quarta-feira, 7 de setembro de 2022

A lenda do tesouro do Pego das Barcas

 

A lenda do tesouro do Pego das Barcas 

Conta-se que, há cerca de 2.000 anos, instalou-se no Outeiro do Pombo (a montante do lugar da Cinza), na margem direita do rio Guadiana, uma tribo, que trouxe o seu gado, com bons conhecimentos de agro-pastoril. 
As terras de Capelins no vale do rio Guadiana eram procuradas, porque eram boas para a pastorícia de gado caprino e tinham a alternativa da pesca e água em abundância, pelo que, construíram um Castelo no ponto mais alto do dito outeiro  para defesa de eventuais ataques de invasores e dos animais selvagens que existiam nas redondezas. 
Começaram por juntar pedras, algumas de grandes dimensões, talhadas para assentarem umas sobre as outras, para construir paredes robustas, logo, muito largas, mas essas pedras tiveram de ser transportadas de lugares distantes e para o topo do outeiro, sendo um trabalho muito duro. 
Quando colocavam as pedras umas sobre as outras na parede, uma muito grande deslizou pela encosta  e caiu no pego das barcas, um dos mais fundos nesta área do rio Guadiana. 
A pedra ficou tão bem colocada, que parecia nivelada, e que tinha sido ali colocada por mão humana, o pego era fundo, mas nos anos de grande seca, os mais aventureiros conseguiam mergulhar até ao fundo, acabando por descobrir a pedra que já lá estava há cerca de 3.000 anos e que devido ao seu formato e como estava disposta começou a despertar atenção, não demorando a ser tema de falatório e invenções sobre a descoberta. 
Depressa se espalhou a fama que, debaixo daquela pedra estava um tesouro, constituído por muito ouro e prata, deixado por uma tribo Celta, a mesma que construiu o Castelo e cada vez se ouvia mais pelas terras de Capelins, até que um dia os lavradores dos Montes, da Talaveira, Negra e Amadoreira, encontraram-se por coincidência perto do Moinho das Azenhas D' El-Rei e, conversa puxa conversa, foram ter ao cobiçado tesouro. 
O Lavrador da Negra apresentou a ideia dos três tirarem o tesouro do fundo do pego, dividi-lo e saírem de Capelins, porque aquele tesouro era uma fortuna tão grande que daria para construir vários palácios e nunca mais faziam nada. 
Os lavradores muito entusiasmados, concordaram  em tirar o tesouro e  combinaram como fazer, o lavrador da Talaveira banhava melhor que um peixe, seria ele a mergulhar ao fundo do pego, atava as cordas à pedra que tapava o tesouro e depois a junta de bois do lavrador da Amadoreira que era a melhor, puxava a pedra para o lado e ele voltava a mergulhar e trazia o tesouro para cima. 
Os lavradores tinham de enganar o povo, para não terem de dividir o tesouro, ou no caso do tesouro já lá não estar, ninguém podia saber senão eram alvo de chacota tesouro não existir, o que ninguém podia saber, porque fariam chacota e eles perdiam a sua honra e o respeito de toda a gente, pelo que, decidiram em fingir que faziam uma paródia no rio Guadiana, para isso, levavam um garrafão de vinho, pão, chouriças e um bocado de toucinho.
No dia marcado, foram muito cedo, estava um lindo luar que trespassava as águas do pego das barcas, ficaram pasmados, porque o que estavam a ver de certeza era o brilho do ouro e da prata, que se devia ter escapado do tesouro e transmitia aquela luz através das águas do rio Guadiana. era a prova de que o tesouro existia, logo estavam muito ricos.
Os lavradores levaram a carreta (carroça), puxada pela junta de bois do lavrador da Amadoreira, até junto ao pego das barcas, a qual carregava os instrumentos necessários ao trabalho que iam realizar, cordas, paus, madeiros para servirem de rolamentos para apoio das cordas, sacos e grandes panos para tapar o tesouro. 
Com muito cuidado, evitando fazer barulho e alertar alguém que por ali andasse, começaram a descarregar a carreta, para ao romper da aurora estar tudo pronto, mas naquela hora da madrugada no rio Guadiana até se ouviam respirar os peixes, logo, o som daquela azáfama depressa chegou aos ouvidos apurados de um ganadeiro que andava por perto, o qual, com receio não fossem invasores para roubar o gado, foi logo perguntar ao ajudante se tinha visto ou ouvido passar alguém para aquelas bandas? Não! Eu não vi nem ouvi nada! Respondeu o ajudante! Então, tenho que ir ver o que se passa! E lá foi encontrar o que já descrevemos. Esteve a observar, sem ser visto, e logo se apercebeu o que os lavradores estavam a fazer. Foi a correr até onde estava o ajudante e disse-lhe que fosse imediatamente, dizer a toda a gente das redondezas o que se estava a passar, porque achavam que o tesouro era de todos! E não demorou muito, havia gente de todo o lado, até de Cheles, a espreitar, em cima de azinheiras, detrás de moitas, de rochas e de estevas, muito pertinho dos lavradores que, com o entusiasmo, não deram por nada! 

Já se via bem, com um palmo de sol e tudo preparado, as cordas estendidas, passando por cima dos madeiros e com uma laçada para passar pelos lados da pedra que tapava o tesouro e a junta de bois em posição de a puxar e abrir o tesouro. O lavrador da Talaveira, bom banhista, mergulhou e levou as cordas por debaixo dos braços, chegou ao fundo do pego, ligou-as bem à pedra e veio à tona de água a dizer que a junta de bois já podia entrar em ação!
Estava tudo preparado, as cordas ligadas à canga da junta de bois e os lavradores dos Montes da Negra e da Amadoreira colocados em frente dos bois deram a ordem para os animais puxarem a pedra com quanta força tinham e era muita, mas eles pararam e a pedra não mexeu. Ficaram pasmados e decidiram picar os bois que avançaram imediatamente como se não estivessem em esforço e foi difícil de os parar! O arranque dos animais foi tão brusco que a pedra foi arrastada e ficou virada a alguns metros de distância do lugar onde se encontrava, até que, não era tão grande como parecia, devido ao efeito da água. A seguir, o lavrador do Monte da Talaveira mergulhou com muito medo, porque não imaginava o que ía encontrar, com cautela, olhando em sua volta foi-se aproximando do lugar onde antes estava a pedra a tapar o suposto tesouro, mas não viu nada, procurou até aguentar o fôlego, quando veio à tona de água deixou os outros perplexos porque não trazia nada! Então o tesouro compadre? Perguntaram os dois ao mesmo tempo! Não vejo lá nada, respondeu o lavrador da Talaveira! Não pode ser, deve estar metido na rocha, leva lá a enxada para tirares a areia e o lodo, que de certeza que está lá! Disseram-lhe os dois lavradores! O lavrador da Talaveira nadou para baixo, para cima, para cima, para baixo, usou as ferramentas todas, para escavar na areia, para bater nas rochas e tentar encontrar alguma saliência e ainda mergulhou com ele algumas vezes o lavrador da Negra, viram o fundo da pedra, podia ter alguma cavidade com o tesouro, mas nada! Andaram neste trabalho mais de duas horas até se convencerem que não existia nenhum tesouro no fundo do pego das barcas! 
A pouca distância, continuavam escondidos os observadores, que assistiram a tudo e, também já estavam convencidos que o tesouro não existia, mas estava prometido que não íam perdoar os lavradores pelo seu atrevimento de tentarem roubar o tesouro que era de todos, por isso, o pior ainda estava para vir!
Os lavradores dos Montes, da Negra, Talaveira e Amadoreira estavam convencidos de que não existia nenhum tesouro no fundo do pego das barcas e carregaram as cordas, os paus, madeiros e as ferramentas, na carreta (carroça) dos bois e partiram para os seus Montes muito tristes e amargurados que nem comeram, nem beberam o vinho que tinham levado. Os observadores voltaram ao seu trabalho, outros foram para os seus montes, mas jurando que não esqueceriam o que os ditos lavradores tinham feito, podiam ter ficado com o tesouro que se considerava ser do povo de Capelins. Os que assistiram ao trabalho dos lavradores encarregaram-se de espalhar por toda a região a novidade e sempre foram acrescentando mais alguns pontos, passaram uns dias e não se falava noutra coisa por todo o lado. Os lavradores começarem logo a desconfiar que as pessoas sabiam alguma coisa, porque quando passavam, ficavam a cochichar e a rir, e até os seus criados andavam diferentes. Alguns ganadeiros e jornaleiros, quando os cumprimentavam já nem lhe tiravam o chapéu, o mesmo é dizer que não lhe tinham respeito e começaram a surgir as piadas. Então compadre, já lá tem tesourinhos' ou a "tesoura" ainda está a chocar os ovos no pego das barcas? E muitas outras! Foram uns tempos muito difíceis para estes lavradores, que durou, durou! 
Quanto ao tesouro, toda a gente continuou a dizer que está lá, muito perto do Castelo das barcas e que um dia há-de aparecer! há-de, há-de! E nesse dia, dá-se o esplendor nas terras de Capelins.


Fim 
Texto: Correia Manuel 

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