quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando dormia ao relento no alto do Pinheiro

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando dormia ao relento no alto do Pinheiro 

Noutros tempos, assim que chegavam as noites quentes de verão, quase todas as pessoas de Capelins, dormiam ao relento, algumas à porta de casa ou no quintal e outras nos campos, junto aos gados, ou no lugar onde trabalhavam, nas ceifas ou debulha dos cereais, em camalhos, esteiras feitas de buínho, ou sobre uma camada de palha, ou pasto, coberta com uma manta e, estava a cama feita, para todo o verão. 

O Chiquinho de Capelins, todos os anos, começava muito cedo a dormir ao relento, logo no final do mês de Maio, início de Junho, dormia com o avô no quintal em Capelins de Baixo, onde era armado o camalho com algum preceito, uma vez que, o chão era nivelado, depois levava uma camada de palha por cima, e todas as noites era desenrolada uma esteira de buínho, coberta por uma manta,  fazia uma boa cama, como a de um hotel de cinco estrêlas, neste caso, sobre um teto de milhões de estrêlas reais. 

Todas as noites antes do Chiquinho adormecer fazia repetir  ao avô o nome das estrêla que se destacavam na Galáxia e explicar o que era a via lactea, que o avô não designava por esse nome, mas por estrada ou caminho de Santiago, ou estrada de farinha, assim como, a estrêla polar, ou estrêla do Norte, de entre todas a que mais o intrigava, porque, era a primeira a chegar e estava todas as noites no mesmo lugar, ao contrário do nosso satélite, a lua, que surgia de vários feitios, ora redonda, ora em C, ou C invertido, umas noites muito grande, outras noites mais pequena, umas vezes num lado do céu, outras noutro e algumas noites nem aparecia, mas a estrêla do Norte a mais brilhante da constelação da ursa menor, vista do camalho, estava sempre igual e vigilante por cima da Igreja de Santo António. 

O pai do Chiquinho cultivava várias courelas, entre as quais, a do Pinheiro que ficava situada desde a parte de trás do Monte do Pinheiro, até ao lado do poço do chorão e, todos os anos era semeada, alternadamente de trigo ou aveia, ficando um ano em descanso e devido à altitude, essa seara era a primeira a ficar capaz de ceifar, por isso, a safra da ceifa, depois das favas e da cevada, começava sempre por esta courela, fosse trigo ou aveia, ficando disponível para pastagem para prender lá o macho durante a noite para comer pela fresca, mas tinha de ser guardado, porque nessa época roubavam as muares durante a noite quando pastavam e algumas com os donos a dormir a poucos metros, por isso, era logo armado um camalho com palha por baixo, uma manta em cima, um cobertor ou dois para se taparem de madrugada e estava feita uma boa cama ao ar livre. 

Assim que, o dito camalho era armado no alto do Pinheiro, o Chiquinho mudava-se, imediatamente para lá, porque havia um apelo, qualquer coisa que o atraía e que ele não queria perder, porque sentia as boas energias existentes naquele lugar que o faziam sentir em paz e harmonia com a natureza, decerto que, ali existia/ existe um  ponto telúrico.  

O Chiquinho dormia no alto do Pinheiro, cerca de quinze a vinte noites e, antes de adormecer, o pai tinha de repetir tudo o que já tinha ouvido ao avô e algumas vezes as coisas não batiam certas e quando ele dizia que o avô não dizia assim, o pai respondia que, era porque ele não sabia, porque já o avô dele lhe contava que era assim e o Chiquinho ficava com dúvidas, mas mais tarde veio saber que era tudo igual, a interpretação ou a denominação das estrêlas e constelações é que era diferente. 

O pai do Chiquinho todas as noites tinha de lhe repetir os nomes das localidades, portuguesas e espanholas cuja iluminação se avistava dali, depois passava para o céu e o que mais admirava era o caminho de Santiago, ou via lactea, ou estrada de farinha, e perguntava ao pai onde ia dar aquela estrada, e ele dizia-lhe que ia dar a todo o mundo, deixando-o muito confuso, porque, sendo assim, o mundo à noite, estava virado do avesso, com as estradas lá em cima e, já cansado, acabava por adormecer, o pai levantava-se de madrugada e ele ficava a dormir, até acordar ainda cedo, mas já com o sol nos olhos e com o ladrar de cães, de galos escarapantados, galinhas a cacarejar, mães aos gritos a chamar os filhos, com muito burburinho vindo ali das Aldeias a seus pés, era tudo muito diferente de lá em baixo.

Depois, quando a pastagem para o macho, começava a escassear no alto do Pinheiro, mudavam-se para o ferragial grande, quase em frente à Escola Primária da Aldeia de Ferreira, ainda não existiam aí casas, e era armado outro camalho, com a cabeceira para Norte, logo, as vistas não eram as mesmas, as do céu eram para Sul, diferente do alto do Pinheiro e do sítio do camalho do quintal do avô, e o Chiquinho pouco perguntava ao pai sobre as novas estrelas que observava dali e, depressa adormecia. 

Quando o camalho do ferragial grande era levantado, o Chiquinho voltava para o camalho do avô em Capelins de Baixo e a lenga lenga sobre as estrelas e sobre a estrada de farinha era repetida todas as noites, até aos finais do mês de Setembro.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Alto do Pinheiro - Capelins



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