sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi azeitoneiro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi azeitoneiro 

Quando chegaram as férias escolares de Natal, cerca do dia 20 de Dezembro de um ano da década de 1960, o Chiquinho de Capelins, por ser pobre e mal fadado, teve de ir colher azeitona com os pais nos seus olivais no Gomes. 

Como os dias em pleno inverno eram muito pequenos em termos de luz solar, o trabalho tinha de começar o mais cedo possível, quando ainda estava um frio de rachar, mas como era por sua conta a mãe fazia um lume e só de verem o fumo, ficavam mais aliviados do frio, mas também dava para aquecer as mãos até o sol começar a despertar, se não fosse dia de nublados ou de chuva. 

Nesse trabalho, depois de apanharem alguma azeitona que estava no chão, por baixo das oliveiras, começavam por estender os panos feitos de sacos de serapilheira abertos e ligados uns aos outros com linhas fortes, para receberem a azeitona colhida da respetiva oliveira. 

O Chiquinho já tinha andado na colheita da azeitona noutros anos, mas nessa altura passava parte do dia a brincar e só quando lhe apetecia, levando como brincadeira, subia um ou dois degraus de uma escada ou à própria oliveira e, com muito vagar ia colhendo algumas azeitonas, uma a uma, mas desta vez era diferente, não havia tempo para brincar, e foi-lhe ditado pelo pai, que estava em idade de aprender a arte de ripar azeitona, porque, não era fácil para um principiante pegar num ramo da oliveira e deslizar a mão quase fechada por ele, movimentando os dedos sem apertar muito, até ao fim do mesmo, e as azeitonas iam caindo da mão para o dito pano que as esperava em baixo, os pais diziam que na idade dele já faziam azeitonadas do principio ao fim, fizesse chuva, frio ou sol e, em olivais distantes da Aldeia, cujo percurso para lá e volta era feito a pé e de noite.

O aprendiz de azeitoneiro, o Chiquinho, começou muito devagar, debaixo de olho dos pais que, começaram a dar-lhe as primeiras lições, o básico, mas como não tinha prática nenhuma, de início não podia subir mais do que dois ou três degraus da escada, devia colocar os pés direitos e não os mexer, para não escorregarem nos degraus e cair, enquanto não se conseguisse equilibrar na escada devia segurar-se com uma das mãos e ripar a azeitona com a outra, quando descesse da escada tinha de ver bem onde punha os pés em cima dos panos, para não pisar e esmagar as azeitonas e acabar com elas, porque, assim deixariam ali desperdiçado parte do azeite que deviam dar no lagar, ao ripar não devia apertar muito as azeitonas nas mãos para não as esmagar, não podia ser ele a mudar a escada de um lugar para outro, tinha de ser o pai, para a encaixar nos ramos das oliveiras e ficar bem segura e mais isto e mais aquilo, uma grande lição, era de mais, para a primeira vez, mas as horas foram passando e, a meio da manhã pararam uns minutos para uma bucha, nada mau, e ao meio dia o jantar (almoço), foi um pic nic que muito agradou ao Chiquinho, já tinha fome, e mal acabaram de comer já estavam pendurados das oliveiras a colher azeitona, andavam sempre com pressa, porque os dias eram muito pequenos, mas o dia foi passando sem ele dar por isso e, pouco passava das dezasseis horas receberam ordem de paragem, estava na hora de levantar os panos, juntar os sacos com a azeitona colhida durante o dia para fazerem a sua limpeza, ou seja, separar a azeitona das folhas e dos ramos, foi armado o alimpador com uma escada na horizontal, a cabeceira coberta com um dos panos e, foram colocados panos no chão entre a dita cabeceira e o lugar de onde o pai atirava a azeitona ao vento com uma pá de ferro para a dita cabeceira, onde ela chegava com poucas folhas e ramos, que eram tirados à mão pela mãe e pelo Chiquinho, por fim, a azeitona limpinha foi ensacada em sacos de serapilheira e carregada na carroça já ao anoitecer e levada dali, diretamente para um dos depósitos onde a recebiam para seguir para um lagar de azeite.  

Este trabalho repetia-se, diariamente e o Chiquinho não andava nada contente, tudo lhe corria mal, não melhorava a técnica mais um dia do que outro, e era um trabalho que não gostava de fazer, passava os dias a pensar nas brincadeiras com a rapaziada, estava a desperdiçar o tempo da infancia, mas, mesmo sem produzir quase nada, não era dispensado, sendo obrigado a continuar naquele martírio, porque, o pai dizia que com o tempo, ia aprender a ripar azeitona, se todos aprendiam, ele também aprendia, mas ele não queria aprender e, assim que descia da escada pisava as azeitonas todas, parecia um lagar, as azeitonas atraiam aos pés dele, porque ele olhava bem e não estava lá nenhuma, mas quando os mudava era só tchoc tchoc, azeitonas esmagadas, sem ele perceber de onde tinham aparecido, e não adiantava chorar, nem dizer que a culpa não era dele, o mal estava à vista.

Um dia o Chiquinho andava empoleirado na escada e chegou o vizinho António à procura de umas lérias, começou por gabar o Chiquinho, dizendo que já andava na azeitona, assim é que se faziam os homens e tinha jeito para azeitoneiro, mas ele ficou em brasa, porque não concordava, não tinha jeito nenhum, mas foi o pai que respondeu, que ele tinha pouco jeito, colhia pouca azeitona e depois ainda a pisava toda, mas estava a aprender, e o vizinho António disse-lhe: - Olha que o serviço do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco! Ora, isso ainda irritou mais o Chiquinho, assim, é que não era dispensado daquele trabalho, mas teve de ficar calado e continuou a trabalhar, zangado com o vizinho António.

Quando, no início de Janeiro, recomeçou a escola, o Chiquinho pôs as mãos a Deus em agradecimento, por a escola recomeçar e, a partir desse ano, nunca existiu uma boa amizade entre ele e a colheita de azeitona.  

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Lugar dos olivais - Gomes




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