segunda-feira, 26 de setembro de 2022

A lenda dos Irmãos, Pastores da Póvoa Nova, Serra da Estrêla

 A lenda Irmãos, Pastores da Póvoa Nova, Serra da Estrêla

 No Domingo dia 9 de Março de 1845, ao lusco fusco, o ti José de Brito, pastor na Defesa de Ferreira, que tinha a Choça perto do Monte do Escrivão onde também tinha uma casa, voltava de Capelins de Baixo e já tinha bebido uns copos de vinho, quando ia no alto do malhão, tropeçou ou escorregou na estrada lamacenta e foi de encontro a outro transeunte que vinha em sentido contrário, dando-lhe uma grande cabeçada no peito! O homem ficou muito zangado e exclamou: 
Transeunte: Oh homem, vocemecê está maluco? Ou já vem bêbedo? 
Ti José: Nem uma coisa nem outra, veja lá como fala, senão leva mesmo a sério!
Transeunte: Olha este! Então vocemecê dá-me uma cabeçada, sem mais nem menos e ainda quer ter razão?
Ti José: Não foi sem mais nem menos, vocemecê não viu que foi sem querer! Escorreguei e fui aí ter consigo!
Transeunte: Veio ter comigo e bateu-me, mas é porque já vem com o grão na asa, senão isto não tinha acontecido!
Ti José: Já lhe disse para ter tento na lingua, vocemecê não sabe com quem está a falar!  
Transeunte: E vocemecê sabe? Por isso tenha muito cuidado, não sabe do que eu sou capaz de fazer! Espere lá! Não me diga que também é lá de xima? Fala quase como eu! 
Ti José: Sou lá de xima, sou! Porquê? 
Transeunte: Porque eu também sou! De onde é vocemecê? 
Ti José: Eu sou da Póvoa Nova, da Serra da Estrêla! E vocemecê?
Transeunte: Eu também sou da Póvoa Nova! Então vocemecê é filho de quem?
Ti José: Eu sou filho do ti Xico Beiçude e da ti Rita Benta, que moravam ao pé do Ribeiro!
Transeunte: Sei muito bem onde moravam! Eu também sou filho deles! 
Aqui, os dois em coro exclamaram: Então somos irmãos!
Ti José: Então tu és qual? 
Transeunte: Eu sou o Joaquim! E tu? 
Ti José: Eu sou o José! 
Ti Joaquim: O José? E eu que pensava que o José era um dos cinco que se finaram! Vê lá se és a alma dele que anda penada e agora vens ter comigo! 
Ti José: Vê lá se queres levar outra cabeçada, para teres a certeza que sou eu, o José! 
Ti Joaquim: Não! Não! Já chegou a que me deste! Então abalaste de lá há tantos anos e nunca mais puseste os pés na Póvoa Nova! 
Ti José: Nunca mais! E não volto a pôr lá os pés! E tu onde andas com as ovelhas e desde quando? 
Ti Joaquim: Ando com as ovelhas  na herdade do Roncão! E vim quando vieram todos, em Novembro! E tu onde andas? 
Ti José: Eu ando aqui na Defesa e tenho uma casinha no Monte do Escrivão! Já tenho mulher e filhos! E tu, também tens? 
Ti Joaquim: Tenho, mas ficaram na Póvoa Nova! É muito longe para os trazer, são pequenos! 
Ti José: E os nossos pais ficaram bons? 
Ti Joaquim: O nosso pai já faleceu! A mãe está muito boa!
Ti José: O pai já faleceu? Com o quê? 
Ti Joaquim: Caiu de um carro de bois, ia em cima de uma carrada de palha e partiu o pescoço! 
Ti José: Olha, que descanse em paz! E a nossa burra?
Ti Joaquim: A nossa burra também já morreu!
 O ti José, começou a chorar e o ti Joaquim muito surpreendido perguntou-lhe:
Ti Joaquim: Olha lá irmão, quando te disse que o nosso pai tinha morrido nem choraste! Agora, quando te disse que a nossa burra morreu, fazes um pranto desses! Isso é porquê? 
Ti José: Isto é porque a burra andava comigo a "cavalo" e era a maior amiga que eu tinha na Póvoa Nova! E o pai dava-me uma surra todos os dias! 
Ti Joaquim: E a mim irmão! Adeus, até pode ser que ainda nos encontramos por aí! 
Ti José: Adeus irmão, pode ser que sim! 
O ti Joaquim e o ti José despediram-se nessa noite no alto do malhão e nunca mais se viram, embora o ti Joaquim continuasse a vir na transumância para a herdade do Roncão e outras vizinhas, durante alguns anos! 
Nessa época, as famílias eram tão numerosas que alguns irmãos mal se conheciam, porque, quando nasciam os irmãos mais novos, já os mais velhos estavam fora de casa em ajudas de pastores ou de outros ganadeiros e, muitos raramente punham os pés em casa. 

Fim 

Texto: Correia Manuel

Alto do Malhão 


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