sexta-feira, 9 de junho de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ás boletas para o magusto de S. Francisco

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi ás boletas para o magusto de S. Francisco 
O Chiquinho de Capelins nasceu na antiga Aldeia de Capelins de Cima, atual Aldeia de Ferreira, mas antes de entrar na Escola Primária fazia a sua vida em Capelins de Baixo, na casa dos avós maternos, logo, era aí que tinha os seus amigos das brincadeiras, incluindo um primo mais velho, com o qual, passava muito tempo. Um dia, no início do mês de Outubro da primeira metade da década de 1960, como habitualmente, à meia da tarde, o Chiquinho desceu a rua principal de Capelins de Baixo para se juntar ao grupo das brincadeiras e, quando chegou ao lugar onde, geralmente se encontravam, ouviu os rapazes a combinar que no dia seguinte tinham de ir ás boletas (bolotas), porque tinham de manter a tradição do primeiro magusto no dia de S. Francisco. O Chiquinho vibrou de contente, porque ouvia contar aos mais velhos que o magusto de S. Francisco era uma festa, mas não entendia o que envolvia além das boletas assadas, assim, seria a primeira vez que ia participar, mas ao manifestar-se que também ia com o grupo ás boletas, o primo disse-lhe que nem pensar nisso, porque o chaparro onde iam apanhar as boletas era muito longe e podia estar lá o guarda com algum cão e se tivessem de fugir, ele não os conseguia acompanhar e podia ser apanhado, por isso, ele trazia mais umas boletas que davam para todos e depois o Chiquinho podia ajudar a fazer o lume e o magusto. O Chiquinho ficou irritado e bateu o pé, bateu o pé, até que o primo acabou por ceder, mas disse-lhe que só ia se pedisse à avó e tinha de estar ali naquele sítio no dia seguinte depois do jantar (almoço), se não estivesse, não esperavam por ele, e ele ficou aliviado e a pensar a forma de escapar à avó, porque se lhe pedisse, já sabia que a resposta era não. No dia seguinte, 04 de Outubro, antes da hora marcada, já o Chiquinho estava à porta do primo que lhe perguntou se tinha pedido à avó, e ele prontificou-se a mentir e respondeu que sim, e quando chegaram os outros rapazes do grupo, partiram encobertos pela parede da tapada do ti Franco, por uma vereda até ao Monte do Marco, depois desceram junto ao pequeno ribeiro até ao poço da estrada e, continuaram ao lado da horta, pelo ribeiro abaixo, o Chiquinho já ia cansado, mas nem pensar em dar parte de fraco, a rapaziada faziam grande barulho, falando muito alto e os mais velhos diziam para se calarem, porque iam tão contentes que parecia que iam para a Festa dos Prazeres, e assim, até os ouviam lá no Monte da Ramalha, em cuja propriedade se situava o célebre chaparro das boletas temporãs, calavam-se, mas não demorava e o barulho era igual, até que, pararam todos e eles disseram: - Ou vocês se calam ou quem piar daqui para a frente, volta logo para trás! O resto do grupo não tiveram tempo de responder, porque naquele momento saíu um homem detrás de umas moitas de junqueiras da margem do ribeiro, com calças muito largas, desfraldado, com um grande chapéu, a gritar e a manejar um grande pau com gestos agressivos a chamar ladrões, malandros, rufias e outros nomes à rapaziada, e a dizer que já tinha o azeite a ferver num caldeirão para os fritar vivos! O susto foi tão grande que a rapaziada nem se certificaram se ele corria atrás deles, nem se tinha o azeite a ferver no caldeirão, rodopiaram e pareciam cavalos de corrida na direção do poço da estrada, mas o Chiquinho ficou para trás, porque quanto mais patinava nas margens do terreno, menos corria, parecia estar sempre no mesmo sítio, por isso, ouvia bem o que o guarda da bolota dizia e já estava esperando que não demorava em ser frito no caldeirão, mas lutou, lutou e quando deu por si já estava no poço da estrada, olhou para a frente mas já não viu nenhum dos outros rapazes, já tinham subido a chapada do Monte da Figueira a correr e desaparecido, deixatram-no sózinho, mas ele foi correndo e acabou por chegar ao lugar da partida. Quando o Chiquinho chegou muito cansado, já não viu por ali nenhum dos rapazes, mas como sabia o lugar das brincadeiras do primo, foi lá ter e ele quando o viu disse-lhe: Primo: Então, já aqui estás? Eu já estava a pensar que tinhas sido frito no caldeirão para a merenda do homem! Eu bem te disse que não era pêra doce, mas és teimoso, não sei como te safaste desta! Chiquinho: Então aquilo era um homem? Primo: Não, aquilo era uma mulher! Chiquinho: Não é isso que eu quero dizer, não era um espantalho? Primo: Era, era um espantalho tão moderno que até falava e dizia que nos fritava vivos! Chiquinho: Ah pois! Assim não era! Então e agora, como fazemos o magusto? Primo: Qual magusto? Achas que apanhámos um susto pequeno? Quem é que tem vontade de boletas assadas, só se fores tu! Cheira aqui mal, pisaste alguma bosta? Ou és tu? Chiquinho: Não, não, não cheiro mal! Primo. Eu estava a brincar contigo! Olha, vai lá dizer à tua avó que já cá estás e que o chaparro ainda não tinha as boletas arraiadas, este ano está atrasado! O Chquinho lembrou-se que, não tinha pedido à avó e apressou-se a subir a rua, polindo as esquinas e observando como estava o ambiente, quando chegou perto da casa da avó começou a construir uma estrada com uma ponte romana com terra e umas pedrinhas e logo a seguir ouviu a avó à porta a dizer: Ah estás aí? Não abales daí! Ele abanou a cabeça em sinal afirmativo, mas a pensar, mal pensa ela onde eu já andei! O magusto de S. Francisco, ficou esquecido, não se cumpriu a tradição, mas o Chiquinho nunca mais esqueceu o acontecimento, porque por pouco era frito em azeite num caldeirão e a partir daquele dia, nunca mais achou graça aos magustos de boletas.

 Fim 
 Texto: Correia Manuel 



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