sábado, 10 de setembro de 2022

A lenda do pastor do Monte do Pinheiro em Capelins

 

A lenda do pastor do Monte do Pinheiro em Capelins
A peripécia relatada nesta lenda passou-se nos tempos em que Deus e o Diabo andavam pela Terra a negociar almas e quando ambos se deslocaram às terras de Capelins. Deus tinha de andar sempre com o olho no Diabo porque ele negociava as almas através de enganos e da trafulhice. Quando o Diabo chegou às terras de Capelins escolheu as melhores almas que lá havia e começou imediatamente o seu trabalho.
Este caso passou-se com um pastor que morava no Monte do Pinheiro, onde também tinha o curral das suas ovelhas e era dono de grande bondade e generosidade, ajudava todas as pessoas, principalmente os mais idosos que tinham dificuldades na mobilidade e as viúvas que não tinham filhos, partia a lenha, levava-a para casa, fazia-lhe o lume e tudo o que precisassem, uma boa alma, logo cobiçada pelo Diabo. Assim, foi ter com o pastor e pediu-lhe a alma, em troca, lá no Inferno dava-lhe um rebanho de ovelhas e podia ficar pastor até à eternidade. O pastor não aceitou a proposta, mas o Diabo não desistia e continuava a fazer-lhe ofertas irrecusáveis, mas o pastor recusava tudo. O Diabo estava já a ficar desesperado, porque não podia perder aquela alma, mas o pastor não cedia. Quando iniciava uma nova estratégia, já à noitinha, cantou um galo e o pastor disse-lhe: - Olha, cantou o galo, está na hora de encerrar as minhas ovelhas, por isso, vai-te embora daqui. O Diabo perguntou-lhe: O que tem a ver o canto do galo com o encerramento das tuas ovelhas? O pastor explicou-lhe que não usava relógio, fazia as suas tarefas conforme o cante dos galos. De manhã levantava-se cedo, assim que o galo cantava, ao meio dia jantava, (almoçava) quando o galo cantava, depois encerrava as ovelhas à noitinha quando o galo cantava, só ceava (Jantava) quando o galo cantava e deitava-se quando o galo cantava. O Diabo ficou muito intrigado e logo pensou em usar essa situação para ganhar a alma do pastor e disse-lhe: Então e se o galo não cantar já não fazes nada disso? Mas alguma vez o galo não cantou? Desde criança que me guio pelo canto do galo e nunca na minha vida falhou! Já o meu pai e meu avô o faziam! Disse o pastor! Nesse caso, queres apostar a tua alma em como ele hoje não canta até à meia-noite? Disse o Diabo! Não, eu nunca aposto, porque o meu pai disse-me sempre para teimar, mas nunca apostar! Disse o pastor! Mas se tens tanta certeza, se nunca falhou, que dúvida tens em apostar? Da minha parte se perder, prometo-te que nunca mais chego ao pé de ti e a tua alma fica para o Outro! Disse o Diabo! O pastor, pensou, pensou, e como estava cansado de tanto o ouvir, seria uma boa maneira de se livrar dele e, se nunca na vida dele, do pai e do avô o galo falhou em cantar, como é que agora podia falhar? E mesmo se falhar um galo, decerto há mais de cinquenta no Pinheiro e arredores! Aceito! Disse o pastor! Se até à meia-noite o galo não cantar, a minha alma é tua, mas basta cantar um galo e tu desapareces daqui para sempre! Aperta aqui as unhas, disse o Diabo e foi-se embora! Depois, o Diabo chamou os seus demónios e contou-lhe que a alma do pastor já era sua, mas os demónios tinham de fazer a sua parte sem falhar, deviam ir por todos os galinheiros das terras de Capelins e apertar os garganetes a todos os galos e frangotes, porque não podia cantar nenhum galo nas terras de Capelins e também não havia nenhum problema, porque as donas iam pensar que tinha sido moléstia!
Estava um anjo, mandado por Deus, escondido atrás de uma oliveira no Pinheiro que assistiu e ouviu tudo e foi correr contar a Deus, que logo comentou: - Mais uma alma perdida e esta que é tão boa, temos de salvá-la, esteve a pensar, deu um ovo ao anjo para entregar ao pastor e explicou-lhe muito bem o que ele tinha de fazer com o ovo, antes da meia-noite.
Como o galo não cantou à noitinha, o pastor encerrou as ovelhas fora de horas, foi para casa para cear (jantar) e ficou à espera das ordens do galo, mas ele não cantou! Naquele momento bateram à porta, foi ver e era o anjo que lhe contou o que se estava a passar e disse-lhe que a alma dele já era do Diabo. O pastor não acreditou e o anjo perguntou-lhe se já tinha ouvido cantar algum galo naquela noite! Não, não ouvi! Por isso, não encerrei as ovelhas à hora certa e ainda nem ceei, (jantei) tenho aí umas sopinhas de grãos com toucinho e um taçalhinho de carne, estou cheio de fome, mas ainda não as comi à espera que o galo cante! Disse o pastor! Então não esperes mais, porque o galo não vai cantar! Disse o Anjo! O pastor já convencido, chorou, lamentou-se que não tinha feito o que o pai lhe dizia, para nunca apostar e agora estava desgraçado! Então o anjo disse-lhe que, se fizesse o que Deus mandou, ainda podia salvar a sua alma! O que tenho de fazer? Perguntou o pastor! E o anjo disse-lhe: Primeiro, deves continuar a ajudar as pessoas que precisam, mas vai lá buscar o relógio, que vai fazer-te muita falta, tens de lhe dar corda, acertá-lo, aprender a ver bem as horas e às cinco para a meia-noite, atiras este ovo a rolar pela vereda entre o Pinheiro e Capelins de Baixo, mas não podes falhar as horas, por isso não te podes deitar até à meia noite para não te deixares dormir! Disse o Anjo! O pastor comeu as sopinhas e foi sentar-se no alto do Pinheiro, junto à vereda, entretanto o Diabo andava por Montejuntos à procura de almas, mas às cinco para a meia-noite estava a chegar ao Pinheiro, veio pelo lado do Monte Novo e já com as unhas no ar para as pôr no ombro do pastor, este atirou o ovo que rolou pela chapada abaixo e quando chegou à pedra da primeira escadinha do Pinheiro partiu-se, saindo dele um grande galo, muito lindo com uma plumagem nunca vista, ficou nessa primeira escadinha, empertigou-se todo e cantou de tal maneira que se ouviu em todas as terras de Capelins! O Diabo deu dois pulos para trás e foi-se embora das terras de Capelins, para sempre, onde até hoje, nunca mais foi avistado!
O pastor do Pinheiro continuou a ajudar as pessoas até ao fim da sua vida!
Bem hajam os pastores do Pinheiro!
Fim
Texto: Correia Manuel

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