segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher grãos de madrugada

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi colher grãos de madrugada 

O grão de bico, é uma leguminosa da família das fabáceas, fundamental na alimentação da comunidade capelinense de outros tempos, quase todos os dias, as famílias faziam as tradicionais sopas de grãos com carne ou de azeite, à noite punham os grãos de molho em água com sal, era um punhado por pessoa, depois, eram cozidos com a carne, toucinho  e alguns produtos hortícolas, geralmente numa panela de barro, no lume de chão, durante três ou quatro horas, só mais tarde apareceram as panelas de pressão que, coziam, rapidamente, mas ficavam menos saborosos. 

Os lavradores e seareiros de Capelins, semeavam uma seara de grãos e alguns, também de chícharos, não só para consumo de casa, mas para vender, sendo uma ajuda à fraca economia agrícola dos seareiros.

O grão de bico era semeado no mês de Abril e, não precisava de muitos cuidados até à sua colheita, feita na segunda quinzena do mês de Agosto e, davam-se, dão-se, em quase todas as terras, embora, fossem mais, ou menos produtivos e saborosos, conforme a terra onde eram criados.

A colheita dos grãos, devido à sensibilidade das suas vagens que, facilmente podiam cair e perder-se, tinha de ser feita na parte mais fresca do dia, a partir das quatro ou cinco horas da madrugada, o mais cedo possível, desde que se conseguissem ver e, acabava pelo meio dia ou treze horas, obrigando os participantes a levantarem-se ao cantar dos galos da Aldeia.

O pai do Chiquinho de Capelins era seareiro, o mesmo que pequeno agricultor e, também semeava a sua seara de grãos, cerca de meio hectare, sendo a colheita feita pela família, assim, um ano quando chegou a altura, o Chiquinho foi mobilizado para esse trabalho.

Na primeira madrugada quando a mãe o foi chamar à cama, custou-lhe muito a levantar-se e pensou que já o sol ia alto, mas quando chegou à rua ficou admirado e perguntou à mão o que iam fazer lá para os grãos aquela hora, uma vez que, não se via um palmo à frente dos olhos, e ela respondeu que, quando lá chegassem já se via bem e a colheita tinha de ser feita muito cedo, senão as vagens dos grãos caiam todas. 

Como os grãos estavam semeados no ferragial grande, em frente à Escola Primária a uns trezentos metros de casa, foram a pé, e o Chiquinho foi andando e dormindo até lá, e quando chegaram continuava a não se ver nada, a mãe abanou-o para o acordar e começou a explicar-lhe como devia fazer, apanhar o pé ou os pés das ramas dos grãos junto à terra e depois com jeito, torcer para um ou outro lado para partirem, também podiam ser arrancados, mas não convinha para não levarem terra agarrada para a eira, depois quando tivesse a mão cheia juntava-os com cuidado e punha-os numa paveia (pequeno monte) e quando a paveia tivesse trinta ou quarenta centimetros de altura carregava-a com uma pedra ou um torrão, para não serem arrastadas pelo vento, enquanto não fossem  transportadas para a eira para serem debulhados, mas isso, para já fazia a mãe.

O Chiquinho pouco ouviu o que a mãe lhe disse, o sono era muito, mas tiveram de começar e com a ajuda da mãe, a pouco e pouco, quase sem ver nada, foi colhendo uns granitos, e quando se começou a ver começou a melhorar e mais rápido, depois pararam para  o almoço (pequeno almoço), sempre com pressa, porque o sol estava cada vez mais intenso, mais havia alguma aragem fresca que ajudava a disfarçar o calor e pouco passava do meio dia foi recebida ordem de paragem e de voltar para casa, estava feito o primeiro dia de grãos do Chiquinho.

Depois de chegarem a casa, a mãe fez uma sopa de tomate com batatas e ovos e jantaram (almoçaram) e a mãe disse-lhe que iam todos dormir a sesta, porque, na madrugada seguinte, o relógio despertava à mesma hora, mas o Chiquinho disse-lhe que não conseguia dormir de dia e, assim que apanhou os pais a dormir a sesta foi dar uma volta à Aldeia de Ferreira e, passou a tarde na brincadeira, depois, à noite estava cansado e adormeceu cedo. 

Na madrugada seguinte, quando a mãe o foi chamar à cama, zangou-se e disse-lhe que tinha acabado de adormecer e que nesse dia não ia aos grãos, porque estava muito cansado e cheio de sono, mas a mãe disse-lhe que, ou se levantava já, ou vinha o pai a buscá-lo por uma orelha, deu logo um salto da cama e ficou em pé ainda a dormir e lá foi com a mãe, lavou a cara e os olhos com as pontas dos dedos e ficou mais desperto. 

O dia de colheita de grãos foi em tudo igual ao anterior, com a diferença que o Chiquinho já tinha mais prática e deu mais produtividade do que no dia anterior, e depois do jantar (almoço) a mãe tornou a dizer-lhe para ir dormir a sesta, mas ele disse que não conseguia dormir de dia e foi até Capelins de Baixo à procura das brincadeiras. 

A colheita dos grãos continuou cerca de uma semana, sempre igual, mas cada dia que passava, mais cansado o Chiquinho andava e à noite, depois da ceia (jantar) o Chiquinho ficava a dormir sentado na cadeira até que a mãe o acordava e ia a correr  para a cama. 

O Chiquinho gostava de colher grãos, também, porque em troca ganhava mais liberdade para ir às suas brincadeiras, mas não gostava de se levantar tão cedo e, se não era rapaz para dormir sesta, não era rapaz para colher grãos e poucas vezes repetiu esse trabalho.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Courela do Gomes - Capelins 





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