terça-feira, 22 de agosto de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou um ninho de poupa

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando achou um ninho de poupa 

O Chiquinho de Capelins andava sassaricando no quintal do avô em Capelins de  Baixo, quando levantou os olhos e viu uma poupa a entrar no tronco de uma oliveira a cerca de cem metros dali, deduziu logo que tinha achado um ninho e, deu pulos de contente, já tinha dezasseis, com aquele de um pássaro tão grande e bonito, valia por três, assim, devia ser o rapaz que mais ninhos tinha na Aldeia de Ferreira, um grande proprietário de ninhos, agora, faltava ir lá ver se tinha ovos ou se já tinha poupinhos e não se fez esperar, correu para a dita oliveira.

Ainda estava a alguma distância da dita oliveira e começou a notar um cheiro pestilento, pensou que, tinha pisado algum presente, mas mirou as solas das botas e não viu nada, deduziu que devia estar ali por perto e chegava ali o mau cheiro, mas à medida que se aproximava da oliveira, mais ativo era aquele cheiro, depois lembrou-se que as pessoas diziam que as poupas cheiravam muito mal, porque comiam cocó e decerto, eram restos que ficaram na oliveira à entrada do ninho, mas isso pouco importava, porque o que lhe interessava era ter mais um ninho e empoleirou-se para chegar à abertura no tronco a tentar espreitar lá para dentro, porque tinha de saber em que estado estava o ninho, mas a abertura ainda era alta e ele teve de se agarrar ao tronco que estava todo babado por baixo da entrada do ninho e era aquele líquido que cheirava mal, não se aguentava, mas ainda ouviu resmalhar no seu interior recebendo sinais que já tinha poupinhos, e o Chiquinho agarrado ao estômago e aos vómitos saiu dali a correr, mas considerou o ninho como seu. 

Como estava na hora do ajuntamento da rapaziada para as brincadeiras, o Chiquinho apressou-se a ir até ao Monte da Figueira e quando chegou já lá estavam alguns rapazes sentados à porta da mercearia, ele levava o mau cheiro no nariz e não só, mas antes de chegar já estava a gritar à rapaziada que tinha achado mais um ninho que valia por três, os rapazes ficaram cheios de inveja, pensaram que era de rola ou de pássaro semelhante, mas quando o Chiquinho lhe disse que era de poupa, começaram a rir e responderam que desses até lhe os davam todos, isso é uma peste que mata uma pessoa, não podemos chegar a menos de dez metros, senão apanhamos uma doença de estômago, porque deixamos de comer e adiantaram, para o riscar da lista, porque não o reconheciam como sendo um ninho, era uma bosta pestilenta e começaram a dizer-lhe para se afastar deles, porque tinha trazido o cheiro da poupa com ele. 

O Chiquinho ficou muito desanimado, mas no fundo concordava com eles, aquilo não era um ninho normal e disse-lhe que já não o queria, já estava riscado do património, porque não havia ninguém que aguentasse aquele cheiro e até ele já se sentia mal, porque, quando se lembrava do ninho da poupa começava com vómitos, mas começaram a brincadeira, ele melhorou e esqueceu o ninho. 

Quando o avô chegou do trabalho, o Chiquinho contou-lhe que tinha achado um ninho de poupa, ali bem perto de casa, mas não podia chegar ao pé dele, porque o cheiro era fétido, e que os rapazes lhe tinham dito que o ninho das poupas era uma bosta pestilenta e que elas comiam cocó e levavam-no para o ninho para dar de comer aos poupinhos, e perguntou ao avô se era por isso, que os ninhos de poupa cheiravam tão mal! 

O avô do Chiquinho disse-lhe que não era bem assim, as poupas não comiam nada disso, nem o levavam para o ninho, elas comiam insetos e as suas larvas, minhocas, rãs pequenas e até as  cobras pequenas, mas nada de cocó, o mau cheiro era uma estratégia que elas tinham contra os inimigos, a poupa fêmea e as crias tinham uma glândula uropigial capaz de segregar um líquido de cheiro pestilento, produzindo um fedor semelhante ao de carne estragada e quando algum intruso se aproximava do ninho, os poupinhos, ainda com poucos dias de idade, já eram capazes de expelir esse líquido para a porta do ninho e para cima do intruso, era isso que tinha acontecido quando o Chiquinho andou a espreitar para dentro do tronco da oliveira, uma vez que, a poupa mãe estava lá dentro, foi a pouparia toda a bombardear o Chiquinho com o seu belo perfume, por isso, os rapazes bem diziam que ele tinha levado o cheiro atrás, e o avô disse-lhe para deixar o ninho da poupa em paz, para não se aproximar dele, porque o cheiro do líquido das poupas era pior do que a peste negra, e a partir daquele dia, o ninho de poupa ficou esquecido, mas o mau cheiro não, e o Chiquinho nunca mais se aproximou de um ninho de poupa. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 



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