sábado, 17 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar tesouros

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar tesouros

Depois do jantar (almoço) num dia do mês de Junho na década de 1960, quando o Chiquinho de Capelins chegou junto ao Lagar da Casa Dias, na rua principal de Capelins de Cima, já lá estavam os rapazes do grupo das brincadeiras e, alguns reclamaram, por ele chegar atrasado, mas ele não deu resposta e perguntou:
Chiquinho: Então malta, hoje ao que vamos a brincar?
Alguns rapazes encolheram os ombros, e foi o Manel que respondeu:
Manel: Não sei, são sempre as mesmas brincadeiras, isto já cansa, aqui não há nada de novo, estou farto disto, um dia abalo daqui e nunca mais cá volto, mas onde é que nós vamos, se nem dinheiro temos para nada!
Chiquinho: Tens toda a razão, isto parou no tempo, já estamos todos cansados das mesmas coisas, não há aqui nada para fazer!
Manel: Pois não! Mas eu hoje estou cá com uma ideia, porque a semana passada ouvi uma conversa aqui neste sítio, entre os mais velhos, a dizerem que aí na Defesa, lá para as minas e na Vila dos romanos estava cheia de tesouros! O que é que vocês acham se nós fossemos a ver disso?
Chiquinhol: Eu acho que é uma boa ideia, mas como é que nós achamos algum tesouro, se andam aí homens e mulheres a trabalhar e outros a guardar o gado há tantos anos e nunca acharam aí nada? O ti Manel João anda aí com as vacas, conhece isso como as palmas das mãos, e eu um dia perguntei-lhe se tinha econtrado aí algum tesouro e ele disse-me que nunca aí encontrou a ponta de um corno!
Manel: Sim! E tu achas que se ele encontrasse algum tesouro ia dizer-te? Calava-se bem caladinho e ia procurar outro! Era assim que eu fazia!
Chiquinho: Isso também é verdade, o meu avô contou-me que uns homens acharam aí uma panela cheia de moedas de ouro, era uma fortuna e ficou para o dono da terra e também acharam outras coisas que eram dos romanos que eram muito ricos, até tinham minas de ouro para lá da ribeira!
Manel: Isso é tudo verdade, ainda hoje nas minas dos romanos há ouro e outros minérios que valem muito dinheiro, só que as pessoas aqui da Aldeia não conhecem, por isso, nós podíamos ir passar as minas a pente fino e trazíamos tudo que lá brilhasse, depois cá logo víamos o que se aproveitava, as pepitas de ouro os diamantes as jóias e outros minérios!
Chiquinho: A ideia é boa, mas não há nada como as moedas de ouro, era mais fácil acharmos alguma por lá perdida, onde moravam os romanos, aí de certeza que há muitas, isso é que era a nossa salvação, para darmos à sola daqui!
Manel: Lá isso era, eu até sei onde as podemos vender, é numa ourivesaria em Vila Viçosa, e não enganam ninguém, contaram-me que têm comprado grandes paneladas de moedas de ouro e de prata, levadas daqui, da nossa Freguesia!
Chiquinho: Então se acharmos algumas panelas de moedas de ouro, vamos vendê-las a Vila Viçosa, não é? E depois onde escondemos o dinheiro?
Manel: Acha lá primeiro as panelas cheias de moedas de ouro e não te preocupes com o resto, o dinheiro divide-se em irmandade, em partes iguais, e cada um faz o que quiser com a sua parte, eu da minha já tenho ideia do que vou fazer com ela!
Chiquinho: Eu não tenho ideia nenhuma, só a de abalar daqui para Lisboa, porque lá é que a vida é boa!
Manel: Dá cá a mão, já somos dois, eu com a minha parte compro uma barraca, além de Lisboa para lá, porque já lá estive e gostei do sítio, já lá conheço alguma coisa!
Chiquinho: Nem a propósito, é o meu sonho, comprar lá uma barraca, mas ali ao pé do aeroporto, para me sentar à porta a ver levantar e aterrar os aviões a toda a hora, sem pagar nada!
Cada um dos rapazes disse o que fazia com a sua parte do tesouro e acabaram todos por comprar uma barraca em Lisboa, um rapaz ainda alvitrou se não seria melhor comprar um andar, mas o Manel respondeu que isso era uma gaiola e se não sabia o que acontecia aos pintassilgos quando os metiam numa gaiola, morriam de tristeza, e se era isso que ele queria! Com esse exemplo, acabaram-se logo os andares, e alguns rapazes decidiram comprar as barracas junto ao aeroporto e outros de Lisboa para lá, mas combinaram juntarem-se todos, para passear por Lisboa, irem até ao Jardim Zoológico, ao Campo Pequeno, ao Castelo de S. Jorge, ao Rossio, ao Terreiro do Paço, a Belém, aos bailes no Parque Eduardo VII, ao Cinema, ao Teatro, e a ver o mar, havia tanto, tanto, para ver e fazer em Lisboa.
Os rapazes planearam a volta para achar os tesouros e decidiram seguir pela estrada do Rosário, mas pelo Monte do ti Zé "Anão", pelo Gomes e depois era só descer pela Defesa na direção da Ribeira de Lucefécit, mas antes viravam para o Outeiro Alto, onde se situava a primeira mina a ser inspecionada.
Os rapazes partiram muito animados, com a certeza que voltariam ricos, como planeado, antes da Ribeira de Lucefécit, viraram à direita na direção do outeiro alto, que subiram a custo devido à grande chapada e ao calor e quando chegaram ao topo estavam exaustos e sentaram-se à sombra de um chaparrinho, a descansar e a apreciar a paisagem, tinham a Aldeia do Rosário quase a seus pés e quando comentavam as belas vistas o Chiquinho disse que o nome de outeiro alto, estava mal posto, porque devia ser, outeiro das belas vistas, todos concordaram, mas já estava batizado, e não eram eles que podiam mudar-lhe o nome.
Assim que descansaram o Manel levantou-se e disse que estava na hora de começar o trabalho ali na mina do outeiro alto, cuja abertura estava virada para a Aldeia do Rosário, por isso, era só descer um pouco naquela direção e ficavam na boca da mina, mas o Chiquinho disse que nem pensar em ir para aquele lado, porque sabia que estavam homens mortos lá dentro e a mina era uma armadilha, tinha uma entrada triunfal e depois fazia um poço fundo e foi aí que os tais homens morreram e ainda lá estavam, o Manel tentou desvalorizar o caso, disse que também tinha ouvido isso, mas já que estavam ali, podiam ir lá ver, com cuidado! Os outros rapazes responderam que também não iam, porque o poço devia ser uma armadilha para guardar a mina, e fizeram finca pé, o Manel ainda se zangou, dizendo que assim, não iam encontrar nenhum tesouro, mas não quis ir sozinho, adiantou que havia outros sítios, onde tinham de procurar bem, como no outro outeiro ao lado, para sul, nas casas onde moraram os romanos, e seguiram à procura de tesouros nesse sítio.
O grupo de rapazes desceu o outeiro alto, na direção da fonte do castelo, porque estavam cheios de sede, quando chegaram queriam beber todos ao mesmo tempo e quase houve zaragata, por fim, lá se entenderam, combinaram que primeiro bebiam uma lata cheia de água cada um e começava pelomais velho, assim, mesmo que a fonte se fosse abaixo, já todos tinham bebido, depois já podiam encher a barriga se houvesse água! Começaram a beber e feitos garganeiros a tentar secar a fonte, embora o nascente se visse a correr, vindo da rocha que estava por cima, a sede era muita e a água na fonte estava cada vez mais baixa e alguns rapazes ficaram convencidos que conseguiam secá-la, mas não, quase rebentaram com beber água e não a secaram.
Depois de bem bebidos, os rapazes subiram a direito ao outeiro dos castelinhos ao sítio do forte romano, porque era nesse lugar que diziam que havia muitos tesouros, mas o Manel avisou para não fazerem barulho e falar baixinho, porque andavam por ali almas penadas dos romanos e eram perigosas, então os rapazes a partir dali apenas sussurravam e quando se aproximaram da parede mais alta, que restava do Forte, com dois a três metros de altura, iam pé ante pé, viram na sua frente uma grande cobra, como nunca tinham visto, com as cores muito garridas, os rapazes correram a pegar em paus e pedras para a matar, mas o Manel deu um salto para a frente dos rapazes e disse-lhe que não estavam bons da cabeça, porque queriam matar a galinha dos ovos de ouro! Os rapazes ficaram impavidos e responderam que era sempre assim, nenhuma cobra lhes escapava, e perguntaram-lhe o que tinha aquela cobra a ver com as galinhas e com ovos de ouro? Então não eram moedas?
Então, o Manel teve de contar por alto, à rapaziada, o conto da galinha dos ovos de ouro e acrescentou que, todos os tesouros eram guardados por uma cobra, por isso, aquela cobra tão diferente das outras, só podia ser a guardiã de um tesouro que estava por ali e seria ela a dizer-lhes onde ele estava, se a matassem nunca mais achavam o tesouro, por isso, deviam estar quietinhos e ver onde ela se metia e depois era só tirar o tesouro!
Os rapazes concordaram, estava bem visto, deixaram cair os paus e as pedras que tinham nas mãos e ficaram todos a observar onde a cobra se metia e não demorou o bicho com medo dos intrusos começou a sumir-se para dentro das pedras junto à dita parede e exclamaram todos: - Já sabemos onde está o tesouro! Mas o Manel adiantou que, estava muito fundo, a mais de dois metros debaixo daquelas pedras todas e da parede, porque a cobra tinha quase dois metros e tinha-se sumido a pique, por isso, tinham de pensar, muito bem, na maneira de tirar dali o tesouro.
Depois de muitas ideias sem sentido, os rapazes não tiveram coragem de tirar dali pedra sobre pedra, debaixo de um sol que queimava por cima da roupa e, porque era muito perigoso, uma vez que, ao tirar as pedras que estavam encostadas à parede ela podia cair-lhe em cima e ficavam lá entaipados para sempre, porque os tesouros tinham sempre artimanhas, e também as cobras que os guardavam podiam ser venenosas, por isso, se fossem mordidos não chegavam vivos à Aldeia! Depois de grande debate sobre a maneira de tirar dali o tesouro, decidiram voltar outro dia com ferramentas, agora que já sabiam onde ele estava, era mais fácil, iam à ribeira, traziam uns paus e especavam a parede, depois já podiam tirar as pedras e lá estaria o tesouro à sua espera.
Depois desse plano aprovado por todos, andaram por ali à procura de alguma moeda de ouro perdida, mas não encontraram nada e o Chiquinho ainda propôs irem ao porto das Águas Frias de baixo, onde passava uma estrada romana e nesse pégo devia haver muitas moedas, porque os romanos atiravam moedas à água para que os deuses os protegessem nas viagens ou na volta a casa, mas decidiram deixar isso para mais tarde, quando tivesse menos água e foram para a mina romana que fica mais acima, desceram até ao fundo e andaram a inspecionar as paredes para ver se viam alguma pedrinha brilhante, mas cansaram-se de procurar e não encontraram nenhum brilhante, mas não desistiram, o Manel disse-lhe que ainda havia mais duas minas para inspecionar e o sítio junto às duas casinhas no cimo do outeiro em frente da mina romana, uma casinha maior onde os homens deixavam as ferramentas e a outra mais pequena era a casinha do fogo e aí, decerto, havia algum tesouro, mas esse, que estava certo, ficaria para o fim.
Os rapazes dirigiram-se à outra mina a sul da mina romana (atual Algar de água) e depois da inspeção que resultou em nada, seguiram para outra em frente na base do outeiro e que apresentava uma entrada pouco convidativa e como já estavam a pensar que no cimo do outeiro é que estava um tesouro, depressa subiram, sentaram-se a observar as casinhas das minas e a ouvir o Manel a dizer que deviam procurar desníveis no terreno, porque era aí que estava o minério que os mineiros traziam escondido nos bolsos das calças e das ceroulas, quando no fim do dia, vinham entregar as ferramentas que ficavam guardadas na casinha e como trabalhavam de sol a sol, faziam a entrega das ferramentas já de noite e como tinham de estar em fila, uns iam, disfarçadamente abrindo covas no terreno, outros metiam lá o minério roubado, e os de trás iam enterrando e pisando bem a terra para os capatazes não darem por nada, depois mais tarde iam outros, combinados com eles tirar o minério e vendê-lo aí pela Espanha dentro e o dinheiro era para todos, mas disseram-me que quando isto acabou, os mineiros foram-se embora daqui e ficou aí muito minério enterrado, desse que vale muito dinheiro, por isso, começamos uns daquele lado e outros deste, e como lhe disse, se verem que o terreno não está todo parelho, todo igual, gritem logo, depois só temos de o desenterrar e estamos ricos.
Os rapazes andaram horas de joelhos, a esgaravatar com a unhas, com paus, até cair para trás de cansados e não apareceu nada, decidiram ir embora para a Aldeia de Ferreira e concordaram, voltar quando chovesse e que a terra estivesse mais mole, porque o minério estava muito fundo!
Chegaram à Aldeia de Ferreira, cheios de fome e pareciam autênticos mineiros, com o suor e enterreados, metiam medo, mas continuavam cheios de esperança que, um dia ainda iam encontrar um tesouro, uma vez que, a herdade da Defesa estava cheia deles.
Passou esse verão e outros, mas só chovia no tempo de escola, pelo que, o tempo foi passando e os sonhos sobre os tesouros e as barracas em Lisboa, foram ficando adiados, e até hoje, nenhum se concretizou, mas os tesouros continuam lá à sua espera.
Fim
Correia Manuel

Vila Romana de Ferreira em Capelins




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