sexta-feira, 30 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ligou o rádio a pilhas, à corrente elétrica

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ligou o rádio a pilhas, à corrente elétrica 

Na década de 1960, uma Rádio de Elvas emitia um programa de discos pedidos pelas pessoas de toda a região, incluindo da Freguesia de Capelins, que era transmitido à tardinha ou cair da noite, os ouvintes enviavam um postal dos CTT que custava cinquenta centavos o mesmo que cinco tostões, e escreviam nele a música que queriam ouvir e, se fosse o caso, a quem a queriam dedicar. 

Este programa tinha tanto sucesso que, na hora da sua transmissão parava tudo, para ficarem com os ouvido bem à escuta, não fosse anunciada a sua localidade e a pessoa nomeada, o que era um grande orgulho ouvir isso na telefonia. 

Chegada a hora, quem não tinha aparelho de rádio corria para as casas dos vizinhos, porque, ninguém se sentia incomodado por essa invasão do seu espaço e as pessoas tinham gosto em partilhar o pouco que tinham, neste caso, a sua telefonia. 

O Chiquinho de Capelins, não tinha aparelho de rádio e, àquela hora, com parte da família, também se aproximavam do rádio dos vizinhos mais próximos, para assistirem a tão grandioso programa, mas o pai não achava muita graça a isso, porque, quando chegava do trabalho tinha de esperar que eles voltassem a casa para cear (jantar), até que, um dia, sem dizer nada, foi a Capelins de Baixo encomendar um aparelho de rádio, mas como naquele dia o vendedor tinha ido a Vila Viçosa à Alvicuba e tinha trazido um rádio para um cliente que não estava em casa, ele para não perder a venda, disse-lhe que levasse aquele e depois ele no dia seguinte trazia outro, e assim foi. 

Quando o pai do Chiquinho entrou em casa com o rádio na mão a transmitir uma música da Tonicha, ele não queria acreditar e perguntou várias vezes ao pai se o rádio era mesmo deles, o pai disse que sim, mas acrescentou que era só para ouvir os noticiários e os discos pedidos da rádio de Elvas e mais nada, porque ele comia pilhas que nem um bruto e às tantas não se ganhava só para pilhas! 

O entusiasmo do Chiquinho caiu a pique, porque ele imaginava o rádio a tocar todo o dia, a dar alegria em casa, mas o sermão estava dado,  os gaiatos ficavam proibidos de lhe mexer, porque não percebiam como funcionava e podiam partir algum botão e acabar com ele, e não podia ser contestado, não fosse o rádio voltar pelo mesmo caminho de onde tinha vindo e, até os discos pedidos podiam ser perdidos, e o Chiquinho não queria isso, não era pelas músicas que eram sempre as mesmas, mas ouvir o radialista a dizer Ferreira de Capelins, parecia magia.

A mãe do Chiquinho foi logo tirar as medidas ao rádio para lhe fazer uma saia bonita, porque o rádio não podia apanhar pó e as moscas não podiam pousar nele e muito menos usá-lo como casa de banho, era o que faltava! Por isso, até a saia estar pronta ficou tapadinho com um lindo pano bordado à mão, mas a saia depressa ficou pronta, porque na Aldeia não havia aparelhos de rádio sem saia, juntavam o agradável ao útil. 

O pai do Chiquinho, levantava-se cedo e, logo de madrugada começava a ouvir a meteorologia e o programa vida rural e, à noite ao canto da chaminé do lume, dava voltas e mais voltas aos botões do aparelho a tentar apanhar a rádio Argel, ou seja, rádio voz da liberdade, que transmitia em português a partir das instalações daquela rádio na Argélia, as notícias políticas sobre Portugal e o aparelho levava horas e horas a soprar sem se ouvir nada, porque a transmissão não era diária, e o Chiquinho irritado a pensar que aquilo não fazia mal gastar as pilhas, mas fazia mal gastar as pilhas a ouvir coisas bonitas e à medida que o tempo passava, o rádio durante o dia mais funcionava, os gaiatos já mexiam e remexiam, e quando precisava de pilhas e o pai do Chiquinho refilava que já eram precisas novas pilhas, a mãe dizia sempre o mesmo: - Então, não há-de precisar de pilhas se tu levas aí noites inteiras, com o rádio a soprar sem ouvires nada, esses sopros é que gastam as pilhas, como é que não queres gastar as pilhas? Ele compreendia e a conversa acabava por ali! E vá mais pilhas! 

O rádio era a alegria da casa e, o Chiquinho reduziu as suas incursões pela Aldeia de Ferreira, ficando sentado numa cadeira em casa, junto do rádio a ouvir o romance, os Parodiantes de Lisboa e outros bons programas que não permitiam desligar o rádio a tarde toda, porque, depois eram os discos pedidos e, a seguir as notícias que, só interessavam ao pai, mas nessa hora, já o rádio estava cansado. 

O gasto de pilhas aumentava no dia a dia e o Chiquinho começou a dar voltas à cabeça para encontrar uma maneira de fazer durar as pilhas por mais tempo, quando ficavam ao sol melhoravam, mas era sol de pouco dura, ele achava que tinha de haver uma engenharia qualquer para fazer funcionar o rádio sem precisar de pilhas mas, não encontrava nada, até que um dia, um tio esteve lá em casa, andou a avaliar o rádio e por fim disse: - Não é mau, até tem aqui lugar para se ligar à corrente elétrica! Pronto, estava o caso resolvido, pensou o Chiquinho, se tem lugar para se ligar à corrente elétrica acabaram-se as pilhas e o mal estar em casa por causa delas, agora, era só estudar a maneira de fazer essa ligação! 

O Chiquinho andou perguntando porta a porta pela Aldeia, como é que os rádios se ligavam à corrente elétrica e toda a gente que sabia, respondia que era com fios como os que ligavam o dínamo das bicicletas às lâmpadas, mas nos rádios os fios ligavam a tomada elétrica ao sítio de ligação no rádio e, assim já não gastava pilhas! Ora, era mesmo isso que o Chiquinho queria e entusiasmado foi à procura de um fio da luz das bicicletas e, assim que o encontrou foi a correr para casa e quando se apanhou sozinho, sem imaginar o perigo que corria,  decidiu ensaiar a ligação do rádio à eletricidade, para depois, se desse certo, fazer uma surpresa à família.

Como o rádio estava em cima de uma mesa, no seu lugar de exposição, os fios eletricos que o Chiquinho arranjou, não tinham comprimento suficiente para chegar da tomada elétrica ao rádio,  logo isso exigiu mais um estudo, concluindo que, o melhor era arrastar a mesa para perto da tomada e, assim resolvia mais esse problema.

O Chiquinho sabia que essa ligação envolvia dois fios, por isso, a tomada lá tinha o seu lugar, os dois buraquinhos, mas o rádio só tinha um, mais um problema para resolver, depois de dar voltas à cabeça, pensou que, se o rádio só tinha um buraquinho era porque os fios entravam nele juntos, não havia outra maneira e depois de tudo preparado, com a porta de casa aberta, o Chiquinho tentou, primeiro enfiar os fios na tomada e foi o que fez, mas levou um coice de um cavalo invisível que o atirou porta fora sem saber o que lhe tinha acontecido e, só deu por si a correr e a soprar como um gato assanhado, decerto com os cabelos eriçados e só segurou os cavalos ao fundo do largo de Capelins de Cima, sem perceber quem, ou o que lhe tinha feito aquele mal. 

Àquela hora, por sorte, não passava ninguém pelo largo de Capelins de Cima, senão, apanhava grande susto ao vê-lo a correr naquele tenebroso estado, depois  andou por ali a orientar-se, até que melhorou um pouco do choque eletrico que tinha apanhado e, foi-se aproximando de casa com medo de entrar, desconfiado que alguém lhe tinha provocado aquilo, mas sabia que tinha de organizar as coisas como estavam, senão ainda apanhava outro choque elétrico do pai, e lá entrou com muito cuidado a olhar para a tomada e viu o fio no chão, sinal que não havia perigo e, arrumou a mesa, ligou o rádio que nada tinha sofrido, apanhou o fio elétrico e jurou a pés juntos que nunca mais ligava o rádio à corrente elétrica, foi uma lição para a vida. 

A partir daquele dia, o Chiquinho não se importou mais que o rádio gastasse pilhas, porque as culpas caiam no pai que levava horas com ele a soprar à procura da rádio Argel, que só transmitia três noites por semana e ele não se apercebia e achava que era a PIDE que mudava a estação.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




quarta-feira, 28 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi toureiro de cabras

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi toureiro de cabras 

Na casa do Chiquinho de Capelins, desde muito cedo, que começaram a ter cabras, eram duas, mas quando tinham as crias, chegavam a ser cinco ou seis cabeças de gado, as quais, a certa altura, começaram a ser da responsabilidade dele, ia levá-las à pastagem ao princípio do dia, onde ficavam presas com uma corda ligada a uma estaca de ferro espetada na terra, e se fosse verão, quando o sol aquecia tinha de as ir mudar para uma sombra e dar-lhe água, depois do sol acalmar, ia novamente mudá-las para melhor pastagem e à tardinha ia buscá-las para a cabana, onde dormiam, mas no tempo de escola, muitas vezes, livrava-se de algumas dessas voltas, que passavam para o pai. 

Apesar desta missão, o Chiquinho tinha muito tempo livre para dar asas à sua imaginação e para dar várias voltas, diariamente a toda a Aldeia de Ferreira e arredores e para participar nas brincadeiras com a rapaziada. 

Sempre que a televisão transmitia algum programa ao gosto da rapaziada, como um filme do Tarzan, o Zip Zip, uma tourada ou um jogo de futebol, as brincadeiras ficavam esquecidas, porque as novidades vinham da televisão que mostrava coisas do outro mundo, e não se podiam perder. 

Na segunda metade da década de 1960, a estrêla das touradas era o cavaleiro José Mestre Baptista e era impensável alguém perder uma tourada transmitida pela televisão, de cujo cartel ele fizesse parte, era natural de São Marcos do Campo, e as suas faenas levavam os aficionados ao delírio e dava para se falar nelas durante algumas semanas, por isso, os aficionados da Aldeia de Ferreira acorriam ao casão da televisão para assistir a tão grandioso programa televisivo. 

O Chiquinho era um espetador que estava quase sempre lá, na hora certa, e como ficava maravilhado com o espetáculo começou a sonhar em ser toureiro e ouvia os mais velhos com muita atenção, quando contavam como tinha sido a vida do dito cavaleiro toureiro, diziam que, depois de sair da Escola  Primária na Aldeia de São Marcos do Campo, chegava a casa ao Monte do Bonical, montava o burro, treinava  com ele e sem ser ensinado por ninguém chegou onde chegou, o Chiquinho começou a pensar no ditado que ouvia: - Quem não tem cão, caça com gato", o mesmo era dizer que, se não tinha burro, nem touros nem vacas para treinar, tinha cabras, era só ensiná-las e tornava-se toureiro a pé, mais tarde já com dinheiro, ia subindo na vida e, facilmente chegava a cavaleiro e começou a desenhar esse sonho na sua cabeça. 

Quantas mais touradas o Chiquinho assistia na televisão, algumas com o toureiro a pé, Ricardo Chibanga, mais fixava a ideia e não demorou começou a exigir ás suas cabras que fizessem o papel de vacas bravas, uma era a cabra malhada e a outra a cabra preta, esta só lhe faltava falar, percebia cada palavra do Chiquinho e, depois de ele lhe explicar que tinha de colaborar, porque estava em causa a fama e o futuro dele, ela depressa aprendeu a marrar, corria para ele como se fosse uma vaca, mas nunca o aleijava, enquanto a cabra malhada nunca se mostrou disposta para essas brincadeiras.  

A cabra preta estava cada vez mais bem treinada, já convencida que era uma vaca ou um touro e, ao fim de algum tempo, o Chiquinho já fazia atuações públicas, até que um dia recebeu um convite de alguns alunos e alunas da Escola Primária da Aldeia de Ferreira para ir lá fazer uma atuação, mas ele ficou renitente, porque levar uma cabra que marrava para dentro da Escola, não era boa ideia, mas como a organização continuou a insistir, combinaram que se encarregavam de fazer a publicidade e marcavam o dia e a hora da tourada da cabra e decidiram que seria na hora do recreio, mas como nunca sabiam a hora exata que a professora os deixava sair, ele ia mais cedo e ficava lá ao fundo com a vaca brava, ou seja, a cabra, depois os espetadores ficavam no lado dos pátios e quando estivessem todos posicionados nos seus lugares ele entrava triunfalmente na praça, no recinto da escola, e começava a tourada, e assim foi. 

O Chiquinho, todo vaidoso soltou a cabra e fez umas chicuelinas com a capa, o casaco, ouviram-se alguns olés e estava tudo a correr muito bem, sendo muito aplaudido, depois mandou a cabra ficar quieta e correu para o lado sul do recinto da escola, onde todo gingão começou a chamá-la: É vaquinha! É vaca! Marra aqui na minha casaca! Quando a cabra partiu a correr na direção do Chiquinho, algumas raparigas espetadoras começaram a gritar com medo, porque na cabeça delas viam uma vaca brava, com tanto terror que devem ter urinado pelas pernas abaixo, a professora estava dentro da sala e ao ouvir aquela aflição, pensou que tinha acontecido alguma desgraça no recreio e foi a correr a ver o que se passava, levou algum tempo a perceber o que se estava a passar ali e quando percebeu, dirigiu-se ao Chiquinho e deu-lhe grande desanda, disse-lhe que levasse dali a cabra, imediatamente e que tanto ele, como a cabra ficavam proibidos de entrar na escola e, estava com muita sorte não levar um grande puxão de orelhas, porque, era isso que merecia e acrescentou que tivesse vergonha, já tinha idade para saber o que fazia, deixando-o humilhado e muito triste, sem vontade de ser igual ao cavaleiro José Mestre Baptista. 

A partir daquele dia, a carreira de toureiro do Chiquinho, ficou arruinada e, antes de entrar, triunfalmente nas Praças de touros, ficou-se pelo curral das cabras e, nunca mais toureou a sua cabra preta.  

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Escola Primária da Aldeia de Ferreira 



segunda-feira, 26 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi aprendiz de taberneiro

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi aprendiz de taberneiro 

O Chiquinho de Capelins, morava no largo de Capelins de Cima, onde nessa época existiam, de um lado uma loja de, mercearia, padaria, drogaria, retrosaria, correios, telefone público  e, tudo o que fosse procurado para comprar e do outro lado uma taberna, ambas governadas pelo seu proprietário, o ti Xico da Loja e sua esposa, muito simpáticos e com talentos na arte de comercializar. 

Estes dois estabelecimentos comerciais, atraiam muita gente que, davam movimento e animação a esta parte da Aldeia, onde também se juntavam alguns rapazes, uns a brincar e outros mais velhos, encostavam-se, ou sentavam-se no poial do Forno comunitário, onde contavam as novidades e as aventuras e desventuras das suas vidas, ao mesmo tempo que, iam deitando o olho às raparigas que iam fazer as compras à dita loja. 

O Chiquinho de Capelins andava muitas vezes a brincar por ali, com o olho no taberneiro e, assim que o via dirigir-se para a taberna corria a perguntar-lhe se não precisava de ajuda, e o ti Xico, quase sempre lhe arranjava alguma coisa para fazer na taberna, mas do que ele mais gostava era do tratamento do vinho que as camionetas vindas de Borba, Redondo ou Reguengos em dias definidos, ali deixavam em barricas, também chamados pipos ou barris, que podiam conter de vinte a cinquenta litros, e que depois mudavam para garrafões, a fim de mais tarde ser transferido para garrafas para delas encher os copos em cima do balcão. 

Quando o Chiquinho se apercebia da chegada de alguma camioneta distribuidora do vinho, ficava muito contente, porque sabia que tinha trabalho, embora gratuito, mas tinha vantagens, reforçava a amizade com o taberneiro e sempre comia ou bebia alguma coisa, pelo que, dirigia-se ao ti Xico a propor a sua ajuda e ele aceitava e ia-lhe ensinando os segredos dos taberneiros, a mudança do vasilhame, a espuma que fazia quando caía nos garrafões ou nas garrafas, quanto mais espuma, melhor era o vinho, o batismo do vinho para não azedar, que não podia ser muito nem pouco, porque se os fregueses notassem, estava o caldo entornado, e outros segredos.

O Chiquinho ajudava o ti Xico a colocar um barril, deitado em cima de outro em pé, para ficar mais alto do que os garrafões que enchiam, os quais, metiam dentro de um alguidar, não fossem entornar, depois, com cuidado tiravam a tampa do meio do barril e metiam uma pequena mangueira, chamada bombinho a seguir davam um pequeno chupão e o vinho começava a correr do pipo para o garrafão, quando estivesse cheio metia-se o dedo a fechar a saída do bombinho e trocava-se o garrafão por outro vazio, sempre assim, até esvaziar o pipo, mas de quando em quando por descuido o bombinho desferrava e tinham de tornar a chupar, era esse o trabalho que o Chiquinho gostava de fazer, porque quase sempre descuidava-se a chupava de mais e engolia umas goladas de vinho e quando abalava, com o cheiro e com algumas goladas, já ia tonto e quando chegava a casa a mãe perguntava-lhe onde tinha andado e ele todo orgulhoso respondia: - Andei a trabalhar a ajudar o ti Xico a tratar do vinho! A mãe do Chiquinho não via isso com bons olhos e dizia-lhe que não gostava da vida de taberneiro para ele, tinha de estudar e arranjar outra vida melhor, mas o Chiquinho achava que não havia vida melhor do que a de taberneiro, não apanhava frio nem calor e era só encher copos de vinho e meter o dinheiro na gaveta do balcão.

Numa tarde que o Chiquinho andou na sua vida de aprendiz de taberneiro, ao chupar o bombinho para encher os garrafões deu umas boas goladas e quando saiu dali já ia tonto e à tardinha foi buscar as cabras à pastagem para a cabana que ficava ao fundo do beco a seguir ao largo da Aldeia, desceu a rua principal e quando ia a meio, estava uma grande mesada, numa petisqueira onde estavam cinco ou seis homens e rapazes a comer peixe frito com pão e vinho, como se dava muito bem com eles, foi direito à mesa com os olhos a brilhar para o apetitoso peixe, porque a fome já apertava, assim que o viram, perguntaram-lhe se queria um peixinho frito com pão, e ele nem os deixou acabar a pergunta já estava com as duas mãos estendidas a apanhar o que lhe ofereciam, começou logo a comer  e um dos rapazes perguntou-lhe se também queria uma pinga de vinho: - Claro que quero! Respondeu o Chiquinho! Pegou no copo e o vinho desapareceu num sorvo e eles começaram a rir e a comentar que era bruto para o vinho, porém, travaram o gesto do rapaz que ia encher novamente o copo e, ele continuou a comer o pão com peixe, mas antes de ir embora o rapaz disse-lhe: - Vá Chiquinho, mais meio copo, não te faz mal, até vais mais depressa! E ele nem hesitou, bebeu o vinho e partiu a buscar as cabras. 

O vinho que durante a tarde já tinha sorvido dos pipos, mais copo e meio na petisqueira, foi o suficiente para começar a sentir-se tonto e cheio de sono e quando voltou com as cabras para a cabana já era noite, arrumou os animais nos seus lugares e já não conseguiu ir para casa, deitou-se ao meio delas em cima da palha das suas camas e ficou ferradinho a dormir, chegou a hora da ceia (jantar), já a mesa posta e como o Chiquinho não aparecia, o pai foi confirmar se as cabras estavam na cabana, confirmou que sim, fechou a porta que estava aberta e foi pela rua abaixo a perguntar se alguém o tinha visto e dizendo que ele ainda não tinha aparecido a casa, mas várias pessoas afirmaram que o tinham visto passar com as cabras e já não tinha aparecido por ali! 

O Chiquinho estava desaparecido e já andava muita gente à sua procura, porém, o pai lembrou-se de voltar à cabana das cabras, podia ter-lhe acontecido alguma coisa e estar lá caído e foi acmpanhado por um grupo de pessoas que andavam a ajudar nas buscas, e lá o encontraram a dormir profundamente, enroscado com as cabras. 

O pai do Chiquinho, ficou assustado, mas assim que o levantou cheirou-lhe a vinho e disse logo, qual era o motivo de ele estar ali a dormir, faltava saber quem o tinha embebedado, levou-o para a cama e já nem comeu, continuou a dormir e a ter lindos sonhos, mas na manhã seguinte foi chamado a contas para explicar o que tinha acontecido e ele contou que tinha bebido um copo de vinho com pão e peixe frito, mas o pai não acreditou e foi falar com os homens e com os rapazes que estavam na petisqueira e todos confirmaram que ele tinha bebido apenas um copo de vinho e adiantaram que, como ele era muito fraquinho, decerto não aguentou e deu-lhe para dormir, o pai acreditou e o caso ficou por ali. 

A partir daquele dia, a sua atividade de aprendiz de taberneiro, começou a diminuir, porque, ficou muito tempo enjoado de vinho tinto e, só o cheiro o deixava mal disposto, era certo que, assim, não tinha jeito para ser taberneiro e não foi. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Antiga Capelins de Cima 


 


sábado, 24 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi barrado na vereda da talisca

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi barrado na vereda da talisca 

Na manhã de um dia do mês de Abril do decénio de 1960, o Chiquinho de Capelins, estava sozinho em casa e adormeceu, atrasando as tarefas que tinha a seu cargo, mas como tinha as brincadeiras combinadas em Capelins de Baixo, fez tudo à pressa e partiu a correr, já atrasado. 

O caminho mais curto, logo mais rápido era uma vereda que junto a Capelins de Cima era ladeada por paredes que, a partir do meio, apenas permitia a passagem de uma pessoa, esta talisca,  também servia de casa de banho pública, e só era limpa quando chovia em abundância, mas quem tinha pressa não a dispensava e era um vai vem de gente, a quase toda a hora, para baixo e para cima.

O Chiquinho entrou na dita talisca em grande corrida, mas ao percorrer uns metros levantou os olhos e viu que vinha alguém a subir muito lentamente e ocupava o espaço todo, não dava hipótese de passagem, parou-se a avaliar a situação, a pensar a maneira de resolver o problema, mas quando viu que era o ti António Bento que lá vinha, ficou desolado, porque, assim, ainda era pior do que antes imaginou, ele, decerto, não o deixava passar de maneira nenhuma, e para esperar até ele chegar lá acima, era uma eternidade e, assim perdia as brincadeiras que tanto gostava.

O Chiquinho, continuou a pensar na maneira de passar pelo ti António que, quando se metia na talisca era toda dele, era gordo, com a jaqueta que usava sobre os ombros e o caxeiro para se equilibrar, não dava passagem a ninguém, levava mais de dez minutos a fazer aquele percurso, mas quem é que podia perder esse tempo de brincadeiras, ali a olhar para o ti António a mudar o de trás para a frente com todo o vagar do mundo!

O Chiquinho pensou em descer a talisca e com modos simpáticos pedir-lhe para se encostar para um dos lados, porque tinha de ir dar um recado do pai à Forja e franzino como era, passava bem, mesmo assim, não devia ter sorte, porque o ti António era muito teimoso, pensou passar de gatas entre as pernas dele, mas, decerto ele não deixava, podia dar um salto por cima dele, mas não conseguia, porque ele era muito alto, só havia uma maneira de resolver isso, era subir a parede da ti Rosa, a do lado esquerdo que, era mais baixa e, embora tivesse feixas de lenha de oliveira deitadas por cima para impedir que a rapaziada lá pusesse os pés, de alguma maneira se havia de arranjar, assim, podia subir a parede e depois esperava que ele passasse, a seguir descia e ia à sua vida, havia a outra parede do lado direito, mas era muito alta e não tinha lugar de apoios para subir e descer e também tinha feixas de lenha, por isso, decidiu avançar com cuidado, porque a ti Rosa não queria a rapaziada em cima da parede e se aparecesse, acabava com a única hipótese que ele tinha de passar pelo ti António.

O ti António assim que viu o Chiquinho, alterou a passada, começou a mudar o cacheiro pouco mais de um palmo para a frente e depois com toda a calma, mudava um pé e daí a pouco mudava o outro, o Chiquinho chegou junto dele e ainda tentou passar, pedindo com bons modos, se podia dar um jeito porque ia dar um recado do pai à Forja, mas não serviu de nada, ainda alargou mais os braços e as pernas para não lhe dar nenhum espaço para passar, mas ele como já tinha planeado deu um salto e ficou em cima da parede, deixando o ti António muito frustrado, por ter sido enganado e o Chiquinho começou a rir, triunfalmente, mas como diz o ditado: - O último a rir é o que ri melhor", e como era dia de azar para ele, naquele momento, levantou-se a ti Rosa, mesmo ao lado dele, do lado de dentro da tapada, que andava a colher favas e deixou-o tão atarantado, mesmo sem lhe dizer nada, que ele em vez de ir para a frente por cima da parede e ultrapassar o ti António, deu um salto para trás e ficou no mesmo sítio em frente do ti António que, começou ele a rir na cara do Chiquinho.

O Chiquinho ficou muito envergonhado e voltou pela talisca acima sem olhar para trás, quando chegou lá acima, é que olhou para ver se o ti António estava a chegar atrás dele e ficou revoltado ao vê-lo no mesmo sítio, em grande conversa com a ti Rosa.

Estava visto que, nem daí a meia hora o ti António desocupava a talisca, a sorte seria se viesse alguém, nesse caso, ele deixaria passar essa pessoa, porque a birra era com o Chiquinho, mas tinha de ir a descer, ele ia colado e quanto o ti António dava por isso, já ele estaria no lado de baixo, mas o azar era tanto que nem uma pessoa aparecia, ainda esteve a magicar noutra hipótese, mas decidiu que o melhor era seguir por um dos outros dois caminhos, ou pelo Monte da Cruz, ou pelo Monte Grande e escolheu este, porque por aqui podia aparecer algum automóvel para ele o ver passar e já não perdia tudo. 

Desceu a Rua principal de Capelins de Cima, mas quando ia chegando ao portão do Monte Grande lembrou-se do cão rabilongo, do qual, tinha muito medo e ainda arrepiou  caminho, mas já estava tão perto e sem o avistar arriscou a passar encostado à parede da casa em frente ao portão e quando chegou a meio partiu a correr para o lado da estrada e o malandro do cão ainda deu uma arrancada a rosnar atrás dele, mas já ele estava salvo e continuou pela estrada principal até ao poço do chorão, aí desceu a barreira e entrou em Capelins de Baixo por esse caminho, sempre a correr, foi até ao Monte da Figueira, onde já, impacientemente os outros rapazes o esperavam e antes de levar uma desanda por ter chegado tão tarde, apressou-se a contar a peripécia que lhe tinha acontecido com o ti António e todos disseram que o ti António, agora, andava com a mania que a talisca era só dele, andava a precisar de uma partida, mas a conversa ficou por ali e as brincadeiras continuaram até cansar.

No dia seguinte, quando o Chiquinho ia a passar em frente da casa do ti António, ele chamou-o e perguntou-lhe: 

Ti António: Então Chiquinho, ontem ainda chegaste a horas das brincadeiras lá a Capelins de Baixo?  

Chiquinho: Ó ti António, quem é que lhe disse que eu ontem ia para as brincadeiras? Olhe que está enganado! 

Ti António: Então, era preciso alguém dizer?  Eu não vejo com os meus olhos o que lá vai? Vais a brincar além para baixo e a fazer mal a uns e outros! 

Chiquinho: Mau, mau, ti António, até posso ir a brincar além para baixo, uma vez ou outra, mas a fazer mal a uns e outros, isso é que não!

Ti António: Isso é que não? Pensas que não tenho observado? Derrotam tudo por onde passam a correr e a saltar paredes, até as  derrubam! 

Chiquinho: Olhe lá ti António, se alguém derruba paredes, decerto que não sou eu! Eu até já faço paredes com o meu avô! E sobre o que me fez ontem, fique sabendo que arranjou um grande sarilho, eu ia com muita pressa dar um recado à Forja, porque o meu pai tem lá um cangalho a amanhar e precisava dele para hoje, mas como cheguei lá tarde por sua culpa, o ti Vicente já estava comprometido com outro trabalho e já não o conseguiu amanhar ontem! 

Ti António: Ó Chiquinho, então não vês que foi só uma brincadeira! Então, porque não me disseste que ias à Forja? Caramba, já não podemos brincar! 

O Chiquinho apercebeu-se que ele estava a acreditar, e a ir-se abaixo, pensou em lhe pregar uma partida e disse-lhe:

Chiquinho: Ti António, pense lá bem, eu disse-lhe que ia dar um recado à Forja, mesmo assim, barrou-me na talisca e não me deixou passar, com isso, causou um grande prejuízo ao meu pai! 

Ti António: Essa agora! Deixa lá,  quando encontrar o teu pai, logo falo com ele! 

O Chiquinho ficou em pânico, porque era tudo mentira e no fim ainda apanhava alguns açoites do pai, então, tentou apaziguar o ti António.

Chiquinho: Não, ti António, não fale em nada com o meu pai, porque eu já lhe disse outra coisa, que o compromisso do ti Vicente já vinha de anteontem e ele tinha de acabar o trabalho ontem, deixe lá isso, que ficou tudo resolvido, o meu pai depois foi procurar e achou outro cangalho que tinha lá na cabana do macho! 

O Chiquinho, mais uma vez, estava em maus lençóis, mas com calma foi falando com o ti António e ele concordou em não falar mais no assunto e tudo acabou em bem.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


A célebre talisca




quinta-feira, 22 de junho de 2023

Memórias do Chquinho de Capelins, quando fez a açorda sem azeite

Memórias do Chquinho de Capelins, quando fez a açorda sem azeite

Nos alvores dos anos de 1960, num dia como tantos outros, o Chiquinho de Capelins, arrumou-se, foi tratar do gado que tinha a seu cargo e partiu para Capelins de Baixo, para se juntar ao grupo de rapazes das brincadeiras, assim que chegou, já o esperavam e começaram a brincar às escondidas até cansar, depois, passaram para outros jogos que não exigiam corridas, como o jogo do pião, do berlinde e outros, até que, as barrigas começaram a anunciar que estava na hora do jantar (almoço).
O Chiquinho, nesse dia, tinha ficado sozinho em casa e a mãe na noite anterior disse-lhe que tomasse tato na cabeça e não levasse gaiatos a brincar lá para casa e que ao meio dia, quando tivesse fome, fizesse uma açorda, era só coser os ovos que quisesse, colher uns poejos no quintal, lavá-los, cortá-los com um dentinho de alho aos bocadinhos, pôr um pouco de sal, e numa tigela, pisar tudo bem pisadinho com o pisador que ficava em cima da mesa, depois acrescentar duas ou três colheres de azeite e vazar a água bem quente para escaldar o azeite, meter o pão migado e ficava pronta a comer!
O Chiquinho respondeu que, era mestre de culinária, sabia muito bem, fazer açordas, sopas de grão ou de feijão, e até sabia estrelar ovos e fritar batatas, não precisava de tanta explicação! E a conversa com a mãe, ficou por ali, para não levar algum sopapo nas orelhas!
Quando a rapaziada começou a debandar para suas casas à procura do jantar (almoço), o primo disse-lhe para ir comer com ele, mas que ainda era cedo, a mãe dele só tinha a comida pronta lá para a uma e tal, e devia ser uma sopa de tomate com ovos, podiam ficar ali mais um bocado e depois iam comer os dois, mas o Chiquinho disse-lhe que não, porque ia fazer uma açorda, conforme a mãe lhe disse, e sendo assim, era melhor dizerem à mãe dele que iam os dois comer a Capelins de Cima, e assim fizeram.
Quando chegaram à casa do Chiquinho, ele começou logo os preparativos da açorda, ligou o fogão a gás para a água ferver e coser dois ovos para cada um, pisou os poejos com alho e sal, migou o pão para um prato e quando achou que os ovos estavam cosidos, tirou-os para arrefecerem e para os descascar, deitou a água em cima dos temperos e não demorou já estavam a comer uma boa açorda, mas durante a comesana, olhavam um para o outro com vontade de dizer alguma coisa, mas nenhum dizia nada e continuavam a comer, até que, quase no fim, o Chiquinho perguntou ao primo:
Chiquinho: Olha lá primo, tu achas que a açorda está boa?
Primo: Boa? Está muito boa, bem salgadinha, bom sabor, mas na verdade não está bem igual ás que a minha mãe faz!
Chiquinho: Ora aí está, mas está melhor, ou está pior, do que as da tua mãe?
Primo: Olha, até parece que está melhor, talvez por ter mais sal, mas não deve estar!
Chiquinho: Pois é, também acho que há aqui qualquer coisa esquisita! Será que lhe falta alguma coisa? Mas tem poejos, tem alho, tem sal! Então, tem tudo!
Como não estavam convencidos que a açorda tivesse tudo, levantaram-se das cadeiras a olhar para dentro da tigela para verem bem se estavam lá os temperos todos e foi naquele momento que, exclamaram ao mesmo tempo: - Não tem azeite! E agora?
Como já estavam acabando de comer, já não dava para acrescentar o azeite e concordaram em acabar a açorda como estava, sem azeite, mas a partir desse dia, o Chiquinho nunca mais fez uma açorda sem conferir se tinha lá o azeite.
Quando acabaram a açorda, o Chiquinho perguntou ao primo se queria um bocado de pão com queijo, ou com outro conduto, mas ele apressou-se a responder que, com aquela barrigada de açorda, já não conseguia comer mais nada e acrescentou: - Ainda nunca tinha apanhado uma barrigada de açorda sem azeite! E começaram os dois a rir, o caso não era para menos, e a mãe do Chiquinho nunca soube do acontecimento, senão, o mestre de culinária levava grande desanda.
Fim
Texto: Correia Manuel

Ferreira de Capelins

Antiga Capelins de Cima



terça-feira, 20 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ficou entalado numa oliveira

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando ficou entalado numa oliveira

Num Domingo à tardinha, no início da década de 1960, o Chiquinho de Capelins estava a brincar, fazendo estradas e paredes com terra e pedras na rua principal de Capelins de Baixo, quando o avô saiu de casa e começou a descer a dita rua, o Chiquinho perguntou-lhe onde ia e ele respondeu que ia à taberna e acrescentou que se ele quisesse podia ir, o Chiquinho levantou-se, pegou na mão do avô e lá foram os dois!
Quando chegaram à taberna o avô pediu duas laranjadas, o que desagradou ao Chiquinho, porque gostava muito de pirolitos, mas o avô dizia-lhe que os pirolitos faziam-lhe mal à barriga, porque eram feitos de água com gás e açúcar, enquanto as laranjadas eram feitas das laranjas, das laranjeiras das ruas de Vila Viçosa, que o Senhor Xico Zé comprava para fazer delas a dita bebida, o Chiquinho dizia que as laranjadas amargavam e não gostava delas, mas quem mandava era o avô e tinha de aceitar.
A televisão que se encontrava no casão, estava a transmitir um filme do Tarzan dos Macacos e o Chiquinho foi a correr sentar-se e ficou maravilhado com as imagens do Tarzan dos macacos e da selva, não imaginava que aquilo existisse, mas o que mais admirava era o grito do Tarzan e os saltos de árvore em árvore pendurado das lianas e começou a imaginar que podia, muito bem, fazer igual.
Quando o filme acabou o avô chamou-o para irem embora, a ver da ceia (jantar), no caminho para casa as cenas do filme do Tarzan não lhe saiam da cabeça e experimentou o célebre grito, mas não passou de um berro que assustou os cães da Aldeia que começaram todos a ladrar, quando chegaram à curva de Capelins de Baixo o Chiquinho disse ao avô:
Chiquinho: Avô, já sei o que quero ser quando for grande!
Avô: Eu também sei, já me disseste muitas vezes que queres ser alvanéu, como eu!
Chiquinho: Não, não avô, já não quero, a minha mãe disse-me que esse trabalho custa muito!
Avô: Mau, mau, estava a contar com um ajudante, agora mudaste de ideia?
Chiquinho: Mudei, mudei avô, agora quero ser Tarzan!
Avô: Mas isso, não é profissão, é uma personagem do filme!
Chiquinho: Seja lá o que for, é isso que eu quero ser e vou já começar a treinar, a saltar de árvore em árvore!
Avô: Mas a treinares o quê? Para caíres de cima de algum chaparro ou oliveira e partires um braço ou uma perna, tu tens é de estudar a ver se és alguém!
Chiquinho: Avô, eu já sei subir às árvores, agora é só treinar com umas cordas para saltar de umas para as outras, como faz o Tarzan, não acho nada difícil e posso ser alguém!
Avô: Pronto, está bem, se queres ser Tarzan, serás Tarzan, mas só quando fores grande!
O Chiquinho ficou muito contente por ter a aprovação do avô e não esquecia o que tinha visto no filme, e no dia seguinte, assim que teve oportunidade, começou a tentar subir às oliveiras, chaparros, amendoeiras e todas as árvores que estivessem à mão, até que, um dia, enquanto a mãe andava na lida da casa, subiu a uma oliveira no quintal em Capelins de Cima, mas quando foi para saltar, ficou entalado entre duas pernadas, a cerca de um ou dois metros do chão e começou a espernear, mas quanto mais se mexia mais entalado ficava e começou a sentir-se muito apertado com dificuldade em respirar e sem conseguir falar para pedir ajuda, piava cada vez mais fino, e começou a chorar a pensar que era o adeus à vida presente, mas a irmã que andava ali a brincar apercebeu-se que ele estava aflito e foi a correr chamar a mãe que, ao saber que ele estava empoleirado em cima de uma oliveira sem conseguir descer, respondeu: - Deixa-o lá estar para ele aprender, a toda a hora lhe digo para não subir às oliveiras, mas agora apanhou essa mania e anda sempre empoleirado em tudo o que apanha! Mas a irmã tanto insistiu, dizendo que ele estava a morrer entalado na oliveira, que a mãe foi a correr e salvou-lhe a vida, mas não se livrou de levar uma grande desanda, e ele justificou-se, dizendo que andava a treinar para ser Tarzan, sabia lá a mãe o que isso era, mas livrou-se de levar uma tareia, porque estava muito fraquinho, nem se segurava nas canetas, ou seja, nas pernas.
O Chiquinho apanhou grande susto e andou muito tempo sem trepar às oliveiras nem aos chaparros, tinha medo, via-os como seus inimigos, mas com o passar do tempo esqueceu o acontecimento e começou, novamente, mas nunca mais imitou o Tarzan, porque não havia condições, faltavam as lianas e o sonho do Chiquinho ficou adiado.
Fim
Texto: Correia Manuel




sábado, 17 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar tesouros

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar tesouros

Depois do jantar (almoço) num dia do mês de Junho na década de 1960, quando o Chiquinho de Capelins chegou junto ao Lagar da Casa Dias, na rua principal de Capelins de Cima, já lá estavam os rapazes do grupo das brincadeiras e, alguns reclamaram, por ele chegar atrasado, mas ele não deu resposta e perguntou:
Chiquinho: Então malta, hoje ao que vamos a brincar?
Alguns rapazes encolheram os ombros, e foi o Manel que respondeu:
Manel: Não sei, são sempre as mesmas brincadeiras, isto já cansa, aqui não há nada de novo, estou farto disto, um dia abalo daqui e nunca mais cá volto, mas onde é que nós vamos, se nem dinheiro temos para nada!
Chiquinho: Tens toda a razão, isto parou no tempo, já estamos todos cansados das mesmas coisas, não há aqui nada para fazer!
Manel: Pois não! Mas eu hoje estou cá com uma ideia, porque a semana passada ouvi uma conversa aqui neste sítio, entre os mais velhos, a dizerem que aí na Defesa, lá para as minas e na Vila dos romanos estava cheia de tesouros! O que é que vocês acham se nós fossemos a ver disso?
Chiquinhol: Eu acho que é uma boa ideia, mas como é que nós achamos algum tesouro, se andam aí homens e mulheres a trabalhar e outros a guardar o gado há tantos anos e nunca acharam aí nada? O ti Manel João anda aí com as vacas, conhece isso como as palmas das mãos, e eu um dia perguntei-lhe se tinha econtrado aí algum tesouro e ele disse-me que nunca aí encontrou a ponta de um corno!
Manel: Sim! E tu achas que se ele encontrasse algum tesouro ia dizer-te? Calava-se bem caladinho e ia procurar outro! Era assim que eu fazia!
Chiquinho: Isso também é verdade, o meu avô contou-me que uns homens acharam aí uma panela cheia de moedas de ouro, era uma fortuna e ficou para o dono da terra e também acharam outras coisas que eram dos romanos que eram muito ricos, até tinham minas de ouro para lá da ribeira!
Manel: Isso é tudo verdade, ainda hoje nas minas dos romanos há ouro e outros minérios que valem muito dinheiro, só que as pessoas aqui da Aldeia não conhecem, por isso, nós podíamos ir passar as minas a pente fino e trazíamos tudo que lá brilhasse, depois cá logo víamos o que se aproveitava, as pepitas de ouro os diamantes as jóias e outros minérios!
Chiquinho: A ideia é boa, mas não há nada como as moedas de ouro, era mais fácil acharmos alguma por lá perdida, onde moravam os romanos, aí de certeza que há muitas, isso é que era a nossa salvação, para darmos à sola daqui!
Manel: Lá isso era, eu até sei onde as podemos vender, é numa ourivesaria em Vila Viçosa, e não enganam ninguém, contaram-me que têm comprado grandes paneladas de moedas de ouro e de prata, levadas daqui, da nossa Freguesia!
Chiquinho: Então se acharmos algumas panelas de moedas de ouro, vamos vendê-las a Vila Viçosa, não é? E depois onde escondemos o dinheiro?
Manel: Acha lá primeiro as panelas cheias de moedas de ouro e não te preocupes com o resto, o dinheiro divide-se em irmandade, em partes iguais, e cada um faz o que quiser com a sua parte, eu da minha já tenho ideia do que vou fazer com ela!
Chiquinho: Eu não tenho ideia nenhuma, só a de abalar daqui para Lisboa, porque lá é que a vida é boa!
Manel: Dá cá a mão, já somos dois, eu com a minha parte compro uma barraca, além de Lisboa para lá, porque já lá estive e gostei do sítio, já lá conheço alguma coisa!
Chiquinho: Nem a propósito, é o meu sonho, comprar lá uma barraca, mas ali ao pé do aeroporto, para me sentar à porta a ver levantar e aterrar os aviões a toda a hora, sem pagar nada!
Cada um dos rapazes disse o que fazia com a sua parte do tesouro e acabaram todos por comprar uma barraca em Lisboa, um rapaz ainda alvitrou se não seria melhor comprar um andar, mas o Manel respondeu que isso era uma gaiola e se não sabia o que acontecia aos pintassilgos quando os metiam numa gaiola, morriam de tristeza, e se era isso que ele queria! Com esse exemplo, acabaram-se logo os andares, e alguns rapazes decidiram comprar as barracas junto ao aeroporto e outros de Lisboa para lá, mas combinaram juntarem-se todos, para passear por Lisboa, irem até ao Jardim Zoológico, ao Campo Pequeno, ao Castelo de S. Jorge, ao Rossio, ao Terreiro do Paço, a Belém, aos bailes no Parque Eduardo VII, ao Cinema, ao Teatro, e a ver o mar, havia tanto, tanto, para ver e fazer em Lisboa.
Os rapazes planearam a volta para achar os tesouros e decidiram seguir pela estrada do Rosário, mas pelo Monte do ti Zé "Anão", pelo Gomes e depois era só descer pela Defesa na direção da Ribeira de Lucefécit, mas antes viravam para o Outeiro Alto, onde se situava a primeira mina a ser inspecionada.
Os rapazes partiram muito animados, com a certeza que voltariam ricos, como planeado, antes da Ribeira de Lucefécit, viraram à direita na direção do outeiro alto, que subiram a custo devido à grande chapada e ao calor e quando chegaram ao topo estavam exaustos e sentaram-se à sombra de um chaparrinho, a descansar e a apreciar a paisagem, tinham a Aldeia do Rosário quase a seus pés e quando comentavam as belas vistas o Chiquinho disse que o nome de outeiro alto, estava mal posto, porque devia ser, outeiro das belas vistas, todos concordaram, mas já estava batizado, e não eram eles que podiam mudar-lhe o nome.
Assim que descansaram o Manel levantou-se e disse que estava na hora de começar o trabalho ali na mina do outeiro alto, cuja abertura estava virada para a Aldeia do Rosário, por isso, era só descer um pouco naquela direção e ficavam na boca da mina, mas o Chiquinho disse que nem pensar em ir para aquele lado, porque sabia que estavam homens mortos lá dentro e a mina era uma armadilha, tinha uma entrada triunfal e depois fazia um poço fundo e foi aí que os tais homens morreram e ainda lá estavam, o Manel tentou desvalorizar o caso, disse que também tinha ouvido isso, mas já que estavam ali, podiam ir lá ver, com cuidado! Os outros rapazes responderam que também não iam, porque o poço devia ser uma armadilha para guardar a mina, e fizeram finca pé, o Manel ainda se zangou, dizendo que assim, não iam encontrar nenhum tesouro, mas não quis ir sozinho, adiantou que havia outros sítios, onde tinham de procurar bem, como no outro outeiro ao lado, para sul, nas casas onde moraram os romanos, e seguiram à procura de tesouros nesse sítio.
O grupo de rapazes desceu o outeiro alto, na direção da fonte do castelo, porque estavam cheios de sede, quando chegaram queriam beber todos ao mesmo tempo e quase houve zaragata, por fim, lá se entenderam, combinaram que primeiro bebiam uma lata cheia de água cada um e começava pelomais velho, assim, mesmo que a fonte se fosse abaixo, já todos tinham bebido, depois já podiam encher a barriga se houvesse água! Começaram a beber e feitos garganeiros a tentar secar a fonte, embora o nascente se visse a correr, vindo da rocha que estava por cima, a sede era muita e a água na fonte estava cada vez mais baixa e alguns rapazes ficaram convencidos que conseguiam secá-la, mas não, quase rebentaram com beber água e não a secaram.
Depois de bem bebidos, os rapazes subiram a direito ao outeiro dos castelinhos ao sítio do forte romano, porque era nesse lugar que diziam que havia muitos tesouros, mas o Manel avisou para não fazerem barulho e falar baixinho, porque andavam por ali almas penadas dos romanos e eram perigosas, então os rapazes a partir dali apenas sussurravam e quando se aproximaram da parede mais alta, que restava do Forte, com dois a três metros de altura, iam pé ante pé, viram na sua frente uma grande cobra, como nunca tinham visto, com as cores muito garridas, os rapazes correram a pegar em paus e pedras para a matar, mas o Manel deu um salto para a frente dos rapazes e disse-lhe que não estavam bons da cabeça, porque queriam matar a galinha dos ovos de ouro! Os rapazes ficaram impavidos e responderam que era sempre assim, nenhuma cobra lhes escapava, e perguntaram-lhe o que tinha aquela cobra a ver com as galinhas e com ovos de ouro? Então não eram moedas?
Então, o Manel teve de contar por alto, à rapaziada, o conto da galinha dos ovos de ouro e acrescentou que, todos os tesouros eram guardados por uma cobra, por isso, aquela cobra tão diferente das outras, só podia ser a guardiã de um tesouro que estava por ali e seria ela a dizer-lhes onde ele estava, se a matassem nunca mais achavam o tesouro, por isso, deviam estar quietinhos e ver onde ela se metia e depois era só tirar o tesouro!
Os rapazes concordaram, estava bem visto, deixaram cair os paus e as pedras que tinham nas mãos e ficaram todos a observar onde a cobra se metia e não demorou o bicho com medo dos intrusos começou a sumir-se para dentro das pedras junto à dita parede e exclamaram todos: - Já sabemos onde está o tesouro! Mas o Manel adiantou que, estava muito fundo, a mais de dois metros debaixo daquelas pedras todas e da parede, porque a cobra tinha quase dois metros e tinha-se sumido a pique, por isso, tinham de pensar, muito bem, na maneira de tirar dali o tesouro.
Depois de muitas ideias sem sentido, os rapazes não tiveram coragem de tirar dali pedra sobre pedra, debaixo de um sol que queimava por cima da roupa e, porque era muito perigoso, uma vez que, ao tirar as pedras que estavam encostadas à parede ela podia cair-lhe em cima e ficavam lá entaipados para sempre, porque os tesouros tinham sempre artimanhas, e também as cobras que os guardavam podiam ser venenosas, por isso, se fossem mordidos não chegavam vivos à Aldeia! Depois de grande debate sobre a maneira de tirar dali o tesouro, decidiram voltar outro dia com ferramentas, agora que já sabiam onde ele estava, era mais fácil, iam à ribeira, traziam uns paus e especavam a parede, depois já podiam tirar as pedras e lá estaria o tesouro à sua espera.
Depois desse plano aprovado por todos, andaram por ali à procura de alguma moeda de ouro perdida, mas não encontraram nada e o Chiquinho ainda propôs irem ao porto das Águas Frias de baixo, onde passava uma estrada romana e nesse pégo devia haver muitas moedas, porque os romanos atiravam moedas à água para que os deuses os protegessem nas viagens ou na volta a casa, mas decidiram deixar isso para mais tarde, quando tivesse menos água e foram para a mina romana que fica mais acima, desceram até ao fundo e andaram a inspecionar as paredes para ver se viam alguma pedrinha brilhante, mas cansaram-se de procurar e não encontraram nenhum brilhante, mas não desistiram, o Manel disse-lhe que ainda havia mais duas minas para inspecionar e o sítio junto às duas casinhas no cimo do outeiro em frente da mina romana, uma casinha maior onde os homens deixavam as ferramentas e a outra mais pequena era a casinha do fogo e aí, decerto, havia algum tesouro, mas esse, que estava certo, ficaria para o fim.
Os rapazes dirigiram-se à outra mina a sul da mina romana (atual Algar de água) e depois da inspeção que resultou em nada, seguiram para outra em frente na base do outeiro e que apresentava uma entrada pouco convidativa e como já estavam a pensar que no cimo do outeiro é que estava um tesouro, depressa subiram, sentaram-se a observar as casinhas das minas e a ouvir o Manel a dizer que deviam procurar desníveis no terreno, porque era aí que estava o minério que os mineiros traziam escondido nos bolsos das calças e das ceroulas, quando no fim do dia, vinham entregar as ferramentas que ficavam guardadas na casinha e como trabalhavam de sol a sol, faziam a entrega das ferramentas já de noite e como tinham de estar em fila, uns iam, disfarçadamente abrindo covas no terreno, outros metiam lá o minério roubado, e os de trás iam enterrando e pisando bem a terra para os capatazes não darem por nada, depois mais tarde iam outros, combinados com eles tirar o minério e vendê-lo aí pela Espanha dentro e o dinheiro era para todos, mas disseram-me que quando isto acabou, os mineiros foram-se embora daqui e ficou aí muito minério enterrado, desse que vale muito dinheiro, por isso, começamos uns daquele lado e outros deste, e como lhe disse, se verem que o terreno não está todo parelho, todo igual, gritem logo, depois só temos de o desenterrar e estamos ricos.
Os rapazes andaram horas de joelhos, a esgaravatar com a unhas, com paus, até cair para trás de cansados e não apareceu nada, decidiram ir embora para a Aldeia de Ferreira e concordaram, voltar quando chovesse e que a terra estivesse mais mole, porque o minério estava muito fundo!
Chegaram à Aldeia de Ferreira, cheios de fome e pareciam autênticos mineiros, com o suor e enterreados, metiam medo, mas continuavam cheios de esperança que, um dia ainda iam encontrar um tesouro, uma vez que, a herdade da Defesa estava cheia deles.
Passou esse verão e outros, mas só chovia no tempo de escola, pelo que, o tempo foi passando e os sonhos sobre os tesouros e as barracas em Lisboa, foram ficando adiados, e até hoje, nenhum se concretizou, mas os tesouros continuam lá à sua espera.
Fim
Correia Manuel

Vila Romana de Ferreira em Capelins




Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...