terça-feira, 29 de agosto de 2023

Resenha histórica da Freguesia de Capelins

 Resenha histórica da Freguesia de Capelins 

A Freguesia de Santo António do Termo da Vila de Terena já existia no ano de 1551, a par da Freguesia de Santiago Maior, talvez exista desde meados da centúria de 1500.

No ano de 1793 a Freguesia começou a designar-se: Santo António de Capelins. 

A partir de 01 de Janeiro de 1941, conforme consta nos documentos do Registo Civil do Alandroal, a sua designação passou a ser: Capelins (Santo António). 


Legislação sobre as alterações da divisão administrativa do Concelho do Alandroal desde 1835.

Alandroal 

Em meados da década de 1830, o concelho do Alandroal englobava 2 freguesias — Nossa Senhora da Conceição; e Nossa Senhora do Rosário — ambas com sede no Alandroal. 

Por Decreto de 18 de Julho de 1835, o Concelho do Alandroal passou a pertencer ao distrito de Évora, então criado. 

Por Decreto de 6 de Novembro de 1836:

• Foi extinto o concelho de Ferreira de Capelins, sendo a localidade que o compunha — Ferreira de Capelins — integrada no concelho de Alandroal; 

• Foi extinto o concelho de Juromenha, sendo as 2 freguesias que o compunham — Juromenha; e São Brás dos Matos — integradas no concelho do Alandroal;

• Foi extinto o concelho de Terena sendo as 3 freguesias que o compunham — Capelins; Santiago Maior; e Terena — integradas no concelho do Alandroal. 

Pelo Decreto-Lei n.º 27424 de 31 de Dezembro de 1936:

 • A freguesia de Nossa Senhora do Rosário do Alandroal foi integrada na freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alandroal;

 • A freguesia de São Brás dos Matos foi integrada na freguesia de Juromenha;

• O concelho do Alandroal passou a fazer parte da província do Alto Alentejo, então criada.

O Decreto-Lei n.º 42536 de 28 de Setembro de 1959 extinguiu as províncias do Continente. 

Pelo Decreto-Lei n.º 48905 de 11 de março de 1969, o concelho do Alandroal passou a fazer parte da região do Sul sub-região do Alentejo.

Pelo Decreto-Lei n.º 494/79 de 21 de dezembro de 1979, o concelho do Alandroal passou a fazer parte da região do Alentejo. 

Pela Lei n.º 51/84 de 31 de dezembro de 1984, a freguesia de São Brás dos Matos (Mina do Bugalho) foi separada da freguesia de Juromenha.

Pelo Decreto-Lei n.º 46/89 de 15 de fevereiro de 1989, o Concelho do Alandroal passou a fazer parte da sub-região do Alentejo Central. 

No início de 2013, o concelho do Alandroal englobava 6 freguesias: Alandroal (Nossa Senhora da Conceição); Capelins (Santo António); Juromenha (Nossa Senhora do Loreto); Santiago Maior; São Brás dos Matos (Mina do Bugalho); e Terena (São Pedro). 

Pela Lei n.º 11-A/2013 de 28 de janeiro, o concelho do Alandroal passou a englobar 4 freguesias: Capelins (Santo António); Santiago Maior; Terena (São Pedro); e União das Freguesias de Alandroal (Nossa Senhora da Conceição), São Brás dos Matos (Mina do Bugalho) e Juromenha (Nossa Senhora do Loreto). 

Pela Lei n.º 75/2013 de 12 de Setembro, o concelho do Alandroal passou a fazer parte da Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central. 


Como, por várias vezes esclarecemos, o Concelho de Ferreira de Capelins, pertencia à Comarca de Elvas, era constituído por: Alcaide, Procurador, Escrivão, Juiz, Vereadores e Lavradores, tinha uma Coutada da Câmara, hoje Colmeadas, Gomes, Cebolal, sendo extinto em 06 de Novembro de 1836. 

O Concelho de Ferreira de Capelins, não era Concelho Régio, uma vez que, a Freguesia de Santo António de Capelins pertencia ao Concelho de Terena, assim, o Concelho de Ferreira de Capelins, era um Concelho dentro de um Concelho Régio (do Reino) era um Concelho Comunitário (tipo Comissão de moradores), servia para resolver os conflitos entre a comunidade, quanto à divisão de terras, pastagens, caminhos, águas, bolota, e outros casos, também ajudava os moradores a resolver diversas situações e, fazia os funerais aos indigentes, aos pedintes ou sem família que faleciam na sua área geográfica, aplicava multas, por incumprimento de diversas regras e outras finalidades, mas tudo o resto era tratado na sede do Concelho do Reino, que era na Vila de Terena ou em Elvas. 

Por Decreto de 06 de Novembro de 1836, o Concelho de Ferreira de Capelins foi extinto, como o de Terena e a Vila de Ferreira que existia desde 1314 e era quase todo o espaço geográfico da atual Freguesia de Capelins, também foi extinta, passando as duas Aldeias de Capelins de Cima e de Capelins de Baixo a designarem-se por: Aldeia de Ferreira, na Freguesia de Capelins.  


https://files.diariodarepublica.pt/1s/1936/12/30600/17731873.pdf?fbclid=IwAR3nNLSOp-aTrgMrfp8KD5c9UMiQqRQd7EQxHkaUQk7AUD39Qc5pAZs5Lx0








segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher grãos de madrugada

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher grãos de madrugada 

O grão de bico, é uma leguminosa da família das fabáceas, fundamental na alimentação da comunidade capelinense de outros tempos, quase todos os dias, as famílias faziam as tradicionais sopas de grãos com carne ou de azeite, à noite punham os grãos de molho em água com sal, era um punhado por pessoa, depois, eram cozidos com a carne, toucinho  e alguns produtos hortícolas, geralmente numa panela de barro, no lume de chão, durante três ou quatro horas, só mais tarde apareceram as panelas de pressão que, coziam, rapidamente, mas ficavam menos saborosos. 

Os lavradores e seareiros de Capelins, semeavam uma seara de grãos e alguns, também de chícharos, não só para consumo de casa, mas para vender, sendo uma ajuda à fraca economia agrícola dos seareiros.

O grão de bico era semeado no mês de Abril e, não precisava de muitos cuidados até à sua colheita, feita na segunda quinzena do mês de Agosto e, davam-se, dão-se, em quase todas as terras, embora, fossem mais, ou menos produtivos e saborosos, conforme a terra onde eram criados.

A colheita dos grãos, devido à sensibilidade das suas vagens que, facilmente podiam cair e perder-se, tinha de ser feita na parte mais fresca do dia, a partir das quatro ou cinco horas da madrugada, o mais cedo possível, desde que se conseguissem ver e, acabava pelo meio dia ou treze horas, obrigando os participantes a levantarem-se ao cantar dos galos da Aldeia.

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro, o mesmo que pequeno agricultor e, também semeava a sua seara de grãos, cerca de meio hectare, sendo a colheita feita pela família, assim, um ano quando chegou a altura, o Chiquinho foi mobilizado para esse trabalho.

Na primeira madrugada quando a mãe o foi chamar à cama, custou-lhe muito a levantar-se e pensou que já o sol ia alto, mas quando chegou à rua ficou admirado e perguntou à mão o que iam fazer lá para os grãos aquela hora, uma vez que, não se via um palmo à frente dos olhos, e ela respondeu que, quando lá chegassem já se via bem e a colheita tinha de ser feita muito cedo, senão as vagens dos grãos caiam todas. 

Como os grãos estavam semeados no ferragial grande, em frente à Escola Primária a uns trezentos metros de casa, foram a pé, e o Chiquinho foi andando e dormindo até lá, e quando chegaram continuava a não se ver nada, a mãe abanou-o para o acordar e começou a explicar-lhe como devia fazer, apanhar o pé ou os pés das ramas dos grãos junto à terra e depois com jeito, torcer para um ou outro lado para partirem, também podiam ser arrancados, mas não convinha para não levarem terra agarrada para a eira, depois quando tivesse a mão cheia juntava-os com cuidado e punha-os numa paveia (pequeno monte) e quando a paveia tivesse trinta ou quarenta centimetros de altura carregava-a com uma pedra ou um torrão, para não serem arrastadas pelo vento, enquanto não fossem  transportadas para a eira para serem debulhados, mas isso, para já fazia a mãe.

O Chiquinho pouco ouviu o que a mãe lhe disse, o sono era muito, mas tiveram de começar e com a ajuda da mãe, a pouco e pouco, quase sem ver nada, foi colhendo uns granitos, e quando se começou a ver começou a melhorar e mais rápido, depois pararam para  o almoço (pequeno almoço), sempre com pressa, porque o sol estava cada vez mais intenso, mais havia alguma aragem fresca que ajudava a disfarçar o calor e pouco passava do meio dia foi recebida ordem de paragem e de voltar para casa, estava feito o primeiro dia de grãos do Chiquinho.

Depois de chegarem a casa, a mãe fez uma sopa de tomate com batatas e ovos e jantaram (almoçaram) e a mãe disse-lhe que iam todos dormir a sesta, porque, na madrugada seguinte, o relógio despertava à mesma hora, mas o Chiquinho disse-lhe que não conseguia dormir de dia e, assim que apanhou os pais a dormir a sesta foi dar uma volta à Aldeia de Ferreira e, passou a tarde na brincadeira, depois, à noite estava cansado e adormeceu cedo. 

Na madrugada seguinte, quando a mãe o foi chamar à cama, zangou-se e disse-lhe que tinha acabado de adormecer e que nesse dia não ia aos grãos, porque estava muito cansado e cheio de sono, mas a mãe disse-lhe que, ou se levantava já, ou vinha o pai a buscá-lo por uma orelha, deu logo um salto da cama e ficou em pé ainda a dormir e lá foi com a mãe, lavou a cara e os olhos com as pontas dos dedos e ficou mais desperto. 

O dia de colheita de grãos foi em tudo igual ao anterior, com a diferença que o Chiquinho já tinha mais prática e deu mais produtividade do que no dia anterior, e depois do jantar (almoço) a mãe tornou a dizer-lhe para ir dormir a sesta, mas ele disse que não conseguia dormir de dia e foi até Capelins de Baixo à procura das brincadeiras. 

A colheita dos grãos continuou cerca de uma semana, sempre igual, mas cada dia que passava, mais cansado o Chiquinho andava e à noite, depois da ceia (jantar) o Chiquinho ficava a dormir sentado na cadeira até que a mãe o acordava e ia a correr  para a cama. 

O Chiquinho gostava de colher grãos, também, porque em troca ganhava mais liberdade para ir às suas brincadeiras, mas não gostava de se levantar tão cedo e, se não era rapaz para dormir sesta, não era rapaz para colher grãos e poucas vezes repetiu esse trabalho.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Courela do Gomes - Capelins 





domingo, 27 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou o ninho de "cutevia"

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou o ninho de "cutevia" 

Num dia do mês de Maio de um ano dos finais da década de 1960, o Chiquinho de Capelins foi prender as suas cabras na pastagem da courela do Gomes e como fazia sempre que tinha tempo foi ver como estavam os seus ninhos, quantos ovos ou passarinhos tinham e aproveitou para espiolhar as oliveiras em redor para tentar encontrar mais algum ninho. 

Como se aproximava a hora do ajuntamento da rapaziada para as brincadeiras em Capelins de Baixo, nem tomou muita atenção e meteu-se a caminho pela courela abaixo, porém, quando chegou a um altinho levantou-se a voar uma cotovia, quase debaixo dos seus pés que o deixou desconfiado que ela tinha por ali o ninho e começou a procurá-lo, mas olhava, olhava para ele e nem o via, porque estava bem disfarçado e não passava de uma covinha na terra com uns pastinhos, junto a umas ervas altas, o Chiquinho ficou muito contente e gritou: Mais um! Dezoito! E depois de ver que tinha três ovos, deduziu que a cotovia ainda estava a pôr, por norma seria mais um ovo e, depois começava a chocar, agora era marcar o azimute, bem tirado, ou seja, a direção para Norte, Sul e Oeste e não precisava de mais. 

O Chiquinho ficou muito contente e foi falando sozinho até Capelins de Baixo, fazendo as contas dos ninhos e muito orgulhoso com ele próprio por ser dono de tantos ninhos e quando chegou junto da rapaziada não se conteve e disse-lhe: - É malta, tenho tanta sorte que nem preciso de procurar os ninhos, até os acho debaixo dos pés, mesmo agora achei um de "cutevia"! 

Os rapazes ficaram cheios de inveja, por ele ser o maior proprietário de ninhos na Aldeia de Ferreira e alguns concordaram que ele tinha muita sorte com os ninhos e, agora tinha mais um, ainda por cima de "cutevia" que quase ninguém achava! 

O Manel estava calado, mostrando cara de pouco amigo, com inveja, e como não tinha por onde descaldeirar, pegou pela "cutevia" e disse: 

Manel: Mas desde quando é que se diz "cu te via? Não conheço esses pássaros! Não foi assim que aprendemos na escola, foi: "cu tu via"! 

Chiquinho: No livro da escola não está "cu tu via", vai lá ver que está lá: "co to via"com dois ós! Mas a gente cá na Aldeia não diz como está no livro, temos de falar como as outras pessoas de cá e elas dizem todas: "cu te via"! 

Manel: Pronto, está bem, mas dizem mal,  porque no livro pode estar escrito: "co to via", com dois ós, mas diz-se "cu tu via", com se fossem dois us! 

Estava a discussão armada, nenhum rapaz duvidava que no livro escolar estava "co to via", mas tinham de falar à moda da Aldeia de Ferreira e neste caso era: "cu te via" ou algumas pessoas também diziam "cu tu via"! 

Quando os rapazes estavam em grande discussão ia passando o ti Miguel e perguntou-lhe o que era aquilo ali? Pareciam galinhas escarapantadas na capoeira a fazer tanto barulho! 

O João aproveitou a deixa do ti Miguel e perguntou-lhe: 

João: Olhe lá ti Miguel, como é que a gente aqui na Aldeia dizem, "cu te via" ou "cu tu via"? 

Ti Miguel: Não tenho vagar! Que pergunta é essa rapaz? Estás a mangar comigo? Então o que é que vocês andam a fazer na escola? A aprender o que não devem! Uns galhavanos com esta idade não sabem fazer nada, quando eu tinha a sua idade já trabalhava ombro a ombro com os homens e não ficava para trás! 

João: É ti Miguel, deixe lá isso agora, a gente sabe como se escreve na escola, mas como é que as pessoas dizem aqui na Aldeia? 

Ti Miguel: Não tenho vagar! Então como é que haviam de dizer? Como o meu avô, o meu pai e antes deles já diziam, é uma "cu te via"! 

João: Obrigado ti Miguel, era só para sabermos isso! 

Ti Miguel: Não tenho vagar! Tenho muita pena de vocês, não sabem fazer nada e quando eu pensava que andavam a aprender alguma coisa de jeito lá na escola vêm perguntar-me uma coisa destas, a mim, que não sei ler nem escrever! Não dou nada por esta rapaziada de agora! Não sabem fazer nada! Vou-me lá que eu não tenho vagar! 

Rapazes: Vá, Vá, ti Miguel, está-se a fazer tarde! 

Ti Miguel: Não tenho vagar! Então, que horas são já? 

Rapazes: É muito tarde ti Miguel! Já é perto de meio dia! 

Ti Miguel: Não tenho vagar! Então tenho de ir, ainda tenho as sopas ao lume! 

Rapazes: Até logo ti Miguel, vá depressa ver das sopinhas! 

O ti Miguel seguiu o seu caminho e os rapazes continuaram a discussão sem chegarem a entendimento se era "cutevia" ou "cutuvia". 

No ninho da cotovia criaram-se três cotoviozinhos que o Chiquinho visitava quase, diariamente, sem se aproximar muito, para a cotovia não enjeitar o ninho, afinal ele era o seu dono, mas um dia quando foi fazer a visita, já lá não estavam, tinham partido atrás dos pais a conhecer o mundo de Capelins. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Colmeadas - Capelins




sábado, 26 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando bebeu o aniz a caminho de Montejuntos

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando bebeu o aniz a caminho de Montejuntos 

No decénio de 1960, os bailes de Natal na Aldeia de Ferreira, eram realizados na noite de Natal 24 de Dezembro, nos dois casões dos bailes que, ficavam apinhados de gente, começavam pelas 22 horas e não tinham hora marcada para acabar, podia ser às três ou quatro horas da madrugada, dependia da disposição das mães das raparigas, porque, quando as últimas davam a ordem de recolha a casa, acabava-se o baile. 

Quando os bailes acabavam, as mães e filhas iam para casa, mas alguns homens e rapazes, formavam grupos e mesadas para petiscar frangos assados, porque de madrugada a fome já apertava, mas assim que acabavam os petiscos a taberna fechava e a rapaziada arranjavam umas feixas de lenha e iam para o início da rua principal de Capelins de Baixo, faziam um lume, porque estava sempre muito frio e continuavam a falar, a cantar e a beber algumas bebidas, das quais se tinham prevenido e, aí continuavam até que abrisse a primeira taberna para darem continuidade à Festa de Natal. 

Numa madrugada de Natal, dos finais de 1960, depois do baile acabar e da taberna fechar, um grupo de rapazes, do qual fazia parte o Chiquinho de Capelins, levaram umas feixas de lenha e fizeram um lume no dito lugar, quase em frente às escadinha do Pinheiro, começaram a cantar e a falar e iam bebendo uns tragos de licor de aniz escarchado de uma garrafa que tinha calhado ao Chiquinho numa rifa durante o baile e, com o calor do lume alguns rapazes começaram a bocejar e a dizer que estavam cheios de sono, e que estavam a pensar em ir à procura da cama, e o Chiquinho disse-lhe que não era boa ideia, porque, assim passavam o dia de Natal metidos na cama, era um desperdício e propôs-lhe irem a Montejuntos a pé, e como lá o café abria cedo, ou nem fechava, bebiam uns cafés com aguardente ou licor e quando voltassem à Aldeia de Ferreira já alguma taberna estava aberta e continuavam a festejar o Natal e todos concordaram com a proposta. 

Pelas seis horas da manhã, em pleno inverno, ainda estava escuro e muito frio e a rapaziada partiram para Montejuntos com um resto de aniz na garrafa que se acabou antes de chegarem ao Ribeiro do quebra e, quando iam à curva, devido ao frio, todos pediam uma pinguinha de aniz, e o Chiquinho respondeu que, já não havia, mas em Montejuntos compravam meio litro de aguardente para juntar ao aniz cristalizado, depois de bem batida ficava muito bom, mas ainda estavam muito longe de Montejuntos e, alguns lembraram-se que em vez da aguardente podiam meter água na garrafa, depois batiam-na e dava uma pinga para cada um, mas ali, só havia água da chuva e lembraram-se que podiam encher a garrafa num regatinho, nesse tempo toda a gente bebia neles e, a água era muito boa e o Chiquinho saiu da estrada e entrou na herdade do Seixo à procura de um regato, mas ainda havia pouca luz e ele assim que viu uma poça de água não procurou mais e começou a encher a garrafa, mas naquele lugar pastava o rebanho de ovelhas do ti Xico e, por azar, a água estava cheia de caganitas das ovelhas, algumas moles e grandes que, depois de mexidas com os movimentos da garrafa desfizeram-se e deixaram a água amarelada, quando o Chiquinho se apercebeu já era tarde, já estava a garrafa mais de meia, ainda pensou em a deitar fora, mas como os rapazes já se estavam a lamber e a dar pressa, não o perdoavam, bateu bem a água dentro da garrafa, levou-a ao nariz e cheirava bem a aniz, então, passou-a para todos beberem uma pinguinha e, à medida que iam bebendo todos diziam que estava muito bom, uma delícia, alguns ainda disseram que estava muito amarelo, muito turvo, e o Chiquinho apressou-se a dizer que era dos cristais de açúcar amarelo e do ramo da flor do aniz natural que era castanha e que depois de bater a água na garrafa tinha ficado turva e, bebeu a sua parte, mas não divulgou a causa do aniz escarchado ter ficado amarelado e tão saboroso. 

Com o licor de aniz escarchado com sabor a caganitas de ovelha, a rapaziada ganhou ânimo e, rapidamente chegaram a Montejuntos, beberam uns cafés, licores e aguardente e voltaram para a Aldeia de Ferreira e, como já estava uma taberna aberta continuaram a festejar o dia de Natal. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aniz Escarchado de Évora 




sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o gatão ou gatona

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o gatão ou gatona 

Quando o Chiquinho de Capelins dormia na casa dos avós em Capelins de Baixo, depois da ceia (jantar), saía de casa a correr e dizia que já vinha, o avô dizia-lhe sempre o mesmo: - Não te demores que temos de deitar cedo! Mas ele só voltava quando os pais dos outros rapazes os chamavam, quando estava na hora de irem para a tulha (cama). 

O ponto de encontro da rapaziada à noitinha era encostados a um poial à entrada da rua principal de Capelins de Baixo e, quando estivessem todos era decidido qual a brincadeira naquela noite, porque, nunca era a mesma, para não cansar, assim, uma noite era andar com uma cana na mão, o mais comprida possível, pela rua, atrás uns dos outros, ou ao lado, até ao Monte da Figueira e voltavam, dizendo em voz alta: - Morcego, morcego, pousa na cana que tem sêbo! Morcêgo, morcêgo, pousa na cana que tem sêbo! Passavam o serão naquilo e nunca pousava nenhum morcêgo nas canas, mas não desistiam, porque havia sempre algum a dizer: - Olha! Passou um morcêgo mesmo a rasar a minha cana, por pouco não pousou, assim, nunca se acabava a esperança de ver um morcêgo a pousar na sua cana e outros contavam que numa noite qualquer no passado tinha pousado um morcego na sua cana, ou na do pai, ou do tio ou do primo, por isso, a qualquer momento podiam ter a sorte de algum pousar na deles e seria um brilhante sucesso que ficava para a história de Capelins.

Outras noites, decidiam cantar, ou porque se aproximava ou era uma época festiva, ou porque naquela noite lhe dava para isso, havia dois ou três rapazes que cantavam bem, os outros iam fazendo coro, em tom mais baixo, conforme podiam e, o grupo de rapazes ia desde o início da rua principal de Capelins de Baixo até ao Monte da Figueira e voltavam, e andavam nesse percurso a cantar até que chegasse a hora do recolher.

Uma noite, como acontecia noutras, decidiram ir achar os gatos da Aldeia, sempre com o objetivo de somar cada vez mais, mas como eles não dormiam sempre no mesmo lugar, porque os rapazes assustavam-nos e eles mudavam a cama para outros sítios, às vezes de acesso difícil, no entanto, a rapaziada já conhecia quase todos os gatis onde eles se recolhiam iam lá direitinhos e começava a contagem: - Aqui no quintal do ti Zé Almeida estavam três! Não se esqueçam! Agora vamos ao forno da Aldeia, decerto que aí temos uma bornalada deles! Mas era incerto, porque se fosse em tempo quente, não estava lá nenhum, mas se fosse no inverno, estavam lá dentro pelo menos quatro ou cinco, não só por o forno ser abrigado do frio e chuva, mas porque coziam lá o pão e ficava quente dia e noite, os fornos de cozer o pão eram o paraíso dos gatos no tempo mais frio. 

Durante a volta dos gatos, de quintal em quintal, de forno em forno, os rapazes iam tomando nota nas suas cabeças do número de bichanos que encontravam e no fim voltavam ao poial, à sua base, onde faziam a conta de somar do total de gatos que tinham sido vistos, sempre em grande discussão, porque cada um dizia um número diferente em cada lugar, geralmente andava  pelos 18 a 20, mas eles calculavam que na Aldeia de Capelins de Baixo deviam existir 30 a 35 gatos, porque, havia alguns que dormiam em casa dos donos, ou em lugares que os rapazes não tinham acesso, embora, chegassem a entrar nas casas de algumas pessoas, vizinhos e de família para contar os gatos que estivessem a dormir à chaminé ou debaixo das mesas, porque cada gato a mais era um triunfo, mas algumas vezes, o gato saia-lhe cão a ladrar atrás deles, apanhavam grandes sustos, tinham de dar à sola à frente dos cães. 

Numa dessas noites de achar gatos, deixaram o forno comunitário da Aldeia de Capelins de Baixo para o fim, para ver se enchia deles, porque queriam sempre mais e, quando se aproximaram, pé ante pé, perto da boca do forno deram um grito para os espantarem e, saíram de lá quatro ou cinco gatos, mas estava escuro, porque ainda não existia eletricidade em Capelins e gerou-se grande confusão na contagem e como fugiram dois ou três para as lenhas pertencentes às casas da Aldeia que ficavam ao lado da casa da ti Vicência Lúcia, à esquerda do caminho para o poço do chorão, o Chiquinho na escuridão, correu atrás deles para confirmar quantos eram, e deu de caras com um gatão ou gatona, tão grande que fazia cinco ou seis dos outros, o gatão fixou-lhe os olhos que pareciam dois faróis de um automóvel e fez-lhe frente, não fugiu, teve de ser ele a recuar, todo arrepiado de medo e pensou que era uma feiticeira, começou a gritar com muita força: - Acudam, acudam, e os outros rapazes foram a acudir, mas quando deram uns passos em frente para o lugar onde o Chiquinho o tinha visto, já não estava lá nada, alguns ainda disseram que devia estar parvo, mas ao ver o estado em que ele estava, metia dó, nem se aguentava nas pernas a tremer de medo, e os rapazes concordaram em regressar, rapidamente à base e acabar com o achamento da gataria, porque podia ser noite de feiticeiras e as pessoas mais antigas diziam que elas em certas noites, transformavam-se em gatos pretos.

O Chiquinho não esquecia o susto e durante muito tempo, negou-se a participar na brincadeira de achar gatos à noite, e a rapaziada cada vez acreditava mais que havia ali volta de feiticeiras, porque, ouvia-se dizer às pessoas mais antigas que apareciam feiticeiras naquele lugar no meio das lenhas, mas  o gatão ou gatona devia ir de passagem, porque nunca mais foi visto por Capelins de Baixo, mas se o Chiquinho o viu? Viu, viu.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando dormia ao relento no alto do Pinheiro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando dormia ao relento no alto do Pinheiro 

Noutros tempos, assim que chegavam as noites quentes de verão, quase todas as pessoas de Capelins, dormiam ao relento, algumas à porta de casa ou no quintal e outras nos campos, junto aos gados, ou no lugar onde trabalhavam, nas ceifas ou debulha dos cereais, em camalhos, esteiras feitas de buínho, ou sobre uma camada de palha, ou pasto, coberta com uma manta e, estava a cama feita, para todo o verão. 

O Chiquinho de Capelins, todos os anos, começava muito cedo a dormir ao relento, logo no final do mês de Maio, início de Junho, dormia com o avô no quintal em Capelins de Baixo, onde era armado o camalho com algum preceito, uma vez que, o chão era nivelado, depois levava uma camada de palha por cima, e todas as noites era desenrolada uma esteira de buínho, coberta por uma manta,  fazia uma boa cama, como a de um hotel de cinco estrêlas, neste caso, sobre um teto de milhões de estrêlas reais. 

Todas as noites antes do Chiquinho adormecer fazia repetir  ao avô o nome das estrêla que se destacavam na Galáxia e explicar o que era a via lactea, que o avô não designava por esse nome, mas por estrada ou caminho de Santiago, ou estrada de farinha, assim como, a estrêla polar, ou estrêla do Norte, de entre todas a que mais o intrigava, porque, era a primeira a chegar e estava todas as noites no mesmo lugar, ao contrário do nosso satélite, a lua, que surgia de vários feitios, ora redonda, ora em C, ou C invertido, umas noites muito grande, outras noites mais pequena, umas vezes num lado do céu, outras noutro e algumas noites nem aparecia, mas a estrêla do Norte a mais brilhante da constelação da ursa menor, vista do camalho, estava sempre igual e vigilante por cima da Igreja de Santo António. 

O pai do Chiquinho cultivava várias courelas, entre as quais, a do Pinheiro que ficava situada desde a parte de trás do Monte do Pinheiro, até ao lado do poço do chorão e, todos os anos era semeada, alternadamente de trigo ou aveia, ficando um ano em descanso e devido à altitude, essa seara era a primeira a ficar capaz de ceifar, por isso, a safra da ceifa, depois das favas e da cevada, começava sempre por esta courela, fosse trigo ou aveia, ficando disponível para pastagem para prender lá o macho durante a noite para comer pela fresca, mas tinha de ser guardado, porque nessa época roubavam as muares durante a noite quando pastavam e algumas com os donos a dormir a poucos metros, por isso, era logo armado um camalho com palha por baixo, uma manta em cima, um cobertor ou dois para se taparem de madrugada e estava feita uma boa cama ao ar livre. 

Assim que, o dito camalho era armado no alto do Pinheiro, o Chiquinho mudava-se, imediatamente para lá, porque havia um apelo, qualquer coisa que o atraía e que ele não queria perder, porque sentia as boas energias existentes naquele lugar que o faziam sentir em paz e harmonia com a natureza, decerto que, ali existia/ existe um  ponto telúrico.  

O Chiquinho dormia no alto do Pinheiro, cerca de quinze a vinte noites e, antes de adormecer, o pai tinha de repetir tudo o que já tinha ouvido ao avô e algumas vezes as coisas não batiam certas e quando ele dizia que o avô não dizia assim, o pai respondia que, era porque ele não sabia, porque já o avô dele lhe contava que era assim e o Chiquinho ficava com dúvidas, mas mais tarde veio saber que era tudo igual, a interpretação ou a denominação das estrêlas e constelações é que era diferente. 

O pai do Chiquinho todas as noites tinha de lhe repetir os nomes das localidades, portuguesas e espanholas cuja iluminação se avistava dali, depois passava para o céu e o que mais admirava era o caminho de Santiago, ou via lactea, ou estrada de farinha, e perguntava ao pai onde ia dar aquela estrada, e ele dizia-lhe que ia dar a todo o mundo, deixando-o muito confuso, porque, sendo assim, o mundo à noite, estava virado do avesso, com as estradas lá em cima e, já cansado, acabava por adormecer, o pai levantava-se de madrugada e ele ficava a dormir, até acordar ainda cedo, mas já com o sol nos olhos e com o ladrar de cães, de galos escarapantados, galinhas a cacarejar, mães aos gritos a chamar os filhos, com muito burburinho vindo ali das Aldeias a seus pés, era tudo muito diferente de lá em baixo.

Depois, quando a pastagem para o macho, começava a escassear no alto do Pinheiro, mudavam-se para o ferragial grande, quase em frente à Escola Primária da Aldeia de Ferreira, ainda não existiam aí casas, e era armado outro camalho, com a cabeceira para Norte, logo, as vistas não eram as mesmas, as do céu eram para Sul, diferente do alto do Pinheiro e do sítio do camalho do quintal do avô, e o Chiquinho pouco perguntava ao pai sobre as novas estrelas que observava dali e, depressa adormecia. 

Quando o camalho do ferragial grande era levantado, o Chiquinho voltava para o camalho do avô em Capelins de Baixo e a lenga lenga sobre as estrelas e sobre a estrada de farinha era repetida todas as noites, até aos finais do mês de Setembro.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Alto do Pinheiro - Capelins



terça-feira, 22 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou um ninho de poupa

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou um ninho de poupa 

O Chiquinho de Capelins andava sassaricando no quintal do avô em Capelins de  Baixo, quando levantou os olhos e viu uma poupa a entrar no tronco de uma oliveira a cerca de cem metros dali, deduziu logo que tinha achado um ninho e, deu pulos de contente, já tinha dezasseis, com aquele de um pássaro tão grande e bonito, valia por três, assim, devia ser o rapaz que mais ninhos tinha na Aldeia de Ferreira, um grande proprietário de ninhos, agora, faltava ir lá ver se tinha ovos ou se já tinha poupinhos e não se fez esperar, correu para a dita oliveira.

Ainda estava a alguma distância da dita oliveira e começou a notar um cheiro pestilento, pensou que, tinha pisado algum presente, mas mirou as solas das botas e não viu nada, deduziu que devia estar ali por perto e chegava ali o mau cheiro, mas à medida que se aproximava da oliveira, mais ativo era aquele cheiro, depois lembrou-se que as pessoas diziam que as poupas cheiravam muito mal, porque comiam cocó e decerto, eram restos que ficaram na oliveira à entrada do ninho, mas isso pouco importava, porque o que lhe interessava era ter mais um ninho e empoleirou-se para chegar à abertura no tronco a tentar espreitar lá para dentro, porque tinha de saber em que estado estava o ninho, mas a abertura ainda era alta e ele teve de se agarrar ao tronco que estava todo babado por baixo da entrada do ninho e era aquele líquido que cheirava mal, não se aguentava, mas ainda ouviu resmalhar no seu interior recebendo sinais que já tinha poupinhos, e o Chiquinho agarrado ao estômago e aos vómitos saiu dali a correr, mas considerou o ninho como seu. 

Como estava na hora do ajuntamento da rapaziada para as brincadeiras, o Chiquinho apressou-se a ir até ao Monte da Figueira e quando chegou já lá estavam alguns rapazes sentados à porta da mercearia, ele levava o mau cheiro no nariz e não só, mas antes de chegar já estava a gritar à rapaziada que tinha achado mais um ninho que valia por três, os rapazes ficaram cheios de inveja, pensaram que era de rola ou de pássaro semelhante, mas quando o Chiquinho lhe disse que era de poupa, começaram a rir e responderam que desses até lhe os davam todos, isso é uma peste que mata uma pessoa, não podemos chegar a menos de dez metros, senão apanhamos uma doença de estômago, porque deixamos de comer e adiantaram, para o riscar da lista, porque não o reconheciam como sendo um ninho, era uma bosta pestilenta e começaram a dizer-lhe para se afastar deles, porque tinha trazido o cheiro da poupa com ele. 

O Chiquinho ficou muito desanimado, mas no fundo concordava com eles, aquilo não era um ninho normal e disse-lhe que já não o queria, já estava riscado do património, porque não havia ninguém que aguentasse aquele cheiro e até ele já se sentia mal, porque, quando se lembrava do ninho da poupa começava com vómitos, mas começaram a brincadeira, ele melhorou e esqueceu o ninho. 

Quando o avô chegou do trabalho, o Chiquinho contou-lhe que tinha achado um ninho de poupa, ali bem perto de casa, mas não podia chegar ao pé dele, porque o cheiro era fétido, e que os rapazes lhe tinham dito que o ninho das poupas era uma bosta pestilenta e que elas comiam cocó e levavam-no para o ninho para dar de comer aos poupinhos, e perguntou ao avô se era por isso, que os ninhos de poupa cheiravam tão mal! 

O avô do Chiquinho disse-lhe que não era bem assim, as poupas não comiam nada disso, nem o levavam para o ninho, elas comiam insetos e as suas larvas, minhocas, rãs pequenas e até as  cobras pequenas, mas nada de cocó, o mau cheiro era uma estratégia que elas tinham contra os inimigos, a poupa fêmea e as crias tinham uma glândula uropigial capaz de segregar um líquido de cheiro pestilento, produzindo um fedor semelhante ao de carne estragada e quando algum intruso se aproximava do ninho, os poupinhos, ainda com poucos dias de idade, já eram capazes de expelir esse líquido para a porta do ninho e para cima do intruso, era isso que tinha acontecido quando o Chiquinho andou a espreitar para dentro do tronco da oliveira, uma vez que, a poupa mãe estava lá dentro, foi a pouparia toda a bombardear o Chiquinho com o seu belo perfume, por isso, os rapazes bem diziam que ele tinha levado o cheiro atrás, e o avô disse-lhe para deixar o ninho da poupa em paz, para não se aproximar dele, porque o cheiro do líquido das poupas era pior do que a peste negra, e a partir daquele dia, o ninho de poupa ficou esquecido, mas o mau cheiro não, e o Chiquinho nunca mais se aproximou de um ninho de poupa. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 



segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando fazia queijos com flor do cardo

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando fazia queijos com flor do cardo 

A bisavó materna do Chiquinho de Capelins, estava casada com um capelinense que era filho da transumância, ou seja, o seu pai era pastor da transumância natural de Póvoa Nova, situada na parte Norte da Serra da Estrêla e, o seu filho seguiu a mesma profissão, por isso, a bisavó tinha ovelhas e fazia alavão, isto é, fazia queijos e almece, depois, pelo menos um dos seus filhos, não sendo pastor, comprava leite de ovelha e também fazia alavão, pelo que, sendo tio em segundo grau do Chiquinho e, como morava muito perto da casa dos avós, na rua principal de Capelins de Baixo, ele começou, muito cedo, a andar pela sua queijaria e algumas vezes ia com o primo Joaquim buscar o leite dentro de dois cântaros de lata, numa burra ao Monte Novo do Seixo, depois, assistia a todo o processo, pelo qual, passava o leite até ao momento de fazer os queijos e, algumas vezes o Chiquinho  arregaçava as mangas na esperança de o deixarem meter as mãos na massa, mas como, em vez de ajudar, só empatava, não molhava as agulhas, mas tudo isso, ficou na sua memória.

Anos mais tarde, na casa do Chiquinho tiveram duas cabras, que produziam muito leite, com parte do qual, a mãe fazia queijos, mas ele começou a pedir à mãe para o deixar fazer os queijos, porque, já tinha prática de os ver fazer na queijaria da tia, mas a mãe, durante algum tempo não foi nisso, e foi-lhe explicando o processo, até que um dia arriscou, porque se corresse mal, perdia-se pouco, seriam dois ou três queijos e o Chiquinho realizou o seu sonho, porque deu provas que fazer queijos estava nos seus genes, porque aqueles queijos  e todos os que se seguiram, ficaram tão bons, que os pais estavam admirados e depois de comentarem com vizinhos que percebiam de queijos, todos diziam que tinha a ver com as mãos que punham a coalhada nos cinchos, diziam que, o Chiquinho tinha mão para fazer bons queijos, porque tinha a mão quente, mas o segredo principal, era a mistura da flor do cardo que se punha de molho em água à noite e de manhã essa água era coada para dentro do leite e arrumava-se a panela de barro perto do lume de chão e ia-se rodando até o leite ficar coalhado, cerca de duas horas, e pronto a meter nos cinchos com sal por cima e por baixo e os queijos estavam feitos. 

 Durante alguns anos, nos meses de Julho/Agosto, o Chiquinho, ou o pai, iam a um lugar em Capelins onde havia muito cardo, do lado Sul, Sudeste do marco geodésico (guarita) situado na herdade da Defesa de Ferreira, perto do chaparral, cuja planta do cardo, decerto foi trazida pelos pastores da transumância da Serra da Estrela, uma vez que, era para essa região que vinham os rebanhos da transumância quando a herdade era da Casa do Infantado até 1834, a flor do cardo era fácil de colher, cortava-se com uma tesoura, ou puxava-se com os dedos, e se estivesse quase seca, desligava, facilmente do fundo das alcachofras, depois, punha-se ao sol dentro de tabuleiros e já bem seca guardava-se, para ser usada quando se fizessem os queijos. 

E foi assim que, o Chiquinho, ainda muito novinho se tornou um mestre da queijaria, com um futuro promissor, mas a vida trocou-lhe as voltas e, nunca mais fez queijos. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Ovelhas com leite, em Capelins 




domingo, 20 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando andou perdido na serra da sina

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando andou perdido na serra da sina 

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro de profissão, ou seja, trabalhava na agricultura, por conta própria, tinha um macho, uma carroça e todos os apetrechos necessários para tratar das suas courelas, das arrendadas e das que semeava ao quarto, neste caso, ficava com três partes dos cereais que colhia e o dono da courela ficava com uma parte, verificando-se esta situação, na herdade do Terraço da Casa Camões, onde todos os anos semeava uma courela de trigo e outra de aveia. 

Quando chegava o mês de Fevereiro, começava a monda das searas de trigo, as mulheres andavam numa posição incómoda, com a coluna dobrada, durante oito horas, seguiam por dois ou três regos e à mão ou com um sacho iam arrancando as ervas daninhas que faziam mal ao desenvolvimento das searas, como o balanco que, se não fosse arrancado eliminava o próprio trigo, reduzindo a produção. 

A mãe do Chiquinho com um rancho de quatro ou cinco mulheres percorriam as suas searas nas diversas courelas, incluindo a da herdade do Terraço, onde andavam numa altura em que o Chiquinho não tinha escola, talvez, nas férias escolares do Carnaval ou da Páscoa, e ele foi com a mãe para a monda, não para mondar, senão partia ou arrancava o trigo todo e ficava lá a erva, era para não ficar sozinho em casa e fazer alguma asneira das dele, a mãe arranjou-lhe um bom lugar abrigado da aragem ainda fria e fez-lhe um camalho com uma manta e um xaile por cima e disse-lhe que se quisesse alguma coisa para a chamar, mas não se podia afastar dali, porque conhecia mal a região do Terraço e podia perder-se. 

O Chiquinho disse que sim e ficou por ali, mas passado pouco tempo já estava aborrecido, não tinha brinquedos, não tinha livros nem cadernos para se entreter, começou a olhar a paisagem em seu redor na esperança de ver por ali algum rapaz ou rapariga para brincar, mas não avistava ninguém, ouvia o alarido da rapaziada na Aldeia, mas não podia ir lá ter, porque os seus domínios não abrangiam aquela área, então, como estava um dia lindo de sol, lembrou-se que podia ir aos cogumelos (chamavam-lhe tubarões) ali perto, onde já tinha ido uma vez com o primo, quando ele o ensinou como se achavam debaixo da terra, era só ir a um sítio soalheiro ali no canto da Igreja, olhar com os olhos bem abertos para a terra, e onde estivesse gretada, quase decerto lá estava algum cogumelo, era só levantar a terra por cima com um pau que tivesse um bico e, depois com cuidado tirar a terra em redor, meter o pau por baixo e saltava de lá um cogumelo e, pensou que, quando voltasse, trazia o chapéu cheio para fazerem fritos com ovos para a ceia (jantar) e como a mãe andava longe dali com a cabeça metida dentro da seara de trigo, nem daria pela sua ausência e o Chiquinho deu asas ao seu plano, até já lhe cheirava a cogumelos fritos com ovos. 

O Chiquinho percorreu o canto da Igreja e encontrou dois ou três cogumelos, um maior e dois mais pequenos, foi o suficiente para ficar entusiasmado e seguiu em frente, entrando numa área desconhecida e ficou desorientado, já não sabia se seguia para Norte ou para Sul, como era muito pequeno, não tinha visibilidade, em altura, de um ponto que lhe permitisse orientar-se, e começou a ficar assustado e mais assustado ficou quando, quase debaixo dos seus pés saltou uma raposa muito vaidosa, que o obrigou  a dar um grito de aflição e, já não procurou mais cogumelos, foi andando na direção da Aldeia de Cabeça de Carneiro, pensando que estava a caminhar no sentido da Aldeia de Ferreira, mas quando ia passando em frente ao Monte do ti Zé Agostinho, apareceram-lhe os cães dele a ladrar e, ele alterou o percurso, virou à direita e meteu-se na serra da sina, por lá andou algum tempo, para trás e para a frente e, quando encontrou um caminho, lembrou-se que devia ir dar a algum Monte ou Aldeia e meteu-se por ele, como esse caminho ia dar à Igreja de Santo António, quando, por baixo das azinheiras, avistou o casario branquinho respirou de alivio, e deu uma corrida naquela direção, quando estava a passar pela Igreja, vinha a mãe ali chegando a procurá-lo e a chamá-lo em voz alta, e ele respondeu-lhe: - Diga! Estou aqui! 

A mãe do Chiquinho perguntou-lhe o que andava fazendo ali há tanto tempo? É que o ti Miguel disse-lhe que o tinha visto ao pé da Igreja havia muitas horas! Não era ele, mas assim, o Chiquinho safou-se, e respondeu que tinha ido aos cogumelos e mostrou-lhe os que levava dentro do chapéu, e adiantou que, como não tinha relógio, não sabia que horas eram e ficou ali pela Igreja, não disse uma palavra sobre ter andado perdido na serra da Sina, mas não se livrou de um sermão da mãe, e foi por pouco, que não levou um puxão de orelhas. 

Passados alguns anos, o Chiquinho fez várias vezes o reconhecimento daquele percurso e, não queria acreditar que se tinha perdido na serra da sina. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Serra da Sina em Capelins 



sábado, 19 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o homem pisar a lua

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o homem pisar a lua 

A Aldeia de Ferreira, não tinha meios de comunicação social, mas sempre que surgia alguma novidade, depressa percorria a Aldeia de lés a lés, foi o que aconteceu nos finais da década de 1960, quando se ouviu que os americanos iam pisar a lua, dando origem a todo o tipo de comentários, alguns assertivos e outros sem nenhum sentido. 

Foi escolhido o Domingo dia 20 de Julho de 1969 para a realização desse grande acontecimento, com transmissão direta na Rádio Televisão Portuguesa, (RTP), pelas 20,17 horas, assim, o casão onde estava instalado o televisor em Capelins de Baixo, encheu-se e, até aqueles que afirmavam ser tudo uma mentira dos americanos, não quiseram faltar e lá estavam para defender a sua honra. 

Num dos lugares da fila da frente lá estava sentado o Chiquinho de Capelins bebendo uma laranjada do Xico Zé de Vila Viçosa, mas não tirava os olhos do televisor, queria perceber e ver o homem a pôr o pé na lua, e talvez com o peso da nave e dos homens, vê-la vir por ali abaixo e cair em cima da Terra, mas quanto mais via e ouvia, mais confuso ia ficando, porque no televisor os comentadores diziam que um dos três astronautas americanos que seguiam no voo espacial na Nave Apollo 11, Neil Amstrong, ia pôr os pés na lua e que seria o primeiro homem a pisar o satélite da Terra e ao mesmo tempo ouvia alguns capelinenses ali no casão a afirmar que aquilo era tudo mentira, não passava de um filme ou uma montagem para enganar a gente e o Chiquinho que de início estava acreditando no que via, começou a duvidar, também porque, noites antes, tinha passado algum tempo a observar a lua e comparando com o que estava a ver na televisão, não condizia, e passou-se para o lado dos "contras", repetindo e reforçando o que eles diziam. 

O comentador da RTP ia traduzindo para português o que os americanos iam relatando, e quando a Nave Apolo 11 pousou na lua, não demorou, abriram a porta e Neil Amstrong saiu com um fato muito esquisito, pôs os pés na superfície lunar e em vez de andar, normalmente, começou a dar saltos como os cangurus, o comentador muito entusiasmado relatou: 

- Senhores espetadores, estamos a assistir a um momento histórico, o homem acaba de pisar a lua! Ao mesmo tempo, ali no casão ouviu-se um coro a dizer: É tudo uma mentira dos "maricanos" e o Chiquinho, também fez parte desse coro, mas ao olhar para o avô, ele estava calado, não se manifestou, e ele teve a certeza que alguma coisa não estava certa, o avô abanou a cabeça em sinal negativo e, com o dedo indicador junto ao nariz fez-lhe sinal para se calar. 

Aquele gesto do avô, era para dizer ao Chiquinho que não estava de acordo com os "contras" e ele ficou calado que nem um rato, porque, percebeu que tinha metido o pé na poça, e não se manifestou mais até acabar a reportagem.

Quando foram para casa, o Chiquinho estava comprometido e não dizia nada sobre o que tinham acabado de ver na televisão, mas ao descerem a rua não se conteve e perguntou ao avô se a ida dos homens à lua era verdade, ou se era uma mentira dos "maricanos" como diziam ali os homens? O avô respondeu que era tudo verdade, deixando-o envergonhado, por ter acreditado nos homens, sem antes ouvir o avô.

Depois, o avô explicou-lhe tudo o que sabia sobre a lua, porque, andava Amstrong sempre aos saltos dentro daquele fato de astronauta e o motivo, porque os russos e os americanos queriam pisar e estudar a lua, assim como, as tentativas antes feitas até este dia, e o Chiquinho ficou sem dúvidas que naquele dia o homem tinha pisado a lua, não era uma mentira dos "maricanos".

Quanto aos "contras" da Aldeia de Ferreira, que eram sempre os mesmos, embora com todas as evidências da verdade, nunca deram o braço a torcer e, ao longo das suas vidas, continuaram a afirmar que a ida do homem à lua foi tudo uma mentira dos americanos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira em Capelins 




sexta-feira, 18 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi em excursão a Lisboa

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi em excursão a Lisboa 

No dia da inauguração da ponte sobre o Tejo, em 06 de Agosto de 1966, o ti Zé Domingos prometeu que não demorava muito tempo a organizar uma excursão para fazer o percurso por Vila Franca de Xira a Lisboa e na volta faziam a travessia da dita ponte, e assim foi. 

Quis o destino e o avô do Chiquinho de Capelins que ele fosse na dita excursão e, depois do ti Zé Domingos ter consultado a empresa de transportes de João Cândido Belo, sobre o custo, para o percurso que definiu, começou a angariar excursionistas e o avô do Chiquinho uma noite foi a Capelins de Cima pedir aos pais se o deixavam ir com ele e o pai respondeu que sim e adiantou que também ia, embora a mãe não quisesse ir, porque fazia-lhe confusão passar a ponte, ele não desperdiçava a oportunidade de ir ver os irmãos, Lisboa e a grande ponte. 

No dia da excursão, no último quartel da década de 1960, antes das oito horas da manhã, partiram da Aldeia de Ferreira e a primeira paragem foi nas Piscinas de Évora, ás quais fizeram uma visita, porque tinham sido inauguradas no dia cinco de Setembro de 1964 e, não havia nada igual em todo o Alentejo, não só pela sua dimensão olímpica, mas pela cuba de saltos com pranchas até 7,5 metros de altura. 

Seguiram por Vila Franca de Xira e, antes da camioneta entrar na ponte Marechal Carmona, inaugurada em 30 de Dezembro de 1951, apearam-se e passaram a pé, não só para admirar a dita ponte, mas também o rio Tejo e a área ribeirinha, depois almoçaram e continuaram para Lisboa, com paragem demorada em Belém, onde fizeram algumas visitas, sendo a de mais tempo ao Museu da Marinha, e já à noitinha a camioneta foi estacionar no Campo das Cebolas, ficando os excursionistas por sua conta e os que tinham familiares à espera partiram com eles, mas os que quiseram, deram um passeio pela Baixa de Lisboa e pernoitaram na camioneta. 

O Chiquinho e o pai tinham os tios à espera e foram dar um passeio de eletrico por Lisboa à noite, ver a fonte luminosa e alguns monumentos iluminados e dormiram em casa de um dos tios.

Na manhã seguinte, antes das nove horas já estavam na camioneta e foram visitar o Jardim Zoológico, uma maravilha, por verem animais que nunca tinham visto, e dali seguiram para o Estoril, nessa época, muito afamado na Aldeia de Ferreira, porque, alguns empregados da Casa Dias tinham passado lá temporadas na quinta dos patrões e, contavam que era digno de uma visita para ver os imensos jardins e chalés, únicos nesse tempo.

Depois da visita ao Estoril segui-se a travessia da Ponte sobre o Tejo, muito devagar, para ser bem apreciada e, ouviam-se muitas expressões de admiração, embora com algum receio e ansiedade, mas ninguém mostrou medo, só mais tarde confessaram que lhe meteu muito respeito, porque toda a gente dizia que a magana abanava com o vento. 

A paragem seguinte, foi no Cristo Rei em Almada, do cimo do qual, tornaram a admirar a gigantesca ponte, parte da cidade de Lisboa e das localidades ribeirinhas ao sul do Tejo. 

Após a visita ao Cristo Rei, já passava do meio dia, foram para a Costa da Caparica, nesse tempo não havia trânsito nenhum, depressa chegaram, a camioneta estacionou e os excursionistas que ainda tenham comida fizeram um pic nic, outros foram a uma taberna que ficava a poucos metros, lá comeram, e beberam uns copos de vinho, mas não gostaram das comidas, porque não tinham sopas nem açordas como as de Capelins. 

Depois do almoço, aproximaram-se da praia, vestidos e calçados, para a maioria, entre eles o Chiquinho, era a primeira vez que viam o mar, por sorte, a praia estava quase deserta por ser já final do verão e os tempos eram outros e, alguns excursionistas ainda molharam os pés, descalçaram-se, subiram as calças e as ceroulas até aos joelhos e as pernas de tão branquinhas e molhadas faziam espelho que até encandeavam, arranjou-se ali uma brincadeira, um grande divertimento, alguns a incentivá-los a entrar no mar, porque, queriam vê-los apanhados pelas ondas e, eles deram espetáculo.

Da Costa da Caparica seguiram para Vila Fresca de Azeitão, onde era a sede da camionagem de João Cândido Belo, ou para controlo da camioneta ou alguma verificação mecânica e, foi grande admiração por ver tantas camionetas dessa empresa ali estacionadas, era um império nos transportes de passageiros que até chegava Capelins.

De Vila Fresca de Azeitão foram por Setúbal onde pararam para dar um passeio, pouco demorado, pelo centro, depois seguiram e fizeram nova paragem em Montemor-O-Novo, mas daí, foram diretos à Aldeia de Ferreira, onde chegaram já de noite, cansados, mas carregados de novidades para contar aos familiares, amigos e vizinhos e, com os horizontes um pouco mais alargados, e a partir daquele dia as conversas do Chiquinho com a rapaziada, durante meses, quando falavam sobre qualquer coisa, ele dizia sempre que, quando  foi na excursão a Lisboa tinha visto melhor e mais bonito.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Aldeia de Ferreira em Capelins 



quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando caiu da azinheira dos ninhos

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando caiu da azinheira dos ninhos 

O Chiquinho de Capelins, não desperdiçava nenhuma oportunidade para se juntar à rapaziada de Capelins de Cima ou de Capelins de Baixo, nas brincadeiras, como também nos intervalos na escola primária, ou à tardinha após a saída, mas as brincadeiras eram sempre as mesmas, já cansavam, um dia foi ter com o primo a Capelins de Baixo e ele disse-lhe que tinha inventado duas brincadeiras novas, e o Chiquinho vibrou de contente e pediu-lhe para ele dizer como eram e o primo respondeu que uma era brincar ao faz de conta que eram pedreiros, as pessoas da Aldeia de Ferreira encomendavam-lhe casas, cabanas, chiqueiros e galinheiros, eles tomavam nota num caderninho, o nome das pessoas e o que queriam que eles contruíssem e eles faziam as obras, com tijolos de terra amassada com água, depois metiam esse barro dentro de caixas de fósforos das pequenas que serviam de forma e secavam ao sol, para fazer as paredes, e também podiam ser de taipa e pedra, e faziam telhas do mesmo tipo, assim, passavam o tempo ali num sítio escolhido por eles, sem andarem em correrias pela Aldeia, e a outra invenção era fazer ninhos nas oliveiras e azinheiras, bem feitos, iguais aos dos pássaros para enganar a rapaziada que andava sempre aos ninhos, e quando os encontrassem pensavam que eram verdadeiros e subiam e desciam às árvores vezes sem conta a ver se já tinham ovos, mas eles estariam sempre na mesma, a não ser que algum pássaro, como o cuco se apoderasse dele, senão, eram bem enganados, seriam donos de ninhos que não eram ninhos! 

O Chiquinho gostou muito das duas invenções e, nesse dia, foram às estriqueiras das tabernas procurar caixas de fósforos, fizeram a listagem das encomendas das obras, os nomes de pessoas da Aldeia e meteram mãos à obra, passaram a tarde a amassar barro e a encher as caixas de fósforos para secar ao sol e fazer os tijolos e, com a brincadeira nova, passaram uma boa tardada sem fazerem mal a ninguém. 

À tardinha o Chiquinho recolheu a casa em Capelins de Cima e devido a algumas circunstâncias esteve uns dias sem ver o primo, mas a ideia de fazer os ninhos falsos não lhe saia da cabeça e como era tempo de ninhos, numa tarde, depois de sair da escola correu à courela dos Barrinhos, levou palha num saco de serapilheira e como sabia que a rapaziada aparecia por ali à procura de ninhos, escolheu uma das azinheiras para fazer dois ou três ninhos falsos, tirou alguma palha do saco, subiu à azinheira e começou a construir um ninho entrelaçando a palha entre os ramos, mas a palha não se moldava e, embora ficasse metida entre os ramos não ficava redondo, não tinha nenhuma aparência de ninho, desanimado, desceu da azinheira e foi a correr à procura de pasto velho junto a uma vereda, apanhou algum e subiu novamente à azinheira e continuou a construção do ninho que  começou a tomar melhores contornos e lembrou-se que, no dia seguinte apanhava algumas penas de galinha na capoeira para meter lá dentro e teve a certeza que, assim ia enganar a rapaziada, era uma boa partida! 

O dia estava farrusco, mas não se adivinhava chuva e muito menos trovoada, mas quando o Chiquinho estava concentrado, a entrelaçar os pastinhos nos ramos fez um relâmpago e um trovão em simultâneo e tão forte, que ele nem deu por cair da azinheira, quando deu por ele estava no chão de joelhos e de mãos postas a pedir perdão em voz alta, porque achava que era castigo de Deus por ele estar tão contente a enganar os outros rapazes e mais convencido ficou, porque, nesse dia, não fez nem mais um trovão, depois de se recompor do grande susto, ainda com as pernas a tremer, meteu-se a caminho de Capelins de Cima e, decidiu que a brincadeira de fazer ninhos falsos para enganar a rapaziada da Aldeia de Ferreira ficava arrumada para sempre, mas a partir daquele dia as obras de construção civil, que estavam paradas, continuaram com sucesso, conforme as encomendas dos clientes da Aldeia de Ferreira. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Barrinhos - Capelins 



Rio Guadiana entre Juromenha e Mourão em 1656

 Amigos de Capelins

Vejamos as 24 fortificações e atalaias ao longo do Rio Guadiana com muita importância na Guerra da Restauração.

"Deste levantamento arqueológico resultou a contabilização de 24 estruturas militares, entre estruturas de planta circular ou quadrangular (a maioria, genericamente designadas por atalaias) e de desenho troncocónico, este característico da fortificação moderna e por isso datável da segunda metade do séc. XVII [Fig. 5].


ENTRE MOURÃO E OLIVENÇA: O GUADIANA
EM 1656 POR NICOLAU DE LANGRES
Francisco Bilou*
Quadro superior do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora 
 





Mapa do Rio Guadiana entre Juromenha e Mourão desenhado no ano de 1656
Fig. 1 – Reprodução da planta de Nicolau de Langres de 1656.
Bibliothèque nationale de France, département Cartes et plans, GE C-5329.
UM DESCONHECIDO DOCUMENTO
No fundo de cartografia da Bibliotèque nationale de France encontra-se
uma desconhecida planta corográfica de título bem sugestivo: “Este Mappa setirou
por orden das Nõi Joanne M.es de Vascoallos Tenente g.te de sua Mag.de no anno
1656 pello Tenente g.te Niculas de Langres” [fig. 1].
Pese embora os erros de escrita, próprios de alguém pouco familiarizado
no uso da língua, como era o caso do engenheiro francês, não há dúvida de
que se trata de uma peça original, de alto valor histórico, representando um
significativo troço do rio Guadiana, entre Juromenha e Mourão.
A existência de um outro desenho assinado por Langres, de 28 de junho
1657, com igual levantamento corográfico do Guadiana, desta feita à altura de
Moura, reforça a ideia de que as defesas do rio foram alvo de cuidada atenção
por parte do exército português, tendo em vista as operações militares que
por esse tempo se preparavam, caso da tomada da vila de Mourão, sucesso de
armas que ocorreu no outono de 1657.

ENTRE MOURÃO E OLIVENÇA: O GUADIANA
EM 1656 POR NICOLAU DE LANGRES
Francisco Bilou*
Quadro superior do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora

















Podemos verificar quais os Moinhos existentes no Rio Guadiana em Capelins em 1656 e as toponímias de então.
Como já aqui referimos o Porto da Cinza em 1380 desigbava-se Porto da Serva, agora verificamos que em 1656 ainda se designava Porto da Serva!
"No entanto, a planta de 1656 é mais do que um simples documento histórico de análise geopolítica e militar. Do ponto de vista socioeconómico, e mesmo etnográfico, não pode deixar de ser referido o elenco toponímico dos moinhos de vento e de água (azenhas), estas, símbolo por excelência do rio Guadiana neste passo pelo Alentejo e Extremadura espanhola, bem como os portos de passagem do rio, a maioria coincidentes com os paredões para retenção da água associados às estruturas moageiras. No quadro seguinte coteja-se a informação recolhida por Langres em meados do século XVII com aquela que a historiografia foi registando ao longo do tempo, fazendo-se notar com sublinhado de cor a prevalência dos topónimos ao longo do tempo.
ENTRE MOURÃO E OLIVENÇA: O GUADIANA
EM 1656 POR NICOLAU DE LANGRES
Francisco Bilou*
Quadro superior do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora








Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...