segunda-feira, 19 de setembro de 2022

A Lenda da Comadre dos Pastores do Monte da Capeleira

 A lenda da Comadre dos Pastores do Monte da Capeleira 

Decorria o sereníssimo ano de 1817 e, em Maio nasceu mais uma filha do Ti Manoel Frade e de sua legítima mulher Ti Leonor Gomes, pastores do Monte da Capeleira. Com o nascimento dessa menina ficaram com oito filhos, o que nessa época não era considerada uma Família numerosa. As madrinhas dos seus filhos eram todas moradoras neste Monte e, já estavam esgotadas. Dizia-se nas terras de Capelins que não era bom, dois irmãos terem a mesma madrinha, logo os pastores estavam perante um dilema, onde iam encontrar uma madrinha para a sua menina, tinha de ser uma pessoa com posses, para lhe dar uma boa prenda e, se necessário a poder amparar na sua vida. Um e outro falaram em nomes, mas não conseguiam acertar as ideias, a pessoa que um indicava, logo o outro dizia quem não podia ser, por isto e por aquilo e, assim passou o tempo limite para o batismo da menina. No dia do batismo os pastores tiveram grande discussão e o Ti Manoel jurou perante Deus que ia batizar a menina e a madrinha seria a primeira mulher que encontrasse entre o Monte da Capeleira e a Igreja de Santo António e saiu da choça todo alvoraçado. Foi pelo Monte de Calados, Monte Real, Portela e não encontrou nenhuma mulher frente a frente, mas sabia que moravam várias mulheres junto à Igreja e decerto lá encontraria a madrinha, mas quando avistou a Igreja de Santo António, junto ao primeiro cruzeiro, vinha uma velhinha encostada a um pau, com um bornal e um cobertor velho às costas, enrolada nuns trapos, cumprimentaram-se e encetaram conversa, ela falava muito bem, contou ao Ti Manoel que andava à pida, era uma pobre mendiga, morava em Santiago e que já lhe custava muito andar de terra em terra a pedir, mas tinha de ser, para poder comer. O Ti Manoel gostou dela e contou-lhe o que ia fazer e o que tinha prometido perante Deus. Então, a velhinha nem o deixou acabar a conversa, disse-lhe que seria ela a madrinha da menina, porque se Deus ali os juntou era porque queria que fosse ela a madrinha, ele hesitou e pensou, como podia aceitar uma mendiga como comadre e madrinha da filha, nem lhe podia dar prenda e muito menos algum amparo na sua vida e o que diria a sua mulher! A velhinha insistia, que tinha de ser ela a madrinha, era Deus que assim queria, dizia ela, e o Ti Manoel pôs-se a pensar, pensar! 
O Ti Manoel Frade depois de muito pensar não encontrou maneira de quebrar o juramento que tinha feito a Deus, porque se o quebrasse podia cair alguma desgraça sobre a menina, então aceitou e foram os dois bater à porta da casa Paroquial. O Pároco de Capelins Marcos Gomes Pouzão, veio abrir a porta, cumprimentaram-se e o Ti Manoel explicou-lhe ao que vinha. o Pároco, perguntou-lhe onde estava a menina, porque para a batizar e pôr os Santos Óleos ela tinha de estar ali. O Ti Manoel disse-lhe que a menina ainda não podia sair da choça, ainda era muito pequenina e, se o Pároco pudesse ficava já registada e dentro de um mês trazia a menina e a família toda e punha-lhe os Santos Óleos. Está bem! Disse o Pároco, e esta mulher o que quer daqui? Esta mulher é a madrinha da minha filha, mais a Nossa Senhora do Rosário, disse o Ti Manoel! Esta mulher? Inquiriu o Pároco! Sim, tem mesmo de ser, disse o Ti Manoel! Então está bem, disse o Pároco e mandou-os entrar. Começou a redigir o assento paroquial, foi escrevendo com muita calma, o nome dos pais o dia e hora do nascimento de um indivíduo do sexo feminino a quem dei o nome de: Aqui perguntou ao Ti Manoel e à madrinha como era o nome da menina! O Ti Manoel ficou surpreendido e disse: Então, tem de ser o nome da madrinha, que nem ele sabia! Nessa época não podia ser outro! O Pároco virou-se para a madrinha e perguntou-lhe como se chama: Eu? Eu sou a Agapita de Jesus, disse a madrinha! É o quê? Gapita? Perguntou o Pároco! Não! A GA PI TA! disse a Ti Agapita! Está bem, eu percebi! Disse o Pároco! Nesse momento o Ti Manoel levou as mãos à cabeça e pensou: "Ai valha-me Deus, já não bastava uma comadre mendiga, ainda vou ter uma Agapita", como é que eu vou explicar isto à minha mulher! Mas não havia nada a fazer e a menina ficou com o nome da madrinha, Agapita! Findo o registo, o Pároco perguntou à Ti Agapita: Não sabe escrever o seu nome? Pois não? Sei, sim senhor Padre, oh se sei, disse a Ti Agapita! Sabe, ora essa? Então assine lá aqui, que eu tenho o dia todo, posso esperar! Disse o Pároco. A Ti Agapita pegou no aparo com tinta e escreveu o seu nome com uma rapidez e letra tão bonita, incomparável à do Pároco, que ficou pasmado! 
Depois do registo da Agapita, cada um foi à sua vida e o Ti Manoel, voltou à choça no Monte da Capeleira. 
A Ti Leonor e filhos já estavam à espera dele para saberem o nome da menina e tinha feito um almoço melhorado por ser o dia do batizado da sua menina, mas ele ia tão transtornado que nem queria conversa e foi difícil chegar à fala com ele, a Ti Leonor percebeu que ele estava muito triste, que alguma coisa não tinha corrido bem e com muita calma tornou a perguntar-lhe: 
Ti Leonor: Manoel, sempre batizaram a nossa filha? 
Ti Manoel: Sim, já está batizada! 
Ti Leonor: Então, quem é a madrinha e como se chama a nossa menina? 
Ti Manoel: Oh mulher eu nem te posso contar o que se passou, nem quem é a nossa comadre, nem o nome da nossa menina, isto foi uma grande desgraça! 
Ti Leonor. Oh homem, mas a desgraça é assim tão grande? 
Ti Manoel: É maior do que tu pensas!
Ti Leonor: Mas conta-me lá, tudo se há-de resolver, porque o que é preciso é saúde!
O Ti Manoel, respirou fundo, ganhou coragem e contou tudo o que se tinha passado. Todos choraram, alguns sem saberem porquê! A Ti Leonor não se cansava de repetir: "A minha filha é Gapita! E o Ti Manoel corrigia "Agapita"! É a mesma coisa, dizia a Ti Leonor! Aqui o Ti Manoel, disse à mulher e aos filhos: Olhem lá, a nossa menina chama-se Agapita Maria, então, podemos chamar-lhe simplesmente Maria, e a Agapita fica esquecida! Mas simplesmente porquê? Não lhe podemos chamar só Maria? Disse a Ti Leonor! Sim! Só Maria, disse o Ti Manoel! E todos ficaram contentes por essa ideia e do desaparecimento da Agapita, mas estavam enganados, porque nas terras de Capelins ao saberem o nome da menina dos pastores da Capeleira, começaram a chamar-lhe a Gapitinha e, assim ficou a menina Gapitinha! 
O Ti Manoel e a Tia Leonor, ficaram esperando que algum dia a comadre mendiga Agapita, aparecesse na choça, para ver a afilhada e, já tinham tudo falado, mostravam-lhe a Gapitinha, davam-lhe um pão e dois queijos e pediam-lhe para seguir o seu caminho, mas a Ti Agapita, nunca apareceu no Monte da Capeleira! 
A Gapitinha foi crescendo, entre a choça e o Monte da Capeleira, tinha uma infância normal para a época, como os pais eram pastores, era inevitável a sua ligação à vida da pastorícia. O Ti Manoel e a Ti Leonor, por curiosidade, iam pedindo informações a mendigos de Santiago Maior, que por ali apareciam, sobre a vida da sua comadre Agapita, mas depois de três quatro anos, já ninguém sabia da vida dela e eles pensaram que já Deus a tinha, mas ainda não tinha, só que já não conseguia fazer os caminhos de Capelins, à "pida", estava na sua pobre casa na Aldeia da Venda. 
No Domingo de Ramos de 1825, os lavradores do Monte da Capeleira foram à Missa a Santo António e, depois da cerimónia da dita e do benzer do alecrim, o Pároco Marcos Gomes Pouzão, na hora da despedida, pediu-lhe o favor de de dizerem ao Ti Manoel Frade que fosse falar com ele, porque tinha uma encomenda para lhe entregar, mas tinha de ser mesmo a ele. O lavrador do Monte da Capeleira, depois de almoçar foi dar o recado ao Ti Manoel, que não mostrou muito interesse! Ora que encomenda há-de ter o Padre Marcos para mim? Deve ser artimanha dele, para me pedir algum borrego! Um dia logo lá vou! Disse o Ti Manoel! Eu já dei o recado, agora é contigo, quando quiseres podes ir lá! Disse o lavrador! O Ti Manoel, contou à Ti Leonor o teor do recado do Pároco, mas ela também não ficou convencida que alguém enviasse uma encomenda ao Ti Manoel! Passou-se quase um mês e a ti Leonor lembrou o Ti Manoel que tinha de ir falar com o Pároco, fosse lá o que fosse, não podia fazer a desfeita de não aparecer lá. O Ti Manoel no dia seguinte, logo cedo, saiu do Monte da Capeleira, por Calados, Capelins de Baixo, Capelins de Cima e chegou à Igreja de Santo António, já o Pároco Marcos estava levantado há mais de duas horas! bateu à porta da casa Paroquial, veio o Pároco Marcos, deram os bons dias e o Ti Manoel Frade, disse-lhe o motivo porque estava ali. Ah sim! Tenho uma encomenda para ti, mas antes de a entregar, temos que falar! Disse o Pároco! Está bem, vamos embora! Disse o Ti Manoel! O Pároco disse-lhe para entrar e sentar-se! Iniciou a conversa contando que tinha estado em Terena com o seu colega o Pároco de Santiago, Anastácio Caetano Rosado, o qual lhe tinha pedido para cumprir o desejo de uma mulher chamada Agapita, que tinha falecido havia três meses e, antes de falecer o chamou para ele lhe dar todos os Sacramentos e, para fazer testamento, deixando a casa que tinha na Aldeia da Venda e os trastes (mobília), composta por uma mesa, duas cadeiras, uma cama e pouco mais, à mulher que tratou dela nos últimos anos da sua vida e pediu-lhe para te entregar uma encomenda, mas tinhas de jurar por Deus que tudo o que está dentro da caixa (caixote) de madeira será para a tua filha Agapita, afilhada da mendiga, Ti Agapita. Eu sei que és um homem muito honrado, mas tem de ser assim, está aqui a encomenda, agora tens de jurar que é tudo para a tua filha Agapita, disse o Pároco! O Ti Manoel Frade fez todas as juras exigidas pelo Pároco Marcos, e com a encomenda às costas, dentro de um saco de serapilheira, voltou para o Monte da Capeleira. 
Quando o Ti Manoel Frade chegou à choça, no Monte da Capeleira, com a caixa de madeira às costas, a Ti Leonor confirmou que ele sempre trazia uma encomenda, se já estava ansiosa, ainda mais ficou, e foi a correr ao seu encontro. 
Ti Leonor: Então homem! Tanto tempo! Afinal o que trazes aí? Quem nos deu a encomenda? 
Ti Manoel: Não sei o que trago, mulher! Só sei que tive de jurar ao Padre Marcos, que a encomenda é toda para a nossa Agapita, por isso, não podemos tocar em nada, seja lá o que aí estiver dentro da caixa. Foi a nossa comadre Agapita, que faleceu há três meses e a mandou pelo Padre Anastácio, de Santiago!
Ti Leonor: Tudo para a Gapita? E nem ao menos podemos ver o que está lá dentro?
Ti Manoel: Não sei, mas parece-me que isso podemos, não me lembro de ter jurado que não podíamos ver! 
Ti Leonor: Então vamos lá ver! 
Ti Manoel: Agora não, mulher! Vamos lá comer as sopas, já tenho muita fome, depois logo tratamos disso! 
A Ti Leonor não ficou muito contente, porque a curiosidade era muita, mas não teve outro remédio senão acatar a sugestão ou ordem do Ti Manoel! 
Depois do jantar (almoço), antes do Ti Manoel ir tomar conta das ovelhas, foi buscar uma torquês (alicate) e chamou a Ti Leonor para assistir à abertura da caixa de madeira, as tábuas estavam pregadas com uns pregos já com ferrugem e mal o Ti Manoel forçou a caixa, as tábuas de cima saltaram deixando ver um vestido preto muito velho, coçado e cheio de remendos. 
Ti Manoel: Mas o que é isto? 
Ti Leonor: Ai valha-me Deus, homem! Uma coisa destas para a nossa Gapita! A nossa comadre já devia estar boa da cabeça!
Ti Manoel: Espera lá mulher, debaixo do vestido pode estar alguma coisa, porque o peso que eu carreguei de Santo António até aqui, não pode ser só deste vestido! 
O Ti Manoel puxou o vestido para fora da caixa, espreitou para o fundo, mas não estava lá nada! 
Ti Manoel: Mau, mau! Não está cá mais nada! E uma destas! Mas continuou a cismar que aquele vestido, só por si, não podia pesar tanto. Pegou nele para lhe tomar o peso e, percebeu logo que, tinha de existir alguma coisa no seu interior, ao mesmo tempo deitou uma das mãos à cintura do vestido e sentiu um objeto rijo, meteu a mão ao bolso e tirou a navalha, que cortava à distância, virou o vestido e estava uma bainha, cortou os pontos com cuidado e viu um tecido diferente que envolvia o objeto, puxou e cortou o tecido envolvente ficando na frente dos seus olhos um grande cordão em ouro, ficaram ambos pasmados, sem palavras, até que o Ti Manoel disse: Ora aqui está a herança deixada pela madrinha da nossa Agapita, nada mau, quem havia de dizer, uma mulher tão pobre, que andava `"pida" e tinha este cordão em ouro! E não se esqueceu da afilhada! 
Ti Leonor: Olha lá Manoel, era um bom vestido, onde iria ela a um vestido destes? Ao mesmo tempo a Ti Leonor sentiu outro objeto ainda na cintura e o Ti Manoel,entrou logo com a navalha em ação, foi cortando com cuidado e depararam-se com um lindo medalhão que fazia parte do cordão. Já não pararam, começaram a apalpar o vestido de alto a baixo e, nos lugares onde o vestido tinha remendos, estava por dentro uma jóia de ouro, dentro de saquinhos feitos em tecido e cozidos entre os remendos e o tecido do vestido e, encontraram cinco anéis, sendo quatro de homem e, um de mulher. Estavam a ficar estonteados e quando pensavam que não existia mais nada, porque já não viam mais remendos, a Ti Leonor reparou que o vestido tinha uma bainha em baixo e apalpou dentro dela mais objetos, apressaram-se a cortar os pontos e saíram de lá vinte moedas de ouro, cada uma dentro de um saquinho à sua medida e cozida dentro da bainha do vestido, estavam na frente de uma fortuna. Agora o grande dilema era como a iam guardar na choça até a entregarem à Gapitinha! Não encontraram maneira de resolver a questão, então concordaram em contar tudo aos lavradores do Monte da Capeleira e pedir-lhe auxílio. Estes, ficaram abismados com a situação e o lavrador disse-lhe que não tinha condições para guardar aquele tesouro no Monte, como a situação política andava, o reino em revolução, podiam ser assaltados a qualquer momento, assim o melhor era ele enterrar o tesouro, bem fundo, dentro da choça, logo à entrada no lado esquerdo, que aí decerto estava a salvo, ninguém esperava que estivesse um tesouro dentro de uma choça! O Ti Manoel e a Ti Leonor, puseram tudo nos lugares de origem dentro do vestido, arranjaram a caixa de madeira, cavaram uma cova bem funda, depois colocaram umas lajes, pedras, por baixo, de lado e por cima da caixa, terra em cima e o tesouro ali ficou bem guardado para a Gapitinha. 
Mas como é que uma mendiga, era dona deste tesouro? 
Mistério! 

Assim que cearam (jantaram), o Ti Manoel Frade e a Ti Leonor, foram ter com os lavradores ao Monte, entraram para uma casa e passado pouco tempo estavam todos reunidos com a Gapitinha. Ao sinal do lavrador, o Ti Manoel começou a contar à filha o que se passou na vida dela, desde o dia do seu nascimento, passando, inevitavelmente, pelo episódio do seu batizado e, o motivo da madrinha ter sido a Ti Agapita, uma mendiga de Santiago. Aqui, a Gapitinha mostrou um semblante de surpresa, mas pareceu pouco incomodada. Disse que já sabia quase tudo o que o pai lhe estava a contar e, não achava nada de mal, só gostava de ter conhecido a madrinha, mesmo pobrezinha, mas agora, como já tinha falecido, não podia fazer nada! O pai interrompeu-a e continuou: Estamos arrependidos de não a termos procurado em Santiago, como ela nunca se aproximou de nós, pensamos que se tinha esquecido de ti, mas estávamos enganados, porque três meses depois de ela falecer, recebemos uma encomenda com umas coisas que ela te deixou e há pouco tempo soubemos que nunca te esqueceu, e que não veio aqui ver-te por ter receio de ser mal recebida! A Gapitinha ficou muito triste, quando ouviu esta parte da notícia, mas não disse nada! O Ti Manoel reparou, mas não interrompeu a conversa e continuou: É por causa dessa encomenda que a tua madrinha Agapita te mandou, que nós estamos aqui! 
Gapitinha: Mas o que tinha essa encomenda? Estou a ficar assustada! 
Ti Manoel: Não fiques assustada, deixa-te estar descansada, porque é uma boa prenda! A encomenda é um tesouro! 
Gapitinha: Um tesouro? Ai valha-me Deus! O pai está a brincar comigo? E eu que pensava que os tesouros só existiam em histórias! 
Ti Manoel: É mesmo verdade! E os presentes olharam para ela e abanaram a cabeça em sinal afirmativo! 
Gapitinha; E onde está esse tesouro? 
Ti Manoel: Está bem guardado, com a ajuda dos nossos patrões, até que tomes conta dele, agora, não lhe podemos tocar, porque é só teu! 
Gapitinha: Ai não! Isso é que não! É de todos!
Ti Manoel: Não é! Não! Tem que ser assim! Jurei a Deus, perante o Padre Marcos, que seria tudo teu, porque foi essa a vontade da tua madrinha, por isso, está dito! E queremos dizer-te porque vieste muito novinha aqui para o Monte, porque não foi só para aprenderes a fazer tudo, mas também para aprenderes boas maneiras e seres preparada para fazeres um bom casamento, porque como já sabes, és uma menina muito rica, mas não deixas de ser filha de um pastor! Gapitinha: Não consigo perceber, como é que a minha madrinha era uma mulher que andava à "pida" e deixou-me essa fortuna! 
Ti Manoel: Pois, também não sabemos, filha! É um grande mistério! Talvez um dia possas saber! 
Gapitinha: Acredite, pai! Um dia vou saber tudo sobre ela! 
A conversa estava no fim e, então o lavrador disse-lhe que a Gapitinha continuava no Monte até ao dia de se casar, que a tratariam como se fosse sua filha e que a partir de amanhã começava a sentar-se com eles à mesa! 
O Ti Manoel e a Ti Leonor agradeceram muito aos lavradores e voltaram para a choça! A Gapitinha foi deitar-se, mas ao chegar ao quarto tinha as criadas todas à espera de saberem o que se tinha ali passado! Ela apenas lhe disse que foi para lhe dizerem que era rica! As criadas riram, riram até adormecerem! 
No dia seguinte, ficaram muito surpreendidas ao verem a Gapitinha sentadinha à mesa com os lavradores e filhos, mas mesmo assim, não acreditaram no que ela lhe contou na noite anterior, porque não encontravam nenhuma maneira para que isso pudesse ser possível! 
A Gapitinha, como já vinha acontecendo, continuou a frequentar festas, fazer visitas e passeios, como se fosse filha dos lavradores do Monte da Capeleira! 
Os anos foram passando, a Gapitinha já estava moça e muitos rapazes rondavam o Monte da Capeleira por sua causa, mas nada acontecia porque os filhos dos lavradores das terras de Capelins, sabiam que ela era filha do pastor e, seria impensável algum casar com ela, apesar de existir o boato de ser rica e, os mais pobres, eram enxotados dali, por ordens muito rigorosas do lavrador. Porém, ainda neste ano, tudo mudou, em termos amorosos, na vida da Gapitinha. Os lavradores do Monte da Capeleira eram originários da Vila de Terena, onde tinham muitos familiares e compadres, por isso, ali passavam as Festas anuais, levando sempre, com eles, a Gapitinha e foi nestas Festas que a Gapitinha e um rapaz da sua idade, 23 anos, chamado Bento, filho do lavrador mais rico de Terena, dono de três herdades e com muitos outros rendimentos, compadre do lavrador do Monte da Capeleira, se perderam de amores um pelo outro. Nas Festas, todas as pessoas comentavam este caso que, também não passou despercebido ao pai de Bento, por isso chamou o filho e perguntou-lhe o que queria da rapariga do Monte da Capeleira, se era alguma brincadeira ou se estava a pensar numa coisa séria! O Bento disse ao pai que nunca tinha gostado de ninguém como gostava daquela rapariga e que faria tudo para casar com ela, mas para isso acontecer precisava da ajuda do pai para o apoiar e encaminhar nesse sentido. O lavrador de Terena teve a certeza que o filho estava a falar verdade e prometeu ajudá-lo, mas primeiro tinham de saber de que lavrador de Capelins ela era filha para poderem ir falar com ele a pedir autorização para namorarem e disse-lhe que falava com o compadre do Monte da Capeleira, para ele lhe dar essa informação. As Festas estavam no fim e o pai do Bento antes da partida da Gapitinha foi falar com o compadre para saber informações da família da rapariga. Depois de explicar o assunto que o levava ali, fez-lhe a pergunta fundamental e, o lavrador disse-lhe a verdade, que era filha do seu pastor. O homem ficou branco e cambaleou! 
Lavrador de Terena: Do pastor? Esta menina? Ai meu Deus! 
Lavrador do Mte da Capeleira: Sim! Mas existe um grande segredo que, decerto muda tudo!
Lavrador de Terena: Um segredo? Que segredo? Posso saber compadre? 
Lavrador do Mte da Capeleira: Sim! Pode! Ela é muito rica, uma madrinha misteriosa deixou-lhe uma grande fortuna! 
Lavrador de Terena: Está a brincar comigo compadre? 
Lavrador do Mte da Capeleira: Não estou a brincar, dou-lhe a minha palavra de honra que ela é tão rica como nós os dois juntos! Estou bem informado!
O lavrador de Terena ficou bem esclarecido sobre a vida da Gapitinha e da sua família, foi dali e contou ao filho Bento que continuou firme na sua paixão e não se importou nada com a origem familiar da sua futura mulher. No Domingo seguinte já estavam a falar com o pastor e pedir-lhe a devida autorização para poderem namorar, mas ele já estava ao corrente de tudo, antes informado pelo patrão.
O Bento e a Gapitinha começaram a namorar e entendiam-se tão bem que passados seis meses, em 6 de Março de 1841, o Pároco de Capelins, Manoel de Santo Inácio Pereira, realizou o seu casamento na Igreja de Santo António. A boda foi na Vila de Terena, onde ficaram a morar.
A Gapitinha recebeu o seu tesouro e, com o seu marido começaram imediatamente, a desenvolver e organizar a sua vida, tornaram-se grandes lavradores da Vila de Terena e das terras de Capelins. 
Os pais da Gapitinha foram para sua casa e os irmãos ficaram a trabalhar nas suas herdades em lugares privilegiados, de feitores. 
A Gapitinha não esquecia a madrinha Agapita de Jesus e, começou imediatamente a procurar na Vila de Terena, alguém com as devidas competências para investigar o mistério que a atormentava, sobre quem era a sua madrinha, mendiga de Santiago, que lhe deixou a fortuna! 
Com a ajuda da sua nova família, a lavradora Agapita depressa encontrou a pessoa mais competente na Vila de Terena, para investigar e descobrir tudo sobre o passado da sua madrinha Agapita. Era um sargento de ordenanças (guarda do reino), recentemente reformado, que aqui morava e tinha prestado serviço em Terena, era natural de Estremoz, o pai de Montemor-O- Novo e a mãe da cidade de Évora. O sargento ouviu a Agapita com muita atenção, tomou algumas notas e disse-lhe que não seria difícil ter as respetivas respostas, porque tinha muitos conhecimentos em Santiago, mas não sabia se conseguia desvendar ali o mistério, ou se teria de ir a outra localidade. A Agapita deu algum dinheiro ao sargento que, na madrugada do dia seguinte montou o seu cavalo e seguiu para a Aldeia da Venda, como tinha feito inúmeras vezes quando estava no ativo, ao nascer do sol já sabia onde morava a mulher que tinha tratado a mendiga Ti Agapita nos últimos anos da sua vida chamada Rosa e que tinha ficado com a sua casa e os trastes. Assim que Rosa abriu a porta, ensonada e esfregando os olhos, já ele estava encostado à ombreira, ela apanhou grande susto, porque o conhecia bem! Depois de darem os bons dias, ela aflita, disse-lhe que não tinha feito nada de mal! 
Sargento: Eu sei que não fez nada de mal! Não tenha medo, só quero saber umas informações! 
Rosa: Então, se eu souber responder, conto-lhe tudo! 
Sargento: Então diga-me lá, conheceu uma mulher chamada Agapita que era mendiga e morava nesta casa?
Rosa: Ai valha-me Deus! Conheci sim, senhor guarda, mas olhe que ela deu-me a casa, está tudo escrito no testamento feito pelo Padre Anastácio, está lá na Igreja! 
Sargento: Está tudo bem! Eu só quero saber de onde era a Ti Agapita e tudo o que souber sobre a sua vida! 
Rosa: Olhe, quem sabe tudo é o Padre Anastácio, mas já está muito velhinho, porque foi ele que veio fazer o testamento e dar-lhe os Sacramentos e ela teve de lhe contar tudo, para lhe perdoar os pecados! 
Sargento: Mas se eu quisesse falar com o Padre Anastácio, não vinha aqui falar consigo! 
Rosa: Eu sei algumas coisas que ela me contou nos últimos dias de vida, mas não é muito! 
Sargento: O que me contar é por uma boa causa e a pessoa que precisa de saber as informações manda-lhe isto, e deu-lhe alguns vinténs! 
A Rosa até saltou, recebeu os vinténs com as duas mãos e prontificou-se a contar tudo o que sabia!
Rosa: Então, se é por uma boa causa, diga lá o que quer saber?
Sargento: De onde era a Ti Agapita?
Rosa: Era de Montemor-O-Novo, não sabia? 
Sargento: Não! E porque se dedicou à mendicidade?
Rosa: Porque ficou sem nada! Teve um grande desgosto na vida, ficou sozinha no mundo, então deu tudo o que tinha aos pobres de Montemor e depois abalou sem destino, até que veio ter aqui a Santiago, gostou da aldeia e ficou aqui nesta casa até morrer!
Sargento: E sabe o que lhe aconteceu para ter o desgosto?
Rosa: Sei! Foi porque lhe morreram os três filhos e o marido!
Sargento: Nunca lhe ouviu falar no nome do marido, da Família? 
Rosa: Ouvi! Mas não me lembro, era qualquer coisa Atayde e parece que o nome dela não era Agapita! 
Sargento: Pois não! Bom dia, passe bem, já sei tudo o que precisava! 
O sargento picou as esporas ao cavalo e, em poucas horas pôs-se na Vila de Terena! Foi logo contar à lavradora a conversa que teve com a Rosa de Santiago e acrescentou que ouviu contar ao pai o que tinha acontecido a essa ilustre Família Atayde, uma grande desgraça, mas já não conseguia juntar as coisas, mas se a lavradora estivesse de acordo, podia escrever uma carta aos familiares que ainda tinha em Montemor e decerto esclareciam tudo. A lavradora agradeceu ao sargento e disse-lhe que isso ia demorar muito tempo e antes preferia que ele fosse pessoalmente a Montemor averiguar a situação, e ela pagava-lhe o que fosse preciso! O sargento prontificou-se imediatamente a servir a lavradora, recebeu mais dinheiro e, dois dias depois, partiu a cavalo para Montemor-O-Novo! 
O sargento saiu da Vila de Terena às quatro da manhã, dormiu em Évora, onde tinha familiares do lado da mãe e na madrugada do dia seguinte partiu para Montemor-O-Novo, chegando a esta Vila (hoje cidade) pelas quatro horas da tarde, foi ficar em casa de uns tios que o receberam com grande alegria, há muitos anos que não se encontravam e as notícias das famílias de parte a parte eram muito escassas. Depois de esgotarem as perguntas sobre a vida de cada familiar, o sargento contou-lhe o motivo porque estava ali e perguntou-lhe se conheciam aquela família. Os tios disseram-lhe que conheceram muito bem a família Atayde e sabiam tudo o que se tinha passado até ao desaparecimento da mulher do capitão, a qual não se chamava Agapita, havia ali algum engano, uma troca de nomes, porque ela chamava-se Maria Vicência de Carvalho Andrade, e quem se chamava Agapita de Jesus era a sua criada, que estava com ela desde o seu nascimento e foi a sua ama, quando casou foi com ela para a sua casa onde esteve até falecer em 1910, na mesma altura em que faleceram o marido e o filho, também militar! 
O sargento ia tomando nota de tudo o que os tios lhe ditavam e nem tinha oportunidade de fazer nenhuma pergunta, porque ia obtendo todas as respostas que precisava, porém, aqui contou-lhe que ela se fez passar por Agapita e outras coisas que já relatámos nos episódios anteriores, ficando os tios boquiabertos! E continuaram: Essa família era muito ilustre aqui em Montemor, o marido era militar de cavalos, por fim capitão e um filho também era militar com o pai, parece que era alferes de cavalos, mas depois de terem morrido dois filhos, tísicos, ainda moços, acabou-se a felicidade nessa casa. Em 1910, foi o fim, quando o general André Massena entrou em Portugal, na terceira invasão dos Franceses, como não voltaram a atac
ar aqui a Vila, mandaram seguir as nossas tropas para Torres Vedras, para as linhas de Torres, ficando aqui uma pequena guarnição, então alguém avisou os franceses sobre o lugar onde esta companhia ia passar o rio Tejo, parece que foi no pior lugar, como iam com muita pressa não podiam passar tudo nas barcas, a cavalaria, a infantaria e o trem militar (carros com material de guerra e víveres, puxados por Bois e por mulas), deram ordens para passar junto a Almourol, onde a cavalaria com o apoio das barcas como corta corrente passava a nadar, e foi ai que uma divisão das tropas do Massena os emboscou e acabou com a cavalaria, que ía à frente, morreram quase todos, entre eles o capitão Atayde e o único filho que tinham, nem os corpos apareceram, foram Tejo abaixo! Vê lá o desgosto da desgraçada da senhora, nessa altura ainda tinha a criada Agapita já velhinha, e ampararam-se uma à outra, por pouco tempo, a Agapita com o desgosto pouco viveu e a senhora viu-se sem ninguém, a partir daí só saía com outra criada às missas. Um dia ouvimos dizer que estava a tratar para dar tudo o que tinha aos pobres, mas nunca pensamos que fosse a casa, mobílias e tanta coisa valiosa que tinham em casa, porque era uma família rica! Não sabemos como essa parte se passou, foi tudo tratado com a Misericórdia e não demorou muito tempo desapareceu daqui. Passado um ano ou mais, ouvimos por aqui dizer que a tinham visto pelas ruas de Évora, a vaguear, alheia a tudo e a partir daí, só agora estamos a ouvir falar dela! Olha lá para onde ela foi acabar! Triste vida! Uma senhora daquelas! Exclamou o tio! 
Sargento: Era isto que eu precisava de saber, para dizer a uma afilhada que ela tinha e que só teve conhecimento da sua existência alguns anos depois de ela ter falecido! Nunca lhe contaram, devido a uma confusão e por se terem afastado, ela morava numa aldeia afastada e andava a pedir esmola para depois dar a outros e foi convidada para madrinha de uma menina, que não conheceu, mas deixou-lhe uma grande fortuna em ouro!
Tio: Sim, eles eram de famílias muito ricas, de altas linhagens, como te disse aqui em Montemor, deixou grande fortuna para os pobres! 
A conversa sobre esta família acabou por ali, o sargento já sabia tudo o que precisava, mas permaneceu em Montemor mais três dias, para cumprimentar outros familiares e estar com os tios. Depois voltou para a Vila de Terena, dormindo novamente em Évora, porque a viagem ainda era muito longa, ao chegar a casa descansou e só no dia seguinte foi contar tudo à lavradora Agapita, entregando-lhe um relatório assinado por ele, como garantia da verdade. Foi bem pago pelo seu trabalho e a Agapita sentiu-se mais confortada por ficar a saber quem era na verdade a sua madrinha e a origem da fortuna que lhe deixou! Tudo esclarecido!

Fim 

Texto: Correia Manuel


Capeleira
 

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