quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Memórias da viagem do meu avô Xico Alvanéu, andado, de Capelins ao Torrão

 Memórias da viagem do meu avô Xico Alvanéu, andado, de Capelins ao Torrão

No ano de 1945, devido aos efeitos da Segunda Grande Guerra, 1939/1945, a crise chegou às terras de Capelins, onde existia falta de trabalho, principalmente de pedreiro, pelo que, o meu avô Xico Alvanéu, teve conhecimento que estavam a construir a barragem de Vale do Gaio, ou Trigo de Morais, no rio Xarrama, no Concelho de Alcácer do Sal e, convenceu o irmão, também pedreiro, a deslocarem-se lá, na esperança de encontrarem emprego na sua profissão.
Depois de planearem a viagem, escolheram o caminho que deviam seguir, partiram a pé na madrugada de segunda feira dia 02 de Abril de 1945, não só, porque não havia transportes públicos desde a Aldeia de Ferreira, mas para pouparem o dinheiro da viagem, cerca de 29$30, ou seja, cerca de 0,15 €, assim, com cerca de 90 quilómetros para percorrer, foram por Santiago Maior, Montoito, Vendinha e, após a passagem do rio Degebe na ponte do Albardão, quase 35 quilómetros andados, nesse lugar, passaram a primeira noite, enrolados na manta que levavam às costas.
No dia 03 de Abril, muito cedo, assim que acordaram, comeram um pouco do farnel e começaram a andar em direção perdida, sendo o objetivo S. Manços e lá chegaram, daqui continuaram para S. Marcos da Aboboda e, logo a seguir passaram a segunda noite num lugar designado Magalhôa, entre S. Marcos da Aboboda e S. Brás do Regedouro.
Na manhã do dia 04 de Abril, estavam muito cansados, mas tiveram de continuar a sua viagem, ainda faltavam cerca de 30 quilómetros para vencer nesse dia, passaram pelo Monte do Tojal, S. Brás do Regedouro, Alcáçovas, e à noitinha chegaram ao destino, à Vila do Torrão, onde dormiram e pediram informações sobre a possibilidade de encontrarem emprego na barragem de Vale do Gaio.
Com base nas informações recolhidas, na madrugada seguinte, dia 05 de Abril, seguiram para o Vale do Gaio, depois, foram percorrendo o canal até ao Vale de Matanças na Crujeira, onde o encarregado das obras de uma empresa subempreiteira os contratou como serventes e para serviço geral, porque, segundo ele, todos que ali chegavam diziam que eram pedreiros, uma vez que ganhavam mais oito escudos e depois, não sabiam quase nada dessa profissão.
No dia 06 de Abril começaram a trabalhar num canal da dita barragem, no lugar de Vale de Matanças a ganhar a jorna de 14 escudos, cerca de 0,07 €, era pouco, mas era trabalho certo e forneciam-lhe as 2 sopas por 1 escudo cada e, somente no dia 24 de Abril foram reconhecidos como pedreiros, depois de darem provas disso e começaram a trabalhar para a Junta Autónoma das Obras de Hidraulica Agrícola, no canal geral a ganhar a jorna de 22 escudos, cerca de o,11 €, e em cada mês seguinte, foram aumentando a jorna até 26$50, cerca de 0,13 €.
No mês de Junho, como já tinham muito dinheiro no bolso, tornava-se perigoso, então decidiram ir levá-lo a suas casas à Aldeia de Ferreira e, ao mesmo tempo ver a família, pelo que, no sábado dia 23 de Junho de 1945 saíram da Vila do Torrão de manhã na camioneta da carreira de Manuel Martins e Sebastião Martins Lda. de Évora, até esta cidade, e à tarde partiram noutra carreira até à Vila do Redondo, onde chegaram à tardinha e daqui foram a pé até à Aldeia de Ferreira, cerca de 25 quilómetros, quase em linha reta, onde chegaram na manhã do dia 24 de Junho.
Os dois irmãos pedreiros, estiveram na Aldeia de Ferreira, entre 24 e 30 de Junho, neste dia, foram dormir à Vila do Redondo e no dia 01 de Julho às 09,00 horas embarcaram na camioneta da carreira até Évora e ás 17 horas de Évora para a Vila do Torrão, seguindo a pé até ao lugar onde andavam a trabalhar.
Entre o dia 23 de Outubro e o dia 04 de Novembro a minha avó Francisca esteve no Vale de Gaio, na Raposeira, fazendo o mesmo percurso, mas foram levá-la e a buscá-la numa carroça à Vila do Redondo.
Na sexta-Feira, dia 21 de Dezembro, partiram da Vila do Torrão, na carreira até Évora e à tarde seguiram de Évora para a Vila do Redondo, onde pernoitaram, e no dia seguinte de manhã, sábado, partiram a pé para a Aldeia de Ferreira, e chegaram a casa à noite.
Como ganharam algum dinheiro, endireitaram a vida económica, e como o trabalho na barragem era muito duro, além de estarem longe de casa e da família, então, decidiram não voltar ao Vale do Gaio, também, porque, entretanto, com o fim da guerra, a situação económica do país começou a melhorar e surgiram alguns trabalhos em Capelins que, mesmo ganhando menos, compensava ficar em casa, junto da família.
O bilhete da camioneta da carreira nesta época, de Évora para a Vila do Torrão custava 16$50 (cerca de 0,08 €) e de Évora para o Redondo 12$80 (cerca de 0,06 €) e eles ganhavam 26$50 (cerca de 0,13 €/dia), assim, a dita viagem entre o Torrão-Redondo, custava um dia de trabalho.
Fim
Texto: Correia Manuel

Através de pesquisas, pensamos que esta fotografia foi tirada no Domingo dia 04 de Novembro de 1945 na Vila de Torrão, na altura em que o avô trabalhava na Barragem de Trigo de Morais em Vale do Gaio.






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