a cavalo, e sem esguardar se eram muitos ou poucos fugiam por esses matos quanto melhor podiam, tão bem a cavalo como a pé, de forma que ajudando a ventura os poucos, e dando temor e espanto nos muitos, fugiu Pero Rodrigues da Fonseca com aqueles que com ele se acertaram, e outros não chegaram senão daí a dois dias a Olivença. E foram na volta mortos dos inimigos sete homens de pé e dois de cavalo, e cinco dos ginetes, e mortos treze cavalos e apanhados nove vivos, e dos da vila foram feridos três de cavalo e dez homens de pé, e morto um, e trouxeram muitas lanças e dardos que ficaram no campo, e tornaram-se com grande prazer para a vila.

COMO PAIO RODRIGUES PRENDEU GIL FERNANDES.


Em se passando assim estas coisas, escreveu o Mestre de Lisboa, onde estava, a Gil Fernandes de Elvas que fosse falar a Paio Rodrigues Marinho, Alcaide de Campo Maior, para que alçasse voz por ele e que lhe faria muitas mercês.
Gil Fernandes cavalgou logo com cinquenta homens de armas consigo e foi-se a Campo Maior, e estando fora da vila em uma igreja que aí se faz mandou dizer a Paio Rodrigues que lhe prouvesse de sair fora do castelo, para falar com ele de coisas que eram de sua honra e proveito; Paio Rodrigues disse que não sairia fora, mas que fosse Gil Fernandes entre o muro e a barreira do castelo e que levasse dez homens de armas consigo.
Gil Fernandes disse que lhe prazia com a condição que duma parte e doutra fosse feito preito de menagem, para que um fosse seguro do outro; Paio Rodrigues disse que lhe prazia, e assim foi firmado e posto entre eles. Então apartou Gil Fernandes dez homens de armas e foi-se à barreira do castelo onde haviam de falar, e achou já Paio Rodrigues prestes, e quando se vieram abraçar lançou Paio Rodrigues o braço no ombro a Gil Fernandes, em jeito de seguro, e com a outra mão lhe tomou a espada, e disse: Vós sereis preso.
Gil Fernandes quando isto ouviu ficou espantado, e não teve maneira de se defender, pois Paio Rodrigues tinha tanta gente e tão aparelhada que os dez escudeiros não o puderam ajudar, mas esforçando-se por fugir, quando aquilo viram, foram deles presos cinco, convém a saber: Gonçalo Casco, e Martim Vasques e Gil Lourenço, seus primos, e outros dois. E enquanto estes prenderam saltaram os outros cinco a barreira e foram-se para aqueles que lá fora ficaram, e todos, espantados de tal traição, se tornaram para Elvas.
Gil Fernandes, sendo assim preso, teve de se render por duas mil dobras, e deu fiadores e saiu da prisão, e quando chegou a Elvas houveram todos com ele mui grande prazer, porque enquanto ele jazia preso eram muito amiúde corridos por seus inimigos. E para garantia da sua rendição (resgate) deram os clérigos as cruzes das igrejas, e os leigos taças e espadas e cintas guarnidas e dinheiros, e outras coisas, para que pusesse tudo em prenda a Paio Rodrigues até que baratasse (liquidasse) a sua rendição; e depois que teve tudo entregue, virou-se para Sancho Sanchez e Afonso Sanchez, que trouxera como prisioneiros de Arronches, como ouvistes, e rendeu-os por outras duas mil dobras das quais lhe deram logo as mil, e as outras em certo dia, quando ele era obrigado a pagar a Paio Rodrigues; e assim pagou tudo e quitou as prendas e os escudeiros.

COMO GIL FERNANDES FOI PREAR A CASTELA, E DO QUE LHE AVEIO.


Isto assim feito, mandou Gil Fernandes chamar os seus amigos e juntou entre eles e os outros dElvas até um cento de cavalo e quatrocentos homens de pé, e entrou de praça pela beira de Olivença e dAlconchel e foi prear a terra de Exarez, e trouxe mui grande presa de vacas e de ovelhas e de prisioneiros.
E vindo ele assim com todo esta presa para Portugal, juntaram-se os de Exarez e doutros lugares de redor, até trezentos de cavalo e muita gente de pé, e alcançaram-no num lugar que chamam a serra das Porcas. E estando eles ali cerca uns dos outros, disseram alguns a Gil Fernandes: Vós sabeis bem que tendes adiante em Olivença Pero Rodrigues da Fonseca e Paio Rodrigues Marinho, que já com ele está, e que têm ambos umas trezentas lanças e setecentos homens de pé para pelejar convosco à tornada (à volta), e se vós aguardardes que estas gentes que vêm atrás de nós se juntem com as outras que estão adiante tereis a peleja muito mais forte, e por isso nos parece que é bem que pelejeis com estes agora, e vencidos estes, os outros não vos quererão aguardar.
Gil Fernandes disse que lhe parecia aquele um bom conselho, e antes que ele preparasse as suas gentes para ir pelejar apressaram-se alguns a ir pelejar sem ele, e dando nos inimigos foram desbaratados e alguns deles feridos. Gil Fernandes, quando os viu daquela guisa, chegou rijamente para lhes acorrer e disse: Santa Maria vale! Que coisa esta? Volta, volta, namorados, que não são para nada! E então se lançou no meio deles, esforçando os seus, e com tal ardor feriram nos castelhanos que estes foram vencidos e desbaratados, e fugiram alguns deles pelo campo e outros àquela serra que chamam das Porcas, que não ousaram mais tornar a Gil Fernandes.
E vindo ele assim com sua cavalgada, esperando de haver outra tal peleja com aqueles fidalgos que dissemos, souberam eles como Gil Fernandes desbaratara os de Exarez e decidiram ambos por seu acordo de não pelejar com ele, e ele passou com todo aquele gado sem nojo nenhum até à vila dElvas, o qual era tanto que quem quisesse tomar dele para comer não lhe era vedado.

COMO GIL FERNANDES PELEJOU COM PAIO RODRIGUES MARINHO, E ESTE FOI DESBARATADO E MORTO.


Para verdes de que guisa foi vingado Gil Fernandes da sua prisão, ainda que tão cedo não fosse, queremo-lo logo aqui dizer, porquanto não sabemos se nos virá à mão de mais falarmos de seus feitos.
Ora assim foi que Paio Rodrigues Marinho mandou a vinte de cavalo de Campo Maior que viessem correr a Elvas, e Gil Fernandes saiu atrás deles com cinquenta de cavalo e seguiu-os por mui grande espaço, e deteve-se à beira dum cabeço que chamam Segoiva, entendendo que viria ali Paio Rodrigues, que já os seus haviam mandado chamar; e estando aguardando vieram alguns de Paio Rodrigues adiante, e Gil Fernandes prendeu-lhe dois deles. Paio Rodrigues trazia oitenta de cavalo consigo muito bem equipados, e quando chegou tomou logo uma pequena altura à beira do caminho, à ilharga daquele cabeço, e Gil Fernandes estava mais abaixo.
De ambas as partes não havia homens de pé mais que dois, que trazia Paio Rodrigues, e um era besteiro e o outro atirava pedras de mão com que fazia bem nojo. Nisto disse um bom escudeiro que chamavam Pero Fernandes Biscainho a Pero Rodrigues: Digo-vos, Paio Rodrigues, que de meu conselho vós não pelejaríeis com Gil Fernandes.
Em verdade, disse Nuno Fernandes Cogominho, vós o aconselhais muito bem! Somos aqui oitenta de cavalo bem corregidos, e Gil Fernandes não tem ali mais de cinquenta, e todos ladrão e seu companhão, assim como João Ruivano e Afonso das Vacas, e outros tais, e dizeis que não peleje com eles! Digo-vos eu que se ele esta erra, tarde cobrará outra tão boa.
Respondeu então Pero Fernandes dizendo: E como, Nuno Fernandes, não vedes vós ali andar bons escudeiros à beira de Gil Fernandes? Faça Paio Rodrigues como lhe prouver, que eu não lhe hei-de fugir do campo. Nuno Fernandes era homem de conta e tinha aí sete escudeiros seus, e além disso era bom guerreiro. Paio Rodrigues não respondeu a nenhum deles, e estiveram ali embestados uns contra uns outros em quanto seria um quarto de hora.
Vendo então Gil Fernandes isto, falou assim para os seus: Arredemo-nos um pouco deles, e logo cobrarão coragem de descer a nós. E como se começaram a arredar, logo Paio Rodrigues correu rijamente para tomar maior altura sobre Gil Fernandes, e Gil Fernandes, correndo, tomou outra ladeira e foi sair a igual dele. Então endereçou Paio Rodrigues rijamente contra ele, e deu logo uma lançada de sobremão (com sorte, bem apontada) a um que diziam Afonso Estevens que lhe trespassou a cota em direito da ilharga e, entrando pelo corpo, lhe cortou duas costelas e chegou aos bofes, e este caiu morto em terra.
E Gil Eanes, primo de Gil Fernandes, pôs a lança sob o braço e foi encontrar pela ilharga Paio Rodrigues, e deu com ele de cima do cavalo em terra. Os de Paio Rodrigues acudiram e vieram sobre ele, e deram com Gil Eanes em terra.
Nisto, desenrolando-se rijamente a peleja, começaram de fugir os de Paio Rodrigues, e Gil Fernandes disse a dois escudeiros que tivessem preso Paio Rodrigues enquanto ele seguia no encalço dos outros. Então Martim Vasques, um dos escudeiros que haviam sido presos com Gil Fernandes, quando o viu assim estar, disse contra ele desta guisa: Que é isso, Paio Rodrigues? Agora pagareis vós o que fizestes a Gil Fernandes e a seus parentes.
E sobre isto começaram a seguir-se entre eles tais palavras que Martim Vasques o matou e lhe cortou a cabeça, e o mesmo fez a Nuno Cogominho e a outro escudeiro que chamavam Álvoro Rodrigues, e foi-se logo para Elvas e levou as cabeças consigo. Quando Gil Fernandes tornou do encalço e soube como Vasco Martins os matara daquela guisa, perguntou por ele para lhe fazer mau jogo, e como o não achou, com grande acrimónia disse: Andar, pois que assim é, dos inimigos quer-se os mais poucos.
Então mandou juntar alguns que foram presos e encaminhou para a vila de Elvas, e não foram por todo, entre presos e mortos, mais que até uns vinte e cinco, dos quais um foi Pero Fernandes Biscainho, aquele escudeiro que aconselhava Paio Rodrigues a que não pelejasse com Gil Fernandes.


Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

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