sexta-feira, 9 de setembro de 2022

A lenda do Lavrador de Capelins

 A lenda do Lavrador de Capelins 

Decorria o ano de 1373, o senhorio da Villa Defesa de Ferreira, (hoje Freguesia de Capelins) encontrava-se na posse da Infanta Beatriz de Castro, filha do rei D. Pedro I e de Dª Inês de Castro, por doação de sua avó a Rainha Dª Beatriz esposa do rei D. Afonso IV. Estas terras eram exploradas através de arrendamento de parcelas a diversos agricultores que, ao mesmo tempo, tinham a missão de as defender de eventuais invasores, por isso se designava Villa Defesa, criada pelo rei D. Dinis em 1314. No alto que existe por cima do Monte do Ladrilho, atual Carrão, na margem direita desse mesmo Ribeiro, existia nesse tempo um grande Monte de um Lavrador, chamado António Gomes, onde o mesmo residia com sua esposa, os seus cinco filhos e muitos criados, explorava as férteis terras em seu redor, criava muito gado e fazia grandes colheitas de cereais. Como tinha grande abundância de gado e cereais, ao ouvir contar que se fazia uma grande feira em Badajoz e muito bons negócios, uma vez que não ficava muito longe e existia uma boa estrada ainda do período dos Romano que facilitava o acesso, não hesitou em carregar algumas carroças com cereais e gado e foi à feira de Badajoz, com dois dos seus filhos, o João e o Manoel Gomes e seis criados. A feira durava quinze dias e enquanto não vendessem tudo o que levavam não voltariam a Capelins. No segundo dia de feira, o Manoel Gomes reparou numa linda rapariga como nunca tinha encontrado na sua vida, ficou pasmado a olhar para ela e embora tivesse os cabelos e parte do rosto tapado com um lenço de seda deixava transparecer uma beleza pouco vista. A rapariga estava acompanhada dos pais e de uma irmão e também reparou logo no Manoel, não lhe tirava os olhos de cima, mas rapidamente a rapariga e a família seguiram o seu caminho. O Manoel ficou muito triste, pensando que nunca mais a via, mas enganou-se! No dia seguinte, lá estava novamente a rapariga com a família fazendo o mesmo trajeto e os olhares foram ainda mais intensos, só faltou falar um com o outro. Nessa noite, o Manoel quase não dormiu a pensar naquela rapariga de Badajoz. O pai e o irmão notaram que ele não estava bem, tinha grandes olheiras porque pouco tinha dormido e perguntaram-lhe o que se estava a passar! Um pouco acanhado, o Manoel contou que estava apaixonado por uma rapariga muito linda que tinha visto ali na feira e tinha a certeza que ela sentia o mesmo por ele e que era a mulher da sua vida, só não sabia como chegar à fala com ela, uma vez que vinha acompanhada da família. O pai e o irmão não duvidaram da verdadeira paixão do Manoel por aquela rapariga e prometeram ajudá-lo se ela ali voltasse!
No dia seguinte, quase à mesma hora apareceu a rapariga com a família e como ela já tinha contado que estava apaixonada por um desconhecido da feira e que sabia ser ele o homem da sua vida e nem comia nem dormia, foram direitinho ao Manoel e ao pai. Apresentaram-se, disseram os seus nomes e o da rapariga que se chamava Azize, estranharam o nome e pareceu-lhe muçulmano, mas os pais continuaram a contar quem eram comerciantes em Badajoz e o que se estava a passar com ela! O pai do Manoel, contou-lhe quem eram, onde moravam, o que faziam e disse-lhe que passava-se exatamente o mesmo com o seu filho e que estava de acordo a que se conhecessem melhor e até ao fim da feira decidiriam o que fazer! O pai da Azize explicou que professavam a religião muçulmana, mas já tinha falado com a filha e ela estava disposta a aceitar a fé do Manoel, pelo que por aí não existia nenhum problema. O Manoel e a Azize começaram a encontrar-se todos os dias e no fim da feira, não restavam dúvidas de que tinham sido feitos um para o outro e de acordo com as famílias decidiram que a Azize vinha com eles para Capelins, que ficava logo ali mais abaixo junto ao rio Guadiana, pertinho de Badajoz e brevemente se realizaria o casamento entre eles, mas primeiro teriam de ser ultrapassados alguns problemas, a Azize teria de mudar o nome, aceitar a fé cristã e só depois poderiam casar, o que ela aceitou sem hesitar. 
Assim que chegaram a Capelins, a Azize foi muito bem recebida por todos os familiares do Manoel, mas ao saberem que era muçulmana, ficaram muito surpreendidos, uma moura cá em casa? Compraste-a na feira? Disseram os irmãos mais novos! Mas foram logo sossegados, o Manoel e o pai informaram que ela já era praticamente cristã e que era filha de boas famílias, comerciantes de Badajoz e assim que o padre da Igreja Matriz da Villa Defesa de Ferreira (da Igreja que ficava ao lado da atual Ermida de Nossa Senhora das Neves), pudesse, começava imediatamente a aprender tudo sobre a religião cristã. Logo a seguir, o Manoel foi falar com o padre que se mostrou disponível para ensinar tudo a Azize e combinaram que ela mudaria o nome para Francisca, que era o nome da avó paterna do Manoel e assim ficou tudo acertado. A Francisca (Azize) começou logo a aprender o necessário que os permitisse casar pela Igreja e, em poucos meses realizaram o seu casamento. Parecia que a sua paixão era cada vez mais forte e a Francisca (Azize) já adorava a nova religião, a sua fé era imensa e desejava aprender mais e mais, todos os dias a levavam à Igreja onde o padre lhe dava todas as explicações e algumas vezes era o padre que se deslocava ao seu Monte. O lavrador, seu marido, trabalhava de sol a sol e muitas vezes entrava pela noite dentro, não conseguia dar-lhe a atenção que ela merecia e a Francisca, além dos trabalhos que tinha a seu cargo cada vez mais se interessava pela fé Cristã. Um dia de Janeiro, o Manoel, cansado da vida que levava e consciente da pouca atenção que estava a dar a Francisca, decidiu em deixar o trabalho mais cedo, chegando ao Monte ao escurecer e deparou-se com a sua Francisca a falar com um homem que estava de costas, com um capote e parecia que estavam em em grande discussão, não percebia tudo o que o homem dizia, mas ouvia muito bem a Francisca a dizer-lhe que quanto mais o conhecia mais o amava, muito mais do que ao próprio marido. O Manoel não acreditava no que ouvia, amar e muito amor que não o incluía e na sua cabeça foi aumentando o ciúme e já tinha a certeza que a mulher o andava a traír, ficou cego de raiva, tirou a espada que trazia à cintura, porque nesses tempos os homens da Villa Defesa de Ferreira, tinham de andar armados, para no caso de ser necessário defender estas terras, avançou furioso na direção de Francisca e num só golpe decepou-lhe a cabeça. O homem que estava com ela, deu um grito, o que fizeste? E voltou-se! Era o padre e quem ela dizia que muito amava, era Cristo. Mas já era tarde para reparar o erro! O Manoel, nem entrou em casa, desceu o Ribeiro do Carrão na direção da Ribeira do Lucefécit e desapareceu para nunca mais ser visto nas terras de Capelins! Mais tarde, ouviram dizer que andava louco, por Ceuta, mas os capelinenses diziam que, como o desaparecimento foi no mês de Janeiro, nunca passou o rio Guadiana! 


Fim 
Texto: Correia Manuel 



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