quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A lenda do Chico franzino que enganou o Padre de Capelins

 A lenda do Chico franzino que enganou o Padre de Capelins 

Conta-se que, na quinta feira, dia 10 de Setembro do ano de 1840, o Pároco de Santo António, padre Manoel de Sancto Ignácio Pereira, estava na casa paroquial fazendo a sua escrita quando bateram à porta, era um portador que, de caminho para Terena, trazia um pedido do morador numa das casas que existiam junto ao moinho do Roncão, para que o padre fosse dar os Sacramentos ao seu pai que estava mesmo nas abaladas e sublinhou, para ir depressa ou então já não valia a pena ir lá, porque o homem estava mesmo pelas pontas. 
O padre ouviu o passante e exclamou: - Mas como é que agora vou? O sacristão foi a Terena buscar umas coisas para a Igreja, levou a burra e não há aqui mais nenhuma! 
Pois! Não sei senhor padre, foi o que me pediram para lhe dizer! Respondeu o passante! 
Está bem! Eu vou já! respondeu o padre! 
O padre chamou a mulher do sacristão, contou-lhe o que se passava e disse-lhe que tinha de ir já, a pé, levava uma bucha, mas não precisava de levar água, porque havia muitas fontes por onde ia, e depois o sacristão quando voltasse de Terena que  fosse lá ter com a burra para o trazer de volta.
O padre foi pelo caminho mais direto, Monte Novo, Pinheiro, Ramalha e antes de chegar ao Monte da Zorra, onde havia muita água, já sentia uma sede insuportável, e o dia estava a ficar muito quente, então reparou numa choça perto do caminho, onde estavam alguns animais, galinhas, porcos, cães e outros, pensou logo que, decerto estava por ali alguém e que tinha de ter água, dirigiu-se à choça e gritou: - Está alguém?
Não demorou nada, saiu da choça um rapaz aparentando doze ou treze anos, muito franzino, ensonado, esfregando os olhos e demonstrando mau humor, o padre cumprimentou-o, mas ele não respondeu.
Padre: Então, como te chamas?
Rapaz: Sou o Chico!
Padre: Oh Chico, não arranjas um cocho de água ao padre? Estou cheio de sede!
Chico: Não temos cocho! 
Padre: Está bem! Eu disse cocho, mas eu quero é água, seja num cocho, num quartilho, num púcaro, numa tijela, seja lá onde for!
Chico: Não temos água! 
Padre: Essa agora! Não têm aqui água para beber? Onde vão beber?
Chico: Bebemos aqui, temos uma panela cheia e é além da fonte, mas a minha mãe disse-me para não lhe tocar, esta água é só para dar aos animais!
Padre: Eu tenho tanta sede, dá-me lá uma pinguinha que a tua mãe decerto não se zanga por matares a sede ao padre! 
Chico: Está bem! Espere aqui! 
O Chico entrou na choça, não demorou e voltou com uma tigela cheia de água para o padre, que bebeu com sofreguidão e no fim exclamou: "Boa água, fresquinha, muito saborosa, sabe mesmo a barro! Que sede eu tinha! 
Chico: Se gosta tanto dela, veja lá se quer mais uma tigela? 
Padre: Quero, quero, não posso negar, há tanto tempo que não bebia água tão boa! 
O Chico entrou novamente na choça e serviu mais uma tigela de água ao padre Manoel que a bebeu mais devagar, saboreando e repetindo: - Boa água, tão saborosa! O Chico já estava cansado de ouvir o padre a repetir a mesma coisa e como para ele a água não sabia a nada, pensou em pregar uma partida ao padre Manoel! 
Chico: Oh senhor padre, mas a água sabe-lhe a alguma coisa? A mim não me sabe a nada!
Padre: Se sabe Chico, se sabe, não me lembro de beber água tão boa, tão saborosa! 
Chico: Tão saborosa? Estive a pensar e já sei do que é esse sabor!
Padre: É a água da fonte que é boa e depois é o gosto do barro onde a têm!
Chico: Não, não, senhor padre, esse sabor deve ser o do rato que se afogou esta noite na panela dessa água, por isso a minha mãe disse para não lhe tocar, ou então é sabor que  ficou nessa tigela onde a minha avó faz o xixi todas as noites!  
Quando o Chico acabou as últimas palavras já ia a correr à frente do padre pela chapada acima e o padre Manoel a gritar que lhe arrancava as orelhas, que era um malandro, malcriado, insolente, porque isso não se fazia ao padre, mas lembrou-se da missão e desistiu de correr atrás do Chico, voltou e seguiu o seu caminho ao lado do Ribeiro do Carrão até ao seu destino. 
O padre ia zangado com o Chico e assim que chegou, começou logo a contar o que ele lhe tinha feito e, só quando desabafou é que se dirigiu à cama do moribundo para fazer o trabalho que ali a levou, dar-lhe os Sacramentos para poder entrar no céu.
O Chico já não se aproximou da choça enquanto não viu passar o padre Manoel de volta à tardinha, com o sacristão, passou o resto do dia atrás dos outeiros encoberto com os chaparros a espreitar, não fosse ficar sem orelhas.
O padre Manoel, durante uns dias contava a todos os paroquianos o desaforo do Chico e, rematava sempre: - Um franzino daqueles!
Os paroquianos davam-lhe razão e diziam: - Isso não se faz a um padre! Mas nas suas costas riam, riam e o Chico, passou a ser um herói em Capelins por ter tido coragem de pregar aquela partida ao padre Manoel. 

Fim 

Texto: Correia Manuel


Zorra - Capelins




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