segunda-feira, 26 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi aprendiz de taberneiro

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi aprendiz de taberneiro 

O Chiquinho de Capelins, morava no largo de Capelins de Cima, onde nessa época existiam, de um lado uma loja de, mercearia, padaria, drogaria, retrosaria, correios, telefone público  e, tudo o que fosse procurado para comprar e do outro lado uma taberna, ambas governadas pelo seu proprietário, o ti Xico da Loja e sua esposa, muito simpáticos e com talentos na arte de comercializar. 

Estes dois estabelecimentos comerciais, atraiam muita gente que, davam movimento e animação a esta parte da Aldeia, onde também se juntavam alguns rapazes, uns a brincar e outros mais velhos, encostavam-se, ou sentavam-se no poial do Forno comunitário, onde contavam as novidades e as aventuras e desventuras das suas vidas, ao mesmo tempo que, iam deitando o olho às raparigas que iam fazer as compras à dita loja. 

O Chiquinho de Capelins andava muitas vezes a brincar por ali, com o olho no taberneiro e, assim que o via dirigir-se para a taberna corria a perguntar-lhe se não precisava de ajuda, e o ti Xico, quase sempre lhe arranjava alguma coisa para fazer na taberna, mas do que ele mais gostava era do tratamento do vinho que as camionetas vindas de Borba, Redondo ou Reguengos em dias definidos, ali deixavam em barricas, também chamados pipos ou barris, que podiam conter de vinte a cinquenta litros, e que depois mudavam para garrafões, a fim de mais tarde ser transferido para garrafas para delas encher os copos em cima do balcão. 

Quando o Chiquinho se apercebia da chegada de alguma camioneta distribuidora do vinho, ficava muito contente, porque sabia que tinha trabalho, embora gratuito, mas tinha vantagens, reforçava a amizade com o taberneiro e sempre comia ou bebia alguma coisa, pelo que, dirigia-se ao ti Xico a propor a sua ajuda e ele aceitava e ia-lhe ensinando os segredos dos taberneiros, a mudança do vasilhame, a espuma que fazia quando caía nos garrafões ou nas garrafas, quanto mais espuma, melhor era o vinho, o batismo do vinho para não azedar, que não podia ser muito nem pouco, porque se os fregueses notassem, estava o caldo entornado, e outros segredos.

O Chiquinho ajudava o ti Xico a colocar um barril, deitado em cima de outro em pé, para ficar mais alto do que os garrafões que enchiam, os quais, metiam dentro de um alguidar, não fossem entornar, depois, com cuidado tiravam a tampa do meio do barril e metiam uma pequena mangueira, chamada bombinho a seguir davam um pequeno chupão e o vinho começava a correr do pipo para o garrafão, quando estivesse cheio metia-se o dedo a fechar a saída do bombinho e trocava-se o garrafão por outro vazio, sempre assim, até esvaziar o pipo, mas de quando em quando por descuido o bombinho desferrava e tinham de tornar a chupar, era esse o trabalho que o Chiquinho gostava de fazer, porque quase sempre descuidava-se a chupava de mais e engolia umas goladas de vinho e quando abalava, com o cheiro e com algumas goladas, já ia tonto e quando chegava a casa a mãe perguntava-lhe onde tinha andado e ele todo orgulhoso respondia: - Andei a trabalhar a ajudar o ti Xico a tratar do vinho! A mãe do Chiquinho não via isso com bons olhos e dizia-lhe que não gostava da vida de taberneiro para ele, tinha de estudar e arranjar outra vida melhor, mas o Chiquinho achava que não havia vida melhor do que a de taberneiro, não apanhava frio nem calor e era só encher copos de vinho e meter o dinheiro na gaveta do balcão.

Numa tarde que o Chiquinho andou na sua vida de aprendiz de taberneiro, ao chupar o bombinho para encher os garrafões deu umas boas goladas e quando saiu dali já ia tonto e à tardinha foi buscar as cabras à pastagem para a cabana que ficava ao fundo do beco a seguir ao largo da Aldeia, desceu a rua principal e quando ia a meio, estava uma grande mesada, numa petisqueira onde estavam cinco ou seis homens e rapazes a comer peixe frito com pão e vinho, como se dava muito bem com eles, foi direito à mesa com os olhos a brilhar para o apetitoso peixe, porque a fome já apertava, assim que o viram, perguntaram-lhe se queria um peixinho frito com pão, e ele nem os deixou acabar a pergunta já estava com as duas mãos estendidas a apanhar o que lhe ofereciam, começou logo a comer  e um dos rapazes perguntou-lhe se também queria uma pinga de vinho: - Claro que quero! Respondeu o Chiquinho! Pegou no copo e o vinho desapareceu num sorvo e eles começaram a rir e a comentar que era bruto para o vinho, porém, travaram o gesto do rapaz que ia encher novamente o copo e, ele continuou a comer o pão com peixe, mas antes de ir embora o rapaz disse-lhe: - Vá Chiquinho, mais meio copo, não te faz mal, até vais mais depressa! E ele nem hesitou, bebeu o vinho e partiu a buscar as cabras. 

O vinho que durante a tarde já tinha sorvido dos pipos, mais copo e meio na petisqueira, foi o suficiente para começar a sentir-se tonto e cheio de sono e quando voltou com as cabras para a cabana já era noite, arrumou os animais nos seus lugares e já não conseguiu ir para casa, deitou-se ao meio delas em cima da palha das suas camas e ficou ferradinho a dormir, chegou a hora da ceia (jantar), já a mesa posta e como o Chiquinho não aparecia, o pai foi confirmar se as cabras estavam na cabana, confirmou que sim, fechou a porta que estava aberta e foi pela rua abaixo a perguntar se alguém o tinha visto e dizendo que ele ainda não tinha aparecido a casa, mas várias pessoas afirmaram que o tinham visto passar com as cabras e já não tinha aparecido por ali! 

O Chiquinho estava desaparecido e já andava muita gente à sua procura, porém, o pai lembrou-se de voltar à cabana das cabras, podia ter-lhe acontecido alguma coisa e estar lá caído e foi acmpanhado por um grupo de pessoas que andavam a ajudar nas buscas, e lá o encontraram a dormir profundamente, enroscado com as cabras. 

O pai do Chiquinho, ficou assustado, mas assim que o levantou cheirou-lhe a vinho e disse logo, qual era o motivo de ele estar ali a dormir, faltava saber quem o tinha embebedado, levou-o para a cama e já nem comeu, continuou a dormir e a ter lindos sonhos, mas na manhã seguinte foi chamado a contas para explicar o que tinha acontecido e ele contou que tinha bebido um copo de vinho com pão e peixe frito, mas o pai não acreditou e foi falar com os homens e com os rapazes que estavam na petisqueira e todos confirmaram que ele tinha bebido apenas um copo de vinho e adiantaram que, como ele era muito fraquinho, decerto não aguentou e deu-lhe para dormir, o pai acreditou e o caso ficou por ali. 

A partir daquele dia, a sua atividade de aprendiz de taberneiro, começou a diminuir, porque, ficou muito tempo enjoado de vinho tinto e, só o cheiro o deixava mal disposto, era certo que, assim, não tinha jeito para ser taberneiro e não foi. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Antiga Capelins de Cima 


 


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