terça-feira, 8 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando era dono dos ninhos

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando era dono dos ninhos 

No decorrer da década de 1960, a vida económica e social na Freguesia de Capelins, começou a melhorar, já não era como em tempos anteriores, mas a maioria da rapaziada, em termos materiais, continuavam a não ter quase nada de seu, poucos ou nenhuns brinquedos, roupas, calçado, guloseimas e outras coisas básicas, por isso, inventavam formas de empoderamento do que estivesse ao seu alcance e que a natureza lhe oferecia, como os ninhos das aves que, nidificavam nas oliveiras, azinheiras e outras árvores dentro da Aldeia e nos arredores, todos os ninhos tinham dono e não eram as respetivas aves, embora durante algum tempo fosse a sua casa e dos seus filhos, os donos era a rapaziada que disputava cada novo ninho para somar ao seu património, quantos mais tinha de seus, mais importantes se achava e, diariamente na escola primária eram nomeadas as quantidades de ninhos que cada um tinha e, de que aves eram, porque, havia alguns, como os das rolas, perdizes ou outras aves graúdas, que valiam por dois ou três, dos de milheirinha ou pintassilgo, mas esses ninhos não eram para destruir, antes pelo contrário, ficavam protegidos pelos seus donos, até que os passarinhos novos os deixassem se, eventualmente existisse algum caso maléfico, não era a norma. 

Por vezes, as ditas disputas, levavam a desentendimentos entre os rapazes e raparigas na escola, quando o mesmo ninho era reivindicado por dois ou três donos, principalmente os que se situavam nas oliveiras junto à estrada nova  por onde todos passavam para a escola e achavam o mesmo  ninho, depois quem era o seu dono ou dona? Algumas vezes decidia-se através de um tribunal popular em que os mais influentes acabavam por decidir a quem pertencia o ninho, fazendo perguntas sobre a data da descoberta, em que fase estava o ninho, ou seja, se os pássaros o andavam a fazer, se já estava feito, se já tinha ovos, quantos tinha, se já tinha passarinhos novos, tudo isso somava pontos e, fazendo fé nas respostas de cada candidato a dono do ninho, assim seria atribuído, com aceitação, ou não, por todos, mas a maioria das vezes ficava resolvido. 

O Chiquinho de Capelins era dono de muitos ninhos, porque depois de sair da escola, deixava a mala dos livros e cadernos em casa e partia para os montados e olivais a passar o arvoredo a pente fino e nem precisava de tomar notas, porque ficava tudo na cabeça, onde era, de que ave era e em que estado estava o ninho. 

Um dia o Chiquinho ia com a irmã para a escola e disse-lhe para esperar por ele, ia só ver quantos ovos tinha o seu ninho na primeira oliveira a seguir ao muro do Monte Grande junto à estrada nova, e a irmã respondeu-lhe que aquele ninho não era dele, era da Ana, porque ela o tinha achado quando os pássaros o andavam a fazer! O Chiquinho ficou furioso e afirmou que era dele e ninguém lhe o tirava, muito menos a Ana e que, se a visse em cima daquela oliveira a mandava de lá abaixo e pediu à irmã para lhe dizer que o ninho era dele, porque o tinha achado só com dois ou três pastinhos.

À tardinha quando o Chiquinho chegou da escola a irmã já o esperava para lhe contar a conversa com a Ana sobre o ninho e disse-lhe que ela afirmava que o ninho era dela e quando vinham da escola ela subiu à dita oliveira para ver quantos ovos tinha, mas escorregaram-lhe os pés na pernada da oliveira e só não bateu com as costas no chão, porque ficou pendurada pelas cuecas! O Chiquinho ficou abismado e perguntou: 

Chiquinho: A Ana ficou pendurada da oliveira pelas cuecas? E como é que as cuecas não rasgaram? 

Irmã: Não rasgaram, não, porque são muito grandes e esticaram, devem ser da mãe, ou alguém lhe as deu, foram a sorte dela! Mesmo assim, ela não desiste do ninho, diz que é dela! 

Chiquinho: Não desiste do ninho? Então vais ver se não desiste, é só eu apanhá-la lá em cima da oliveira, nem as cuecas a salvam! 

Irmã: Não lhe faças mal, coitadinha! Deixa-a ficar com o ninho, ela não tem nada, ou então, fica para os dois! 

Chiquinho: Estás parva? Ou fazes-te? Onde é que tu já viste um ninho com dois donos? O ninho é meu e acabou a conversa! 

Mas não foi bem assim, como o horário escolar do Chiquinho e da Ana eram diferentes, ela saía mais cedo e de passagem subia à oliveira a espreitar o ninho, depois, mais tarde vinha o Chiquinho, subia à oliveira a ver o ninho e nunca se encontravam no lugar do ninho, pelo que, foi passando o tempo, o pássaro fêmea pôs os ovos, os passarinhos nasceram, os pais criaram-nos e, um dia quando o Chiquinho subiu à oliveira já lá não estavam, tinham voado e deixaram o ninho vazio, sem nada, aos seus dois donos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira em Capelins 





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