terça-feira, 4 de outubro de 2022

A lenda da grande cheia do rio Guadiana

 A lenda da grande cheia do rio Guadiana

Conta-se que, a grande cheia do rio Guadiana no dia 07 de Dezembro de 1876, foi a maior, alguma vez registada na sua história e, permaneceu na memória coletiva em todas as Aldeias, Vilas e Cidades ribeirinhas, incluindo nas terras de Capelins, devido à devastação assustadora que não deixou pedra sobre pedra e matou pessoas e animais sem piedade.
No início da primeira semana do mês Dezembro, já chovia acima do normal, mas como nessa época chovia muito, as pessoas esperavam que aliviasse a todo o momento, porém, a chuva torrencial aumentava, resultando em cheias nunca vistas, os regatos, ribeiros e ribeiras aumentavam o caudal, arrastando animais e pertences para a grande cheia do Rio Guadiana.
Nas terras de Capelins, as hortas e terrenos mais baixos, estavam cobertos de água, sendo quase impossível a circulação de pessoas e animais de um sítio para outro e, os animais domésticos foram conduzidos para os outeiros, onde se concentravam animais selvagens, como lebres, coelhos e outros, porque, os seus habitats ficaram cheios de água, alguns eram apanhados à mão, quase afogados.
Os capelinenses nunca tinham passado por isso, a paisagem estava transformada e algumas pessoas a ficar com a vida desgraçada, com a fome a bater à porta, porque não podiam ir aos campos, com as terras cobertas de água, assim, não podiam trabalhar e, se não trabalhavam, não comiam, nem as suas famílias, geralmente, muito numerosas.
Nas Aldeias e Montes as conversas baseavam-se no temporal e na desgraça que se avizinhava, a todo o momento, chegavam novidades, sobre acontecimentos, quase todos relacionados com o Rio Guadiana, diziam que, ia de mar a mar e que a cheia arrastava tudo o que havia nos Montes e herdades, perto das suas margens, ovelhas, cabras, galinhas, porcos, bezerros, vacas e outros animais, e que alguns ficavam por ali encalhados, era só apanhá-los, porque, não tinham dono, muitos, decerto viriam de Espanha.
Como se falava que existia muita facilidade em encontrar despojos da tragédia e as casas de algumas famílias estavam à mingua, os capelinenses começaram a formar grupos para ir ver a grande cheia e, ao mesmo tempo, se desse para trazer algum porco, ou nem que fosse uma galinha para casa, melhor seria.
A noite de quarta feira 06 de Dezembro de 1876 foi tenebrosa, choveu torrencialmente, mas antes do meio dia, começou a aliviar e, essa abertura do céu foi aproveitada para muitos capelinenses se meterem a caminho do rio Guadiana, contornando o melhor possível os perigosos cursos de água encontrados até lá e, ao meio dia, já havia gente por todos os outeiros sobranceiros ao grande rio a observar e a comentar que nunca tinham visto nada assim, uma cheia sem precedentes.
A maioria dos grupos, já iam organizados, eram vizinhos e familiares, levaram carros de mulas, burros e burras, não só para o seu transporte, mas a contar com a carga do regresso com o que pudessem apanhar nas margens do rio.
Sempre que alguém lobrigava alguma coisa na corrente que não fossem árvores completas, laranjeiras carregadas de laranjas, troncos e lenha, ouvia-se grande gritaria, chamando a si, ou ao seu grupo, aquela presa, mas passava tudo à distância e lá se ouviam os desabafos de frustração: "Fazia-me tanta falta", seguia tudo água abaixo, sem lhe poderem deitar a mão, embora, alguns mais afoitos presos por cordas à cintura, entrassem na água na esperança de lhe poder chegar, mas não chegavam.
Como a chuva aliviou e as novidades que chegavam às Aldeias de Ferreira, Faleiros e Montes Juntos, eram muito promissoras, diziam que já toda a gente estava carregada de coisas vindas rio abaixo, depois do meio dia, ainda chegaram mais pessoas, até o Pároco Manuel Fernandes, o Sacristão e gente da Igreja, foram nas burras da Paróquia e do ti Zé António, aumentando cada vez mais a confusão, até que, viram aparecer uma serra em movimento, no meio da cheia e surgiram muitas opiniões sobre o que lá vinha, mas não foi preciso esperar muito para confirmar que, era mesmo uma serra, mas de palha, em Capelins chamava-se uma "almiara" e que, por ser tão bem feita e tapada com palha de centeio, mantinha-se inteira.
A dita "almiara" foi grande admiração para toda a gente, mas só até verem que em cima dela vinha um grande galo, com uma linda plumagem, era o timoneiro a guiá-la entre os obstáculos, como se aproximou, alguns ainda tiveram esperança que fosse contra a margem, para deitarem a mão ao galo, mas ele todo emproado passou a cerca de oitenta metros, empertigou-se todo e cantou três vezes, a seguir, sem leme à vista, fez uma manobra assustadora, virou a "almiara" e contornou os outeiros, deixando toda a gente abismada e a gritar, até o padre gritou: - "Mau presságio, mau presságio" e o fiel Sacristão adiantou: "Vai acabar o Mundo?" O padre concordou e o sacristão continuou: "Só a Arca de Noé nos pode salvar"! Passados poucos minutos já estava espalhado pelos outeiros que o padre tinha dito que ia acabar o Mundo e que só a Arca de Noé os podia salvar.
Os capelinenses acreditaram que o mundo ia acabar com água, como da outra vez, decerto, vinha a caminho uma grande tragédia e começaram a abandonar os outeiros, voltando para as suas casas, comentando que, o galo os tinha avisado para se prepararem para o que estava a chegar.
Ainda nessa tarde, alguns homens começaram a juntar-se para planear a construção de uma barca como a de Noé, porque, era certo que o mundo ia acabar, mas depararam-se com um grande problema, a falta de madeira, porque mestres para construir a barca, já eles tinham, mas não tinham tábuas.
No dia seguinte, era sexta feira, os capelinenes tiveram grande surpresa, porque, já pouco choveu e no Sábado ainda na parte da manhã apareceu o sol a sorrir e não houve ameaças de mais chuva.
Os regatos, ribeiros e ribeiras foram diminuíndo a corrente, aliviando a cheia do rio Guadiana, mas só passados dois meses, voltou ao normal.
Fim
Texto: Correia Manuel
Foto: net


Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...