terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias dos trabalhos agrícolas em Capelins

 As conversas ao serão, nas tabernas de Capelins

Memórias dos trabalhos agrícolas em Capelins
No início de uma noite, do mês de Junho dos finais do decénio de 1960, como habitualmente, lá estava o grupo de rapazes bebendo umas cervejas minis, numa das taberna de Ferreira de Capelins, assim como, os jogadores de xito e das cartas e alguns homens encostados ao balcão, bebendo uns copos de vinho ou de aguardente e falando sobre a sua vida de trabalho.
Os rapazes faziam grande algazarra, para poderem ser ouvidos e, os homens que estavam ao balcão não faziam menos barulho, nem os jogadores de xito, como sempre, parecia um autêntico arraial.
Estava uma noite muito quente, sendo este um dos temas de conversa dos rapazes, assim como, o trabalho duro no campo, como as ceifas dos cereais, o carrego dos mesmos em rama para as eiras, a debulha e a arrumação das palhas em “almiaras” (serras) e tapá-las com palha de centeio e piorno para as proteger das chuvas no inverno.
Cada um dos rapazes afirmava que, conhecia bem esses trabalhos, embora, alguns só de os ver fazer a outros, pelo que, todos metiam a colher e concordavam que eram trabalhos muito duros, mas a opinião geral era que a ceifa manual ganhava aos outros.
Os rapazes estavam muito entusiasmados com a conversa e, alguns nem repararam na entrada de um freguês, era o ti Bate Estacas que, estava calado a olhar os fregueses um a um!
Um dos rapazes ofereceu-lhe uma bebida, mas ele recusou e continuou com a sua observação, mas o mesmo rapaz disse-lhe: Então se não quer beber nada, o que quer daqui? - Deves ter muito a ver com isso! Eu venho aqui, cada vez que eu quiser! Com este barulho, não consigo dormir! Respondeu o Ti Bate Estacas.
A conversa entre os rapazes não foi interrompida, e do trabalho da ceifa, passaram para a debulha e, um deles adiantou: - As máquinas debulhadoras fixas nas eiras, devem estar quase a chegar, porque o lavrador da Amadoreira, dono de uma, já foi falar aos homens! E continuaram a comentar que já quase todos os seareiros de Capelins davam a debulha às máquinas, é muito diferente de quando é feita com as bestas a puxar um trilho nas eiras, nas horas de mais calor e contavam as fases dos trabalhos pelos quais os cereais passavam até a semente entrar nos sacos e ir para o celeiro!
Os rapazes que conheciam melhor o trabalho nas máquinas debulhadoras fixas, contavam que, a debulha feita pelas máquinas, mas continuava a ser um trabalho muito duro, os homens sofriam muito, embora uns, mais do que outros, e precisava de muitos homens para trabalhar e uma ou duas mulheres, as cozinheiras, o maquinista, o saqueiro, o alcofeiro, o alimentador, o corta molhos, e mais dois ou três homens para baldear (atirar) os molhos dos “frascais” para cima da máquina, e como ela não parava o dia inteiro, ainda havia outros homens para substituir em turnos os que iam comer e dormir a sesta, mas os que sofriam mais, eram os que tiravam a palha atrás da máquina e os homens do fagulheiro da moinha, e os que carregam os lençóis de palha e de moinha às costas, em cima do pescoço para longe da máquina ou para as almiaras, muitas vezes ainda tinham de subir as escadas de madeira com os lençóis de palha em cima deles, era um trabalho muito duro e mal ganhavam para comer!
O Ti Bate Estacas, estava a escutar a conversa e, bebia as palavras, então sem pedir licença, virou-se para os rapazes e disse-lhe: Vocês não sabem nada da vida, nem do que estão a dizer! Eu é que sei, o que passei, hoje está tudo melhor do que no meu tempo, quando matavam pessoas com trabalho e com fome, mas isso não é conversa para taberna, nem para lado nenhum, porque anda aqui um carro preto da PIDE, com um aparelho que ouvem as conversas todas na Aldeia e não sei se agora não estão a ouvir. Por isso, continuem com estas conversas e não demora nada, vão todos a caminho do xilindró, e com esta me vou para o meu camalho!
Os rapazes começaram a rir, e não pararam de rir até a taberna fechar e, assim acabou mais um serão naquela taberna de Ferreira de Capelins.
Fim 
Texto: Correia Manuel

Aqui, era uma das tabernas de Ferreira de Capelins 


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