sábado, 5 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ao casamento do tio Manel

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ao casamento do tio Manel 

Uma das primeiras lembranças do Chiquinho de Capelins, desde a sua existência, e que ficou na sua memória, foi a festa do casamento do seu tio Manel, realizado na Igreja Paroquial de Santo António de Capelins, no sábado, dia 19 de Setembro do ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e cinquenta e nove anos. 

Algum tempo antes da dita data, o Chiquinho começou a ver mais movimento do que o habitual, de vizinhas e familiares, tias e primas, na casa dos avós em Capelins de Baixo, sendo as conversas, quase todas, sobre a organização do casamento do tio Manel, os avós diziam que, seria dentro das suas possibilidades financeiras, como tinham feito às outras filhas e como os pobres faziam nessa época em Capelins, e passavam muito tempo a enunciar e conferir o rol do enxoval, para não faltar nada, porque qualquer deslize, podia dar falatório na Aldeia. 

 Assim, de acordo com o padre da Igreja de Santo António, o enlace estava marcado e tratados todos  os papéis de estilo;

O tio Manel e os avós tinham ido casa a casa da família mais chegada e fizeram os respetivos convites;

O enxoval estava pronto, era composto pelas roupas de vestir dele, de camas, toalhas, guardanapos e outras, alguns pratos, copos, panelas, tachos e outros utensílios;

Então, estava tudo pronto para o tio levar para a sua nova casa já arranjada e à sua espera, foram compradas algumas mobílias, o que foi possível e essencial, logo, também isso, estava organizado. 

A roupa fina para vestir no dia do casamento, desde o fato do noivo, o do avô e os vestidos da avó, tias e a roupinha do Chiquinho, estava tudo pronto, algumas foram feitas pelas mulheres da família, outras, por costureiras da Aldeia ou dos arredores e, os fatos comprados em devido tempo.

O copo de água foi organizado com muita antecedência, foram encomendados  os bolos dos noivos, os do padrinho e madrinha, neste caso, por eles, foi definido o que seriam os aperitivos, as bebidas e o lugar onde seria servido.

As alianças estavam compradas, e prontas a meter nos respetivos dedos dos noivos no dito dia.

As comidas, a compra do vinho, pirolitos e laranjadas e outras bebidas finas, como aniz, licores, aguardente e bolos miúdos, estava tudo bem encaminhado. 

Estavam acertadas as raparigas, primas, que iam porta a porta por toda a Aldeia na manhã do casamento, a oferecer uma bebida fina, licor ou aniz escarchado e um bocadinho de bolo a cada pessoa, e os preparativos que implicavam acerto dos dois lados dos nubentes, já estava tudo falado com os futuros compadres. 

A organização do transporte dos convidados, daqueles que não tinham de seu, estava a cargo do avô, como nessa época ainda não existiam automóveis na Aldeia de Ferreira, os noivos e os convidados dos casamentos iam e voltavam da Igreja de Santo António em carroças ou charretes puxadas por muares, sendo estas, enfeitadas com tapetes bordados e outros adornos coloridos e as carroças e charretes com colchas e flores, mas o avô pensou em fazer diferente e, alugou a camioneta da carreira de João Cândido Belo, para transportar os convidados que não tivessem transporte, entre Capelins de Baixo e a Igreja de Santo António, mas pouca gente a quis utilizar, talvez, porque, nas carroças e charretes fosse mais divertido, assim, não foram preenchidos todos os lugares, mas o Chiquinho realizou o seu sonho e, pela primeira vez, viajou na camioneta da carreira, que todos os dias via passar para Montes Juntos deixando-o a olhar de boca aberta até ela desaparecer da sua vista, porém, a viagem não foi o que ele esperava, sendo muito atribulada, o caminho era empedrado, fazendo saltar a camioneta como uma corsa, mas o pior ainda estava para acontecer, quando chegou ao alto do Monte da Igreja virou para o caminho estreito de terra batida, enfrentando uma subida, relativamente acentuada, que ficava entre os dois Montes da Igreja e, como já tinha chovido muito, embora fosse Setembro, o que não estava previsto, na dita subida a camioneta começou a patinar e a afundar os rodados e não houve maneira de a fazer subir, nem com a ajuda do empurrão de alguns homens, nem com as diversas manobras feitas pelo chofer, até que, esgotadas todas as tentativas, e depois de passarem ali algum tempo, o chofer desistiu e a solução foi os convidados apearem-se todos e irem a pé até à Igreja, mas como as carroças foram pelo caminho dos Foros, depressa chegaram, e os passageiros da camionete da carreira, como o Chiquinho, chegaram cansados e atrasados ao casamento do tio Manel, e o Chiquinho não percebeu o que foram fazer à Igreja, deixando a camioneta da carreira desperdiçada e distante dali.  

Depois da cerimónia religiosa do casamento na Igreja, o tio Manel já casado, os convidados que viajaram na camioneta da carreira partiram a pé, até onde ela estava estacionada, no caminho principal, acabando por andar quase tanto como se fossem a pé até à Aldeia, pelo que, o transporte tradicional das carroças, mostrou-se  mais eficiente do que o transporte na camioneta da carreira, e o Chiquinho não lhe chegou a tomar o gosto. 

A festa do casamento já não despertou interesse ao Chiquinho, o que mais lhe interessava era andar de camioneta da carreira e como era muito pequenino, com o cansaço, adormeceu cedo, e o dia seguinte para ele foi outro dia como todos os outros, com a diferença que, o tio Manel já era casado e estava na casa dele, e como ficou quase amigo da camioneta da carreira, lá estava ele, todos os dias, na rua de Capelins de Baixo, para lhe acenar quando ela passava para Montes Juntos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Igreja de Santo António de Capelins




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