quarta-feira, 28 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi toureiro de cabras

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi toureiro de cabras 

Na casa do Chiquinho de Capelins, desde muito cedo, que começaram a ter cabras, eram duas, mas quando tinham as crias, chegavam a ser cinco ou seis cabeças de gado, as quais, a certa altura, começaram a ser da responsabilidade dele, ia levá-las à pastagem ao princípio do dia, onde ficavam presas com uma corda ligada a uma estaca de ferro espetada na terra, e se fosse verão, quando o sol aquecia tinha de as ir mudar para uma sombra e dar-lhe água, depois do sol acalmar, ia novamente mudá-las para melhor pastagem e à tardinha ia buscá-las para a cabana, onde dormiam, mas no tempo de escola, muitas vezes, livrava-se de algumas dessas voltas, que passavam para o pai. 

Apesar desta missão, o Chiquinho tinha muito tempo livre para dar asas à sua imaginação e para dar várias voltas, diariamente a toda a Aldeia de Ferreira e arredores e para participar nas brincadeiras com a rapaziada. 

Sempre que a televisão transmitia algum programa ao gosto da rapaziada, como um filme do Tarzan, o Zip Zip, uma tourada ou um jogo de futebol, as brincadeiras ficavam esquecidas, porque as novidades vinham da televisão que mostrava coisas do outro mundo, e não se podiam perder. 

Na segunda metade da década de 1960, a estrêla das touradas era o cavaleiro José Mestre Baptista e era impensável alguém perder uma tourada transmitida pela televisão, de cujo cartel ele fizesse parte, era natural de São Marcos do Campo, e as suas faenas levavam os aficionados ao delírio e dava para se falar nelas durante algumas semanas, por isso, os aficionados da Aldeia de Ferreira acorriam ao casão da televisão para assistir a tão grandioso programa televisivo. 

O Chiquinho era um espetador que estava quase sempre lá, na hora certa, e como ficava maravilhado com o espetáculo começou a sonhar em ser toureiro e ouvia os mais velhos com muita atenção, quando contavam como tinha sido a vida do dito cavaleiro toureiro, diziam que, depois de sair da Escola  Primária na Aldeia de São Marcos do Campo, chegava a casa ao Monte do Bonical, montava o burro, treinava  com ele e sem ser ensinado por ninguém chegou onde chegou, o Chiquinho começou a pensar no ditado que ouvia: - Quem não tem cão, caça com gato", o mesmo era dizer que, se não tinha burro, nem touros nem vacas para treinar, tinha cabras, era só ensiná-las e tornava-se toureiro a pé, mais tarde já com dinheiro, ia subindo na vida e, facilmente chegava a cavaleiro e começou a desenhar esse sonho na sua cabeça. 

Quantas mais touradas o Chiquinho assistia na televisão, algumas com o toureiro a pé, Ricardo Chibanga, mais fixava a ideia e não demorou começou a exigir ás suas cabras que fizessem o papel de vacas bravas, uma era a cabra malhada e a outra a cabra preta, esta só lhe faltava falar, percebia cada palavra do Chiquinho e, depois de ele lhe explicar que tinha de colaborar, porque estava em causa a fama e o futuro dele, ela depressa aprendeu a marrar, corria para ele como se fosse uma vaca, mas nunca o aleijava, enquanto a cabra malhada nunca se mostrou disposta para essas brincadeiras.  

A cabra preta estava cada vez mais bem treinada, já convencida que era uma vaca ou um touro e, ao fim de algum tempo, o Chiquinho já fazia atuações públicas, até que um dia recebeu um convite de alguns alunos e alunas da Escola Primária da Aldeia de Ferreira para ir lá fazer uma atuação, mas ele ficou renitente, porque levar uma cabra que marrava para dentro da Escola, não era boa ideia, mas como a organização continuou a insistir, combinaram que se encarregavam de fazer a publicidade e marcavam o dia e a hora da tourada da cabra e decidiram que seria na hora do recreio, mas como nunca sabiam a hora exata que a professora os deixava sair, ele ia mais cedo e ficava lá ao fundo com a vaca brava, ou seja, a cabra, depois os espetadores ficavam no lado dos pátios e quando estivessem todos posicionados nos seus lugares ele entrava triunfalmente na praça, no recinto da escola, e começava a tourada, e assim foi. 

O Chiquinho, todo vaidoso soltou a cabra e fez umas chicuelinas com a capa, o casaco, ouviram-se alguns olés e estava tudo a correr muito bem, sendo muito aplaudido, depois mandou a cabra ficar quieta e correu para o lado sul do recinto da escola, onde todo gingão começou a chamá-la: É vaquinha! É vaca! Marra aqui na minha casaca! Quando a cabra partiu a correr na direção do Chiquinho, algumas raparigas espetadoras começaram a gritar com medo, porque na cabeça delas viam uma vaca brava, com tanto terror que devem ter urinado pelas pernas abaixo, a professora estava dentro da sala e ao ouvir aquela aflição, pensou que tinha acontecido alguma desgraça no recreio e foi a correr a ver o que se passava, levou algum tempo a perceber o que se estava a passar ali e quando percebeu, dirigiu-se ao Chiquinho e deu-lhe grande desanda, disse-lhe que levasse dali a cabra, imediatamente e que tanto ele, como a cabra ficavam proibidos de entrar na escola e, estava com muita sorte não levar um grande puxão de orelhas, porque, era isso que merecia e acrescentou que tivesse vergonha, já tinha idade para saber o que fazia, deixando-o humilhado e muito triste, sem vontade de ser igual ao cavaleiro José Mestre Baptista. 

A partir daquele dia, a carreira de toureiro do Chiquinho, ficou arruinada e, antes de entrar, triunfalmente nas Praças de touros, ficou-se pelo curral das cabras e, nunca mais toureou a sua cabra preta.  

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Escola Primária da Aldeia de Ferreira 



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