terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar cogumelos em Santa Luzia

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi achar cogumelos em Santa Luzia

Decorria um dos pacatos anos no início da década de 1970, num sábado final do mês de Fevereiro pelas 10 horas começaram a juntar-se alguns rapazes numa taberna de Capelins de Baixo, à medida que chegavam pediam uma cerveja mini e juntavam-se aos que já estavam à mesa a ouvir e a rir das peripécias que o taberneiro lhe contava, passadas ao longo da sua vida.
Foram ouvindo, rindo e bebendo umas cervejas até que, um dos rapazes, o João aproveitou uma deixa e disse: - Ó rapaziada, já viram que horas são? A esta hora e a bebermos assim, como estamos lá para a meia noite?
Manel: Então, e o que queres fazer? Se tens alguma proposta melhor, venha ela!
João: Olha, estava-me cá a lembrar que podíamos ir aos tubarões e passavamos um belo dia no campo, e se acharmos alguns, logo faziamos uma friginada deles!
Manel: Mas qual tubarões? Vamos à pesca? Os tubarões são peixes muito maus, têm uma dentuça que trituram um homem em minutos! O que tu queres dizer são cogumelos!
João: Lá vens tu com as modernices, até parece que não és de cá, para mim e para toda a gente, aqui são tubarões, e ninguém sabe o que são "cagumelos"!
Manel: Cogumelos, mas pronto, está bem, vamos embora! E vamos para onde? Ali para o canto da Igreja?
João: Para o canto da Igreja a esta hora? De madrugada, ainda não se vê nada e já está cheio de gente, nem os deixam sair da terra! Não, aí não achamos nada, vamos para Santa Luzia!
Manel: Para Santa Luzia a esta hora? E como passamos a Ribeira de Lucefécit? Decerto leva muita água!
João: Vê-se logo que já não conheces aqui nada, vamos daqui em linha reta, nem meia hora levamos, vamos aqui pelo Monte da Figueira, Poço da estrada, subimos o Malhão, Negra, depois do Monte do ti Nunes vamos por uma vereda que vai ter ao Moinho do Bufo, passamos aí a Ribeira por uma ponte que o senhor Martins fez, igualsinha à ponte sobre o Tejo, em pequenina, depois é logo ali!
Manel: Então, vamos embora, quem é que quer vir com a gente?
A rapaziada levantaram-se todos e não passou muito tempo, estávamos a caminho de Santa Luzia, sem levar saco para os cogumelos, nem água nem comida. A viagem foi rápida e correu bem até junto ao Moinho do Bufo, mas nesse lugar surgiu o primeiro problema, o Manel via a Ribeira de Lucefécit, mas não via a tal ponte sobre o Tejo descrita pelo João e perguntou-lhe:
Manel: Ó João, então a ponte sobre o Tejo abalou água abaixo?
João: Não, não abalou, é que daqui, por causa do Moinho não se vê, mas está aí atrás!
Manel: Então e como é que lá chegamos? Por dentro do Moinho?
João: Não, vamos aqui por trás, encostamos as costas ao Moinho e vamos até à ponta, depois está logo aí a ponte, agarramos os cabos de aço dos lados e passamos para o outro lado! Vá, vamos embora, eu vou à frente para verem como se faz!
O João iniciou a travessia da Ribeira de Lucefécit pela miniatura da ponte sobre o Tejo, ou seja, pelo passadiço do Bufo, e todos seguimos em fila atrás dele, não foi nada fácil, mesmo sem vento, abanava muito, mas lá chegámos à outra margem na herdade de Santa Luzia.
O grupo começou logo a olhar para os lugares onde desconfiavam que podia haver cogumelos, mas o João gritou que não era ali, e como ele é que sabia onde eram os bons calos de cogumelos foi guiando a rapaziada por Santa Luzia acima, na direção do entalão da Moura.
O tempo foi passando e não apareciam cogumelos, estava um dia de sol, já aquecia, e o cansaço começou a incomodar e a surgir alguma impaciência, até que, o João achou os primeiros cogumelos, já abertos, pareciam chapéus de sol abertos na praia, em pequenino, isso subiu o ânimo da rapaziada e daí a pouco, todos começaram a achar alguns, então, foi quando se lembraram que não tinham saco nem cesto para os guardar e, alguns improvisaram metendo-os dentro das boinas, chapéus ou camisolas, ficando este problema resolvido, mas pouco depois, surgiu outro muito pior, foi a fome, não havia nada para comer no campo, até os pêros bravos difíceis de meter o dente, há muito que tinham dsaparecido e a solução foi começar a comer os cogumelos crus e beber água nos regatos, mesmo com algumas caganitas de ovelhas e bostas de vacas por perto, mas a água era muito saborosa.
Não passou muito tempo e o ambiente começou a ficar complicado e o Manel foi o primeiro a anunciar que se ia embora e, logo a seguir, quase todos disseram o mesmo, mas o João pediu para esperarem mais um pouco, porque sabia um sítio ali perto onde havia muitos tubarões e todos muito grandes, alguns pararam na espetativa de todos concordarem em ficar, mas o Manel disse que, mesmo sem saber onde era o Moinho do Bufo e a ponte sobre o Tejo ou passadiço para passar a Ribeira, ia procurá-lo Ribeira abaixo e Ribeira acima e havia de o encontrar e decerto ia ter à Aldeia, como os outros rapazes o seguiram, o João não teve outro remédio senão acompanhar o grupo, passámos a Ribeira e depressa chegámos a Capelins de Baixo, cheios de fome e, só o João levava cogumelos, mas não houve friginada, porque, os poucos que cada um achou, mesmo crus, foram a nossa salvação, a natureza não nos abandonou.
Fim
Texto: Correia Manuel
Herdade de Santa Luzia



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