terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias da pesca à lapa no rio Guadiana

 Memórias da pesca à lapa no rio Guadiana

As tabernas de Capelins, nunca fechavam para descanso do taberneiro, o qual, podia trabalhar quinze a dezoito horas por dia, mesmo assim, ainda era considerado privilegiado por ganhar o dinheiro debaixo de telha, sem apanhar sol nem chuva, por isso, alguns fregueses diziam que eles não trabalhavam, era só meter o dinheiro na gaveta do balcão.
Todas as tabernas faziam serão, mais, ou menos longo, dependia da vontade dos fregueses e todas tinham licença de porta aberta emitida pela Câmara, pelo menos até às 22 horas, pelo que, a essa hora, ouvia-se a voz do taberneiro a anunciar o fecho, quase sempre com a palavra “rua” e cada um seguia para suas casas, porque às cinco/seis da manhã, alguns já estavam a caminho do trabalho, nas herdades da região.
Numa noite do mês de Junho dos finais da década de 1960, ao serão, numa taberna de Capelins, em volta de uma mesa estava um grupo de cinco ou seis rapazes, bebendo umas minis e falando muito alto, encostados ao balcão estavam dois ou três homens bebendo uns copos de vinho e ao fundo da taberna andavam dois jogadores de xito, a jogar de mão a mão e dois ou três espetadores, logo, a taberna estava bem afreguesada, por isso, havia uma grande algazarra, parecia um arraial, que se ouvia e incomodava até grande distância.
O grupo dos rapazes combinava comprar peixes ou ir à pesca no rio Guadiana, para numa taberna mandar fazer uma “caldeta” no Domingo seguinte, mas não se entendiam, uns defendiam que era melhor comprar os peixes a um pescador, era mais certo, porém, outros queriam ir à pesca no sábado, porque tinham a certeza que apanhavam o peixe que quisessem numas lapas nas Azenhas D' El-Rei que só eles sabiam onde eram.
Os homens que bebiam vinho ao balcão, lamentavam-se da vida que tinham, era trabalhar no duro e não ganhavam nada, alguns diziam que deviam ter partido dali quando foram os vizinhos e familiares que tinham uma vida melhor do que a deles, e o futuro dos filhos era melhor, porque podiam estudar, mas o tempo foi passando e agora, até ver, já não abalavam.
Os jogadores do xito, faziam mais barulho que os outros todos, era envido, revido, retentino, dei-lhe data, o ponto é meu, o ponto é teu, outras vezes não se entendiam sobre de quem era o ponto e não aceitavam a opinião dos que estavam a assistir, então, chamavam o taberneiro para dizer a qual vintém pertencia o ponto, ou seja, quem ganhava aquela jogada, ele chegava, olhava para a pedra e para os viténs e dizia: É deste, e ninguém contestava, apenas, por vezes, abanavam a cabeça, negativamente como sinal que não concordavam, mas estava decidido.
No auge deste arraial de conversas entrou um freguês na taberna, era o ti Bate Estacas, deu dois passos em frente, parou-se e mirou os presentes um a um, para se inteirar de quem estava ali, sem dizer uma palavra, um dos rapazes perguntou-lhe o que queria beber? O ti Bate Estacas, respondeu que, não queria beber nada, e o rapaz continuou: - Então se não quer beber nada, o que vem fazer aqui? A dar fé, o que havia ser!
Deves ter muito a ver com isso, vim ver que barulho era este, ouve-se tudo ali ao meu camalho, assim, não consigo dormir, respondeu o ti Bate Estacas!
Alguns rapazes comentaram: - Sim, é o barulho que não o deixa dormir, não são as grandes sestas que dorme! Esta observação irritou o ti Bate Estacas.
A conversa dos rapazes sobre a pesca continuou e foram invocados os feitos dos pescadores de Capelins e da região, alguns diziam que ninguém apanhava peixes como este, como aquele, mas aproveitavam a oportunidade para exaltar as grandes pescarias à lapa, que já tinham feito no rio Guadiana.
O ti Bate Estacas ouvia a conversa dos rapazes e estava inquieto, com grande vontade de intervir, até que disse: 
Ti Bate Estacas: Estava a ouvir a sua conversa, vocês não sabem nada da vida, nem sabem nada de pesca, quando eu tinha a sua idade e precisava de peixe do rio, chegava ali às Azenhas D’ El-Rei, e na ida e volta trazia o peixe que queria, passava por cima do açude até lá ao lado espanhol, conhecia bem as lapas que estavam cheias de peixes, despia a camisa e as calças, mergulhava lá num sítio à roda do açude e cada vez que vinha cá acima trazia três peixes dos maiores que lá estavam na lapa, até os escolhia.
Um dos rapazes começou a rir e perguntou-lhe como conseguia apanhar três peixes só com duas mãos? O ti Bate Estacas irritou-se, porque entendeu que o rapaz lhe chamava mentiroso e em tom de ameaça deu um passo em frente e disse-lhe que trazia um em cada mão, com um dedo dentro da guelra, e um agarrado pelos dentes e os rapazes só abanaram a cabeça em sinal afirmativo,  deixando-o mais sereno.
O Ti Bate Estacas virou as costas aos rapazes e à saída da taberna foi dizendo em voz alta: - “Vocês nem uns peixes para comer sabem apanhar, quando os mais velhos morrerem, vocês devem morrer de fome”! E com esta me vou, para o meu camalho!
Os rapazes começaram a rir e não pararam de rir até ouvir o taberneiro a gritar a palavra "rua"! 
No Domingo seguinte, o almoço dos rapazes foi uma "caldeta" de peixes do rio Guadiana, noutra taberna, mas os peixes foram comprados a um pescador de Capelins.
Fim 

Texto: Correia Manuel 






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