sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o gatão ou gatona

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando viu o gatão ou gatona 

Quando o Chiquinho de Capelins dormia na casa dos avós em Capelins de Baixo, depois da ceia (jantar), saía de casa a correr e dizia que já vinha, o avô dizia-lhe sempre o mesmo: - Não te demores que temos de deitar cedo! Mas ele só voltava quando os pais dos outros rapazes os chamavam, quando estava na hora de irem para a tulha (cama). 

O ponto de encontro da rapaziada à noitinha era encostados a um poial à entrada da rua principal de Capelins de Baixo e, quando estivessem todos era decidido qual a brincadeira naquela noite, porque, nunca era a mesma, para não cansar, assim, uma noite era andar com uma cana na mão, o mais comprida possível, pela rua, atrás uns dos outros, ou ao lado, até ao Monte da Figueira e voltavam, dizendo em voz alta: - Morcego, morcego, pousa na cana que tem sêbo! Morcêgo, morcêgo, pousa na cana que tem sêbo! Passavam o serão naquilo e nunca pousava nenhum morcêgo nas canas, mas não desistiam, porque havia sempre algum a dizer: - Olha! Passou um morcêgo mesmo a rasar a minha cana, por pouco não pousou, assim, nunca se acabava a esperança de ver um morcêgo a pousar na sua cana e outros contavam que numa noite qualquer no passado tinha pousado um morcego na sua cana, ou na do pai, ou do tio ou do primo, por isso, a qualquer momento podiam ter a sorte de algum pousar na deles e seria um brilhante sucesso que ficava para a história de Capelins.

Outras noites, decidiam cantar, ou porque se aproximava ou era uma época festiva, ou porque naquela noite lhe dava para isso, havia dois ou três rapazes que cantavam bem, os outros iam fazendo coro, em tom mais baixo, conforme podiam e, o grupo de rapazes ia desde o início da rua principal de Capelins de Baixo até ao Monte da Figueira e voltavam, e andavam nesse percurso a cantar até que chegasse a hora do recolher.

Uma noite, como acontecia noutras, decidiram ir achar os gatos da Aldeia, sempre com o objetivo de somar cada vez mais, mas como eles não dormiam sempre no mesmo lugar, porque os rapazes assustavam-nos e eles mudavam a cama para outros sítios, às vezes de acesso difícil, no entanto, a rapaziada já conhecia quase todos os gatis onde eles se recolhiam iam lá direitinhos e começava a contagem: - Aqui no quintal do ti Zé Almeida estavam três! Não se esqueçam! Agora vamos ao forno da Aldeia, decerto que aí temos uma bornalada deles! Mas era incerto, porque se fosse em tempo quente, não estava lá nenhum, mas se fosse no inverno, estavam lá dentro pelo menos quatro ou cinco, não só por o forno ser abrigado do frio e chuva, mas porque coziam lá o pão e ficava quente dia e noite, os fornos de cozer o pão eram o paraíso dos gatos no tempo mais frio. 

Durante a volta dos gatos, de quintal em quintal, de forno em forno, os rapazes iam tomando nota nas suas cabeças do número de bichanos que encontravam e no fim voltavam ao poial, à sua base, onde faziam a conta de somar do total de gatos que tinham sido vistos, sempre em grande discussão, porque cada um dizia um número diferente em cada lugar, geralmente andava  pelos 18 a 20, mas eles calculavam que na Aldeia de Capelins de Baixo deviam existir 30 a 35 gatos, porque, havia alguns que dormiam em casa dos donos, ou em lugares que os rapazes não tinham acesso, embora, chegassem a entrar nas casas de algumas pessoas, vizinhos e de família para contar os gatos que estivessem a dormir à chaminé ou debaixo das mesas, porque cada gato a mais era um triunfo, mas algumas vezes, o gato saia-lhe cão a ladrar atrás deles, apanhavam grandes sustos, tinham de dar à sola à frente dos cães. 

Numa dessas noites de achar gatos, deixaram o forno comunitário da Aldeia de Capelins de Baixo para o fim, para ver se enchia deles, porque queriam sempre mais e, quando se aproximaram, pé ante pé, perto da boca do forno deram um grito para os espantarem e, saíram de lá quatro ou cinco gatos, mas estava escuro, porque ainda não existia eletricidade em Capelins e gerou-se grande confusão na contagem e como fugiram dois ou três para as lenhas pertencentes às casas da Aldeia que ficavam ao lado da casa da ti Vicência Lúcia, à esquerda do caminho para o poço do chorão, o Chiquinho na escuridão, correu atrás deles para confirmar quantos eram, e deu de caras com um gatão ou gatona, tão grande que fazia cinco ou seis dos outros, o gatão fixou-lhe os olhos que pareciam dois faróis de um automóvel e fez-lhe frente, não fugiu, teve de ser ele a recuar, todo arrepiado de medo e pensou que era uma feiticeira, começou a gritar com muita força: - Acudam, acudam, e os outros rapazes foram a acudir, mas quando deram uns passos em frente para o lugar onde o Chiquinho o tinha visto, já não estava lá nada, alguns ainda disseram que devia estar parvo, mas ao ver o estado em que ele estava, metia dó, nem se aguentava nas pernas a tremer de medo, e os rapazes concordaram em regressar, rapidamente à base e acabar com o achamento da gataria, porque podia ser noite de feiticeiras e as pessoas mais antigas diziam que elas em certas noites, transformavam-se em gatos pretos.

O Chiquinho não esquecia o susto e durante muito tempo, negou-se a participar na brincadeira de achar gatos à noite, e a rapaziada cada vez acreditava mais que havia ali volta de feiticeiras, porque, ouvia-se dizer às pessoas mais antigas que apareciam feiticeiras naquele lugar no meio das lenhas, mas  o gatão ou gatona devia ir de passagem, porque nunca mais foi visto por Capelins de Baixo, mas se o Chiquinho o viu? Viu, viu.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




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