segunda-feira, 12 de setembro de 2022

A lenda do casamento por uma courela no Carrão

 A lenda do casamento por uma courela no Carrão

Nos tempos, não muito distantes, nas terras de Capelins e não só, eram os pais que decidiam com quem as suas filhas casavam, ou seja faziam a escolha dos respetivos maridos, cujos critérios eram em primeiro lugar os haveres ou perspetivas de heranças materiais que eles viessem a receber, o dote, aliado à linhagem, que primava por as famílias serem consideradas honradas. A fisionomia ou estrutura física estava em segundo lugar e se as filhas gostavam ou não do marido escolhido estava em último lugar. Esta peripécia que vamos contar, é sobre uma situação em que dois pais ajustaram o casamento dos filhos devido à estratégia de, no futuro, juntarem duas courelas muito boas, uma de cada um, que tinham no Carrão. 

O Ti Luís e o Ti José, eram seareiros e compadres, porque tinham afilhados em comum, um dia, andavam a lavrar nas suas courelas do Carrão e, no momento em que vieram voltar as parelhas de mulas ao topo das respetivas courelas, encontraram-se, cumprimentaram-se e começaram a falar do tempo, das searas, das suas vidas e a conversa foi por ali adiante, assim:

- Ti Luís: Eh compadre temos aqui umas boas courelas, as melhores que existem no Carrão e por aí! 

- Ti José: Pois temos, compadre, mas olhe que nós também as tratamos muito bem, vê-se aqui o resultado do nosso trabalho!
- Ti Luís: Oh compadre, as nossas duas courelas juntas, davam o governo de uma casa, dá-se aqui de tudo!
- Ti José: É mesmo isso que tenho pensado, compadre, e já agora, não leve a mal o que lhe vou dizer compadre! 
- Ti Luís: Ora essa compadre, parece-me lá mal alguma coisa, diga lá, faça favor! 
- Ti José: Então e se a minha filha Maria casasse com o seu filho o João, assim, já podíamos juntar as duas courelas e ficava só uma para eles!
- Ti Luís: Oh compadre, eu não tenho pensado noutra coisa, isso era o melhor que podíamos fazer! Mas oh compadre, ela "cararáu"? 
- Ti José: Oh compadre, mas desde quando é que ela tem de querer, ou deixar de querer? 
- Ti Luís: Desculpe, pois não compadre, pois não tem, mas há aquele problema com o meu João e assim, não sei! 
- Ti José: Mas qual problema compadre! Ele nem coxeia muito e, onde é que a minha Maria vai arranjar um rapaz com tantas terras como vai ter o seu João? E estas courelas! Está resolvido compadre! 
E ficou combinado entre os compadres que a Maria casava com o João, gostasse ou não dele! 
A situação foi comunicada às famílias e a Maria, mais tarde, casou com o João, que não amava, nem nunca amou, não por ser coxo ou feio, ele era muito boa pessoa e tratava-a muito bem, mas ela nunca foi feliz, porque quando o casamento foi ajustado, havia muitos anos que andava perdida de amores por um rapaz do Monte do Salgueiro, que nunca conseguiu esquecer, mas era assim nos anos de 1850, podiam casar por uma courela, mesmo sem amor! 
Hoje, já ninguém casa por courelas! 

Fim 

Texto: Correia Manuel



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