quarta-feira, 14 de setembro de 2022

A lenda da partida do ti Xico Charrua ao ti Pedro Louceiro

A lenda da partida do ti Xico Charrua ao ti Pedro Louceiro 

O Ti Xico Charrua era um taberneiro, dono de uma taberna que existiu em Capelins de Baixo, cerca do ano de 1836, que veio de Vila Viçosa com a sua família à procura das oportunidades anunciadas nas terras de Capelins, para onde vieram muitas famílias, devido à partilha das herdades em courelas, que foram vendidas ou arrendadas aos seareiros. O Ti Xico Charrua vendia vinho, aguardente e pouco mais, às vezes algum licor e não havia mais nada, porque, também ninguém comprava mais nada, também gostava de beber o seu copinho de vinho e dominava todas as conversas, sabia sempre mais do que os fregueses, como diziam, ficava sempre por cima, ninguém se atrevia a contrariá-lo, até ao dia em que chegou a Capelins de Baixo, o Ti Pedro Louceiro, natural do Redondo que vendia louça de barro, com o seu burro, pelos Montes e Aldeias, entre o Redondo e o rio Guadiana. Carregava o seu burro no Redondo, com panelas de vários tamanhos, tigelas de fogo, cântaros, cântarinhas, barris, barranhões, alguidares e algumas louças miúdas, dava essa volta e só voltava ao Redondo quando tivesse vendido tudo, carregava novamente e fazia sempre a mesma volta, algumas vezes ao contrário, se tivesse alguma encomenda de relevo, tarefas para as azeitonas ou azeite ou alguidares grandes. O primeiro embate de conversa entre o Ti Xico e o Ti Pedro, deu logo que falar na região, diziam que o Ti Xico não esteve à altura e teve de se calar, nem piava e mais isto e mais aquilo. Cada vez que o Ti Pedro entrava na taberna, o Ti Xico ficava irritado porque não se podia expandir e ficava retraído, os fregueses sabiam disso e alguns picavam, dizendo-lhe que o Ti Pedro sabia muito e sabia o que dizia e ele para não ficar envergonhado tinha de se calar. Aquela situação atormentava-o e começou a dar voltas à cabeça para encontrar uma maneira de o enrolar, mas o homem sabia mesmo muito e o caso estava difícil de resolver. Uma tarde, o Ti Pedro chegou com o burro carregado de louça e entrou na taberna, cumprimentou os presentes, puxou da sua bucha, um pão, azeitonas, toucinho, torresmos, uns figos secos, uma grande fartura para a época, era já a ceia (jantar), pediu um copo de vinho e comeu sem dizer nada. Entretanto começou a chover muito e fez-se de noite muito cedo, o Ti Pedro era para ir dormir ao Monte da Zorra, mas com tanta chuva começou com medo de se meter a caminho e pediu ao Ti Xico se podia dar-lhe guarida, no cabanão das burras, onde ele tinha uma tarimba com umas sacas de palha e servia para algum almocreve ou maltêz ali dormir. O Ti Xico não esperava aquele pedido, porque o Ti Pedro nunca ali tinha dormido, ficava sempre no Monte da Zorra ou da Negra, mas repentinamente viu a oportunidade da vingança e respondeu: Pode dormir ali, pode, e até pode dar palha da minha ao burro, mas em troca tem de me prometer uma coisa! 

- Ti Pedro: Então diga lá Ti Xico! 

- Ti Xico: Dorme ali na tarimba, no cabanão das minha burras, mas tem de me prometer que não se borra na cama! 
- Ti Pedro: Então, mas que conversa é essa, eu sou lá homem disso? 
- Ti Xico; Não sei, não era o primeiro, depois eu é que tenho de lavar as sacas da palha, por isso, é pegar ou largar, mas mais uma condição, no caso de se borrar na cama eu vou contar a toda a gente das terras de Capelins e arredores, está bem?
- Ti Pedro: Oh homem, se quer assim, está bem, já lhe disse que não sou pessoa para isso! 
- Ti Xico: Então vá, mas não esqueça o combinado, pode descarregar o burro, metê-lo no cabanão e se quiser pode deitar-se! 
- Ti Pedro: É Já mesmo agora, hoje estou muito cansado, abalei do Redondo de madrugada e ainda não parei, até amanhã e foi-se deitar! 
O Ti Xico, já tinha na ideia como seria a vingança e assim que fechou a taberna, foi a correr ao chiqueiro do porco, apanhou um pouco de cócó, para um caco, misturou-lhe água e farinha, misturou tudo bem, era um cheiro péssimo, empurrou muito devagarinho a porta do cabanão e logo à entrada já ouvia o Ti Pedro a ressonar, dormia profundamente, virado de lado. mesmo a jeito do Ti Xico lhe colocar o material por baixo das nádegas e saiu como entrou. Pela noite dentro, o Ti Pedro virou-se na tarimba e ficou todo envolvido na massa mal cheirosa, acordou muito aflito, cheirou-lhe logo muito mal, meteu lá a mão, levou ao nariz e exclamou alto: Ai minha mãe, já me borrei todo! E agora? Deixou-se ficar quietinho, a massa foi secando e logo de madrugada carregou o burro com a louça, meteu-se ao caminho, foi lavar-se ao ribeiro da estrada e seguiu de Monte em Monte a vender a sua louça. O Ti Xico, não contou nada a ninguém, mas os fregueses andavam desconfiados, por aquela mudança, nas conversas o Ti Pedro estava sempre ao lado do Ti Xico, que voltou a cantar de galo e quando o Ti Pedro o tentava contrariar ele olhava para ele e exclamava: Tarimba! Para o lembrar o que tinha acontecido na tarimba (cama), o outro mudava logo a conversa a seu favor. Anos mais tarde um compadre do Ti Xico perguntou-lhe o que se tinha passado, porque toda a gente sabia que ele tinha o Ti Pedro na mão e também queria saber o que queria dizer "Tarimba", que fazia corar o homem? Foi então que o Ti Xico contou tudo ao compadre e a partir daí soube-se pelas terras de Capelins, onde, ainda hoje, a palavra "Tarimba" significa, entre outras coisas, "cala-te", "põe-te a andar daqui"! 
O Ti Pedro louceiro, entretanto, deixou de aparecer a vender louça de barro, devido à sua idade e o Ti Xico Charrua continuou a cantar de galo na sua taberna em Capelins de Baixo!
Outros tempos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Aldeia de Ferreira 



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