segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi à Forja

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi à Forja 

Na semana antes da Páscoa do ano de 1968, o Chico Manel, conhecido pelo Chiquinho de Capelins, estava de férias da escola, por isso, tinha mais tarefas a seu cargo, além de estudar, tinha de tratar dos animais e, fazer os recados da casa, assim, na noite do dia 15 de Abril, o seu pai começou a nomear o que ele devia fazer no dia seguinte, além do que já estava assente, o pai disse-lhe que depois de jantar (almoçar) tinha de ir à Froja (Forja) do ti Vicente (P.A.S.A.), saber quando estavam prontas as coisas que lá estavam a amanhar (arranjar) e, saber quanto era, mais ou menos, o custo do arranjo! Foi tudo repetido duas ou três vezes, devia ir lá e não se demorar, porque tinha muito trabalho a fazer, limpar o galinheiro e capoeira, o chiqueiro dos porcos, a choça das cabras e, à tardinha dar-lhe a ração e, durante o dia não deixar acabar a água aos animais! 
O Chiquinho, respondeu a tudo com um sim e, prometeu fazer tudo certinho a tempo e horas! 
No dia seguinte, 16 de Abril, assim que acordou lembrou-se que era dia de perna longa, uma vez que, ia à Forja, logo tinha uma boa oportunidade de ao passar por Capelins de Baixo, podia brincar a tarde toda, depois, o trabalho que estava riscado depressa o fazia e, a parte de estudar não era preciso, uma vez que, estava de férias e se fosse já estudar, quando começasse a escola não se lembrava de nada, era um desperdício! 
Durante a manhã, adiantou as tarefas, mas sempre reclamando, nunca mais chegava a hora de jantar (almoçar), para sair dali até Capelins de Baixo, onde brincava até haver uma hora de sol e, dali dava um pulo até à Forja e voltava para Capelins de Cima, onde chegaria com sol e a tempo de acabar o trabalho! 
O chiquinho elaborou bem o plano, por isso, nada podia falhar! 
Assim que acabou o prato de sopas de grãos, arredou a cadeira da mesa e disse à mãe: 
Chiquinho: Mãe, tenho de me ir já embora dar o recado que o pai mandou lá à Froja (Forja)! 
Mãe: Mas tu não comeste quase nada, Chico! Puxa lá a cadeira para a frente e come lá um bocadinho de pão com carne! 
Chiquinho: Oh mãe, vocemecê acha que comi pouco? Eu não estou aqui para engorda! Além disso, estou com muita pressa! 
Mãe: Mas estás com muita pressa porquê? Pouco passa do meio dia, ainda a Froja (Forja) está fechada! O ti Vicente está a jantar (almoçar) e não a abre a Froja (Forja)  antes da uma e tal! 
Chiquinho: Mau, mau, se sabe tanto da Froja (Forja) porque não vai lá vocemecê a dar o recado ao homem? 
Mãe: Cala-te Chico e come mais alguma coisa! 
Chiquinho: Não como! Já lhe disse que não como! Tenho de me ir embora! 
Mãe: Não vais, não! Queres que conte isto ao teu pai? Eu logo conto-lhe! 
Chiquinho: Alto lá! Não é preciso ir a contar nada a ninguém! Eu espero mais um bocadinho! 
Mãe: Então, se não queres comer mais nada, vai lá dar de comer aos cães e água aos bacros, às galinhas e trás os ovos que estiverem lá no postôr, mas deixa lá um ovo, para elas saberem onde pôr! 
Chiquinho: Está bem! Só me vê a mim! Quando uma pessoa tem azar na vida calha-lhe o mal todo! Sem eu ter vagar nenhum, ainda tenho que fazer tudo nesta casa! Mas eu um dia vou-me embora daqui!
O Chiquinho fez o que a mãe lhe mandou, mas sempre refilando e em menos de dez minutos estava tudo feito! 
Chiquinho: Mãe! Já fiz tudo o que mandou, posso ir dar o recado à Froja (Forja)?
Mãe: Não, o homem ainda não está lá, não tens nada que o ir incomodar lá a casa! 
Chiquinho: Oh mãe, vocemecê não vê que daqui até à forja a pé levo quase meia hora? Por isso, quando lá chegar já está aberta! 
Mãe: Tu levas meia hora até à Froja (Forja)? Nem dez minutos, pensas que não sei que vais a correr até lá! Tu nem sabes andar, só para onde não te agrada é que vais a andar e devagarinho! Para onde te agrada vais sempre a correr! 
Chiquinho: Vocemecê deve pensar que me agrada ir à Froja (Forja) a dar recados, não vê que é para ficar descansado! 
Mãe: É para ficares descansado é! Pensas que não te conheço! Se encontras brinca (brincadeira) no caminho até te esqueces do recado! 
Chiquinho: Quem a houve, até parece que já alguma vez me esqueci de alguma coisa que me mandaram fazer! 
Mãe: Pois não! Nunca te esqueces de nada, se não estivermos com o olho em ti, é todos os dias! 
Chiquinho: Olhe mãe, vocemecê quer é empatar-me aqui, logo não se admire das horas a que cá apareço! Quando lá chegar já há pessoas à minha frente e o ti Vicente manda-me esperar para me atender e, o mais certo é ter de passar lá a tarde à espera! 
Mãe: Olha Chico, vai-te embora que já nem te ouço! Não estejas cá a horas e já sabes que fazes contas com o teu pai e ficas a saber que eu não te tapo! 
Chiquinho: Mas tapar do quê? Eu estou cá muito antes do pai chegar! 
Mãe: Oh Chico, tu ainda sabes o que vais fazer à Froja (Forja)? 
Chiquinho: Sei, sei, são só duas coisas! Quando é que o pai pode ir buscar o que lá está a arranjar e quanto custa! Grande coisa!
Mãe: Então vai-te embora e vê lá o que fazes para aí, olha que o teu pai não é macio contigo e depois vão-lhe contar o que por aí andas fazendo! 
Chiquinho: Eu sei o que lhe vão contar! Metade são mentiras e depois eu é que as pago! 
Mãe: São mentiras, são! Nem ele sabe de tudo o que se passa, senão, ainda apanhavas mais! 
Chiquinho: E vocemecê, parece que até gosta! Deixe que um dia, ainda desapareço desta aldeia, desapareço, desapareço! As pessoas só estão bem a fazer mal aos outros! Todos os dias levo uma sova, por coisas que não faço! Ainda se fizesse! Vá lá! 
Mãe: Sim, os outros é que têm a culpa do mal que tu fazes! Tu é que pensas que me enganas! 
Chiquinho: Vou-me embora! Não me está a agrdar nada a conversa! 
Mãe: Chico! Tu ouviste o que eu te disse? Não te demores! 
Chiquinho: Oh valha-me Deus! Ainda nem abalei e já quer que eu aqui esteja de volta! Eu não posso com isto! Mas para onde é que eu abalo de uma vez por todas! 
O Chiquinho, como morava no meio de Capelins de Cima, o caminho mais direto para Capelins de Baixo, era pela "talisca", uma vereda em que parte dela estava emparedada de ambos os lados, chegando a ter pouco mais de meio metro de largura na parte norte, sendo impossível, nesse espaço, o cruzamento entre dois transeuntes, logo, se alguém se fosse meter na talisca  na parte norte e viesse outra pessoa do sul, tinha de esperar a sua saída! Lá mais para baixo já se passava ombro a ombro! 
A talisca era muito concorrida, principalmente, pelo ti José, sapateiro, em Capelins de Cima, mas morador em Capelins de Baixo, o que o obrigava a utilizar a talisca pelo menos quatro vezes por dia, porque ia almoçar a casa! O ti José, era um homem alto, um pouco curvado e com pouca saúde, por isso, muitas vezes usava um cacheiro (bengala) para se equilibrar com mais segurança e o ajudar na sua locomoção, mas o obrigava a ocupar mais espaço na largura da "talisca" reduzindo as hipóteses de ultrapassagem ou de cruzamento! Esta situação, já estava assinalada por alguns transeuntes que, acelaravam o passo para lá passar antes do amigo sapateiro, senão, passavam uma eternidade à espera de vaga, porque, ele andava muito devagarinho! 
O Chiquinho, saiu de casa a correr, como sempre e, entrou em grande velocidade pela talisca, mas quando levantou os olhos ficou espantado por a mesma estar completamente bloqueada! Ainda soltou um suspiro: Ai valha-me Deus, por onde é que eu agora passo? A meio da talisca vinha o ti José e o ti Vicente, um à frente do outro, davam um passo e paravam-se de conversa! O Chiquinho ficou parado ao cimo da talisca a pensar a maneira de contornar o obstáculo, por cima da parede da Ti Rosa, não dava, tinha feixas de lenha e ela não queria os gaiatos em cima da parede, era um grande risco, podia levar alguma tanganhada ou  ela ir contar ao pai e, aí era tanganhada certa! Por cima da outra parede do lado direito, também não era boa ideia, já tinha tido dissabores por isso! Podia passar por baixo das pernas deles, mas eles não iam deixar e se tentasse  podia levar alguma cacheirada! Os dois homens avistaram-no e, decerto repararam na sua impaciência, ele entrava a correr pela talisca dentro e, depois voltava dando passos para trás de frente para eles, foi então que eles pararam de vez! O Chiquinho, fez de tudo para que eles percebessem que ele estava à espera de passar, escondeu-se atrás da parede da ti Rosa na esperança de eles pensarem que tinha desistido e se tinha ido embora, mas quando espreitava só com um olho para que não o vissem, mas esqueceu-se de tirar o chapeu e, quando o olho alcançava o objetivo já aparecia mais de um palmo do chapéu, por isso, os transeuntes percebiam as manobras do Chiquinho e  continuavam inertes no mesmo lugar! Esteve quase a gritar-lhe para desentupirem a talisca que ele queria passar, mas conteve-se ao lembrar-se que, o pai frequentava a oficina do sapateiro à conversa e ia logo saber o que se tinha passado, depois, não se escapava de levar uns açoites! Estava irritado, porque era ele que se saia sempre mal e as pessoas desta aldeia diziam que, ele é que era o mau e, continuou dando saltos quase da altura da parede da talisca, para dar a entender que queria passar, mas não, estavam parados, paradinhos e nada os demovia dali! 
De repente, o Chiquinho lembrou-se que tinha uma boa alternativa e ficou irado por não se ter lembrado logo disso, esteve a cansar-se a dar pulos e, esse esforço tinha dado para contornar pelo Monte da Cruz e pelo poço largo, a correr, depressa dava a volta e ficava logo no fim da vereda que dava com a talisca! Quando acabou de pensar nisso, já ia a correr, dando a volta na rua para o Monte da Cruz! Nesse momento, ouviu um assobio dobrado, não ligou, porque pensou que não era para ele, mas logo a seguir, ouviu o seu nome! Ainda tentou continuar mas, outro brado mais forte fê-lo parar: Oh Chico Manel! Chico Manel! O Chiquinho não tinha como escapar! Pela voz, viu logo que era o ti José Maria e, à distância ripostou: 
Chiquinho: O que é que vocemecê quer, ti Zé? Não vê que vou com muita pressa! Agora, não tenho vagar nenhum!
Ti Zé: Qual pressa nem pressa! Só tens pressa para ires para a brincadeira! Chega lá aqui! 
Chiquinho: Oh homem, já lhe disse, vou com muita pressa fazer um recado ao meu pai e, era já para estar na Froja (Forja) mas taparam-me a talisca e há quase uma hora que estou ali à espera para passar, tive de vir por aqui e, sai-me vocemecê ao caminho ainda para me empatar mais! Eu venho cá logo à volta! 
Ti Zé: Não, não! Anda cá agora, eu depois falo com o teu pai! Digo-lhe que te empatei aqui para me ajudares! 
Chiquinho: Oh ti Zé, mas eu agora não posso, logo ou amanhã eu faço-lhe tudo o que precisar, mas de verdade, agora não posso!
Ti Zé: Olha Chico, se não vens cá agora, logo conto ao teu pai que me desobedeceste e depois já sabes o troco que levas! 
Chiquinho: Pronto! Diga lá o que quer! Isto é demais! Eu não aguento isto! E ainda por cima o mau sou sempre eu! Tomara desapercer desta aldeia! 
Ti Zé: Vá lá, não te zangues, sabes que te ajudo sempre que precisas! 
Chiquinho: Ajuda, ajuda! Não sei como vou dizer ao meu pai que não fiz o mandado por sua culpa e eu é que as vou pagar! 
Ti Zé: Fica descansado que eu falo com o teu pai, não te vai acontecer nada! 
Chiquinho: Não me acontece nada, não! A mim nunca me acontece nada! Veja lá que ainda mal saí de casa, já nem sei o que me aconteceu! Daqui até à noite, não vou aguentar! Mas vá, diga lá para que me chamou e, porque me está aqui a empatar? 
Ti Zé: É para me ajudares a fazer aqui um serviço! 
Chiquinho: O meu pai e a minha mãe dizem que eu não sei fazer nada! Como posso ajudá-lo a fazer um serviço? Porq2ue não pede aos eus filhos?
Ti Zé: Porque os meus filhos não estão cá, tenho a certeza que isto sabes fazer, anda lá! 
Chiquinho: Então, mas não me pode dizer que serviço é esse? Se eu não souber fazer, escusa de me empatar e vou-me logo embora! 
Ti Zé: É para me ajudares a untar o carro (carroça)! 
No eixo de ferro temperado que entrava na manga das rodas das carroças tinha que, periodicamente, ser aplicada massa consistente para o mesmo não aquecer e partir-se ou empenar! Para se fazer esse trabalho tinham de levantar a carroça a braços, depois especá-la, a roda ficava no ar, tirava-se a cavilha e puxava-se a roda até à ponta do eixo, aplicava-se a dita massa que tinha uma mistura de pó de carvão mineral e, depois era só  empurrar a roda para o seu lugar, pôr a cavilha no lugar para segurar a roda, levantar novamente aquele lado da carroça a braços para tirar o espeque, baixava-se a carroça e estava o serviço feito naquela roda, depois era fazer tudo igual na outra roda e, ficava o carro untada! 
Chiquinho: Ora está a ver! É trabalho que não sei fazer! Sei fazer de tudo, menos isso! Vou-me andando! 
Ti Zé: Espera lá! Não é para untares nada! É só para pores o espeque debaixo do eixo do carro para eu tirar a roda! 
Chiquinho: Chó, chó! Isso é que eu não faço! Se deixa cair o carro em cima de mim, fico aí arreganhado que nem um passarinho! E depois, sou eu que ouço o meu pai? Vou-me andando! 
Ti Zé: Espera lá rapaz! Eu não deixo cair o carro, porque não tiro a roda, fica à ponta do eixo, se caisse, que nao cai, ficava firme na roda! Vá, vamos lá! 
Chiquinho: Vamos lá, vamos lá, vamos é ver o que vocemecê vai arranjar! 
Ti Zé: Então, tu não ajudas o teu pai a untar o carro? 
Chiquinho: Oh ti Zé, já lhe disse que é um trabalho que não sei fazer! O meu pai nem me quer lá perto dele, quando unta o carro, tem medo não me caia em cima! 
Ti Zé: O teu pai lá sabe! Vá, anda cá! Primeiro vamos travar a roda de lá, porque ao levantar o carro deste lado se aquela roda não estiver travada com uma pedra ele pde rodar e cair de cima do espeque! 
Chiquinho: Ah, agora já pode cair! Bem, caia, ou não caia, já vi que não abalo daqui hoje! Nunca pensei que untar um carro levasse quase um dia inteiro! 
Ti Zé: Não leva muito tempo! Aquela roda já está travada, agora eu levanto o carro deste lado e tu metes o espeque aqui no eixo, depois, eu vou baixando o carro e a roda fica no ar, tiro a cavilha, puxo a roda e unto o eixo e a manga! Vá, mete o espeque! 
O Chiquinho, com o medo que estava, não lhe caisse a carroça em cima, atirou o espeque de longe, o qual, foi cair debaixo dela! O trabalho começou a correr mal! O ti Zé baixou a carroça e, com calma explicou-lhe novamente, como tinha de fazer, mas só depois de várias tentativas lá conseguiu colocar o espeque no lugar e fazer o trabalho! Depois, fizeram tudo igual na outra roda e, depois de meia hora estava o carro untado!
Ti Zé: Ora estás a ver, já aprendeste a untar um carro! 
Chiquinho: Grande coisa que eu aprendi, pôr um espeque no carro e alcançar-lhe a lata do unto! De resto fiquei a saber o que sabia! Mas empatou-me aqui bem empatado!
Ti Zé. Vocês, agora, já uns homens e não sabem fazer nada, nem querem aprender! Na tua idade já eu vestia ceroulas e andava com a parelha do meu avô! 
Chiquinho: Chó, ti Zé, ceroulas não são para mim, se gosta fique com elas todas! Eu não visto coisas dessas! 
Ti Zé: Não vestes? Então apanha lá uns geadões e depois diz-me se não vestes ceroulas! Então vestes cuequinhas de menina? 
Chiquinho: Olhe ti Zé, só lhe digo uma coisa, é dizer-me outra dessas e acabou-se o untar do carro, pode ir dizer ao meu pai, ou a quem quiser, mas eu nunca mais lhe unto o carro! Não quer mais nada? 
Ti Zé. Não! Podes ir lá à Froja! 
O Chiquinho começou a correr a caminho de Capelins de Baixo, mas antes ainda advertiu o ti José Maria para no caso de ser preciso dizer ao pai que ele tinha passado ali a tarde a untar o carro! O ti José Maria disse-lhe que sim, podia ir descansado! 
Quando o Chiquinho chegou a Capelins de Baixo já as brincadeiras estavam em andamento, geralmente começavam com jogar aos escondarêlos (escondidas), depois à apanhada, berlinde, pião, pateira e outros, naquele momento ainda estavam nos escondarêlos, o Chiquinho entrou logo mas teve de ser ele a "ficar-se" (tapar os olhos, contar até 20) e sair dali da barra (barra) a procurar os que se escondiam, depois ao encontrar algum, correr primeiro do que ele até à barra e contar 1,2,3 ficas-te! A brincadeira estava tão boa que o Chiquinho não deu por o tempo passar, era quase sol posto quando despertou, ficou muito aflito e correu imediatamente na direção da Forja! Depressa lá chegou, mas bateu com o nariz na porta, já estava fechada! Ficou muito apreensivo, restava-lhe dirigir-se à casa do ti Vicente e foi isso que fez, chegou à porta em grande alarido:
Chiquinho: Ti Vicente, ti Vicente!  Oh ti Vicente!
Quem é? Ai valha-me Deus, o que aconteceu? 
Chiquinho: Ah! É a ti Jacinta (P.A.S.A.)! Então o ti Vicente tem a Froja (Forja) fechada porquê? 
Ti Jacinta: Porque chegou a hora de fechar! Então porquê? O que lhe queres a esta hora? 
Chiquinho: Era só para lhe dar um recado do meu pai! 
Ti Jacinta: Ele anda ali para trás do Monte! 
O Chiquinho nem ouviu mais nada! Foi a correr em volta do Monte, encontrando o ti Vicente a tirar um balde de água do poço para lavar uma alface! 
Chiquinho: Eh ti Vicente! Cá onde vocemecê está! Há quase uma hora que ando por aí à sua procura! Hoje fechou a Froja mais cedo porquê? 
Ti Vicente: Não fechei nada mais cedo! Fechei, quando tinha de fechar e quando eu quis fechar! Porquê? 
Chiquinho: Por nada, ti Vicente! Já uma vez cá vim por esta hora e ainda ali estava a trabalhar! 
Ti Vicente: Isso foi alguma vez que estava com o trabalho apertado! Então o que queres? 
Chiquinho: O meu pai manda perguntar, quando é que pode vir buscar as coisas que tem cá a amanhar? Ah, e quanto custo tudo?
Ti Vicente: Diz lá ao teu pai que amanhã à tarde está tudo pronto, se quiser pode cá vir buscar as coisas! Ora, são cinco escudos da aiveca, cinco escudos da relha e sete e quinhentos da enxada, tudo são dezassete e quinhentos! 
Chiquinho: Dezassete e quinhentos? Bela conta! Até Capelins de Cima, decerto que me esqueço! 
Ti Vicente: Então se te esqueceres, diz ao teu pai que traga vinte escudos, que ainda leva troco! 
Chiquinho: Ah! Assim está bem! Dezassete e quinhentos? Dezassete e quinhentos? 
Ti Vicente: Sim! Não te disse já?
O sol já desaparecia no horizonte e o Chiquinho corria, corria, na sua direção, na esperança de o segurar até ele chegar a casa onde tinha de apresentar uma boa jsutificação pata não bater com a cara nas mãos do pai! O caminho de regresso foi o mais direto possível, inevitávelmente, pela talisca que, estava totalmente desimpedida! Entrou em casa, pé ante pé e para seu espanto não estava ninguém, andou a escutar pelas portas e nada! Quando já pensava que estava safo, ia a sair para averiguar o que se passava no quintal, deu de caras com o pai que vinha a entrar com uma tijela cheia de leite das cabras! Ficou atarantado, sem respiração e sem palavras, foi o pai que começou: 
Pai: Onde é que tens andado seu malandro? 
Chiquinho: Eu? Eu tenho estado aqui! Há muito tempo que aqui estou, mas não vi ninguém, agora ia ver o que se passava no quintal! 
Pai: Eu sei há quanto tempo estás aqui, mesmo agora vim buscar esta tijela e não estavas cá!
Chiquinho: Não estava? Mas olhe que eu já estou aqui há muito tempo! Devia estar ali para dentro!
Pai: Deixa-te de mentiras e diz-me lá onde tens andado? 
Chiquinho: Eu? Eu fui dar o recado ao ti Vicente da Froja (Forja)! 
Pai: Ainda por cima és mentiroso, foi preciso a tarde toda para dares o recado?  
Chiquinho: Ah! Não! É que aconteceram-me tantas coisas até chegar à Froja (Forja) que ainda pensei que não era capaz de dar o recado hoje! 
Pai: Ah sim? E que coisas foram essas que te empataram a tarde inteira? E o que disse o homem? 
O Chiquinho contou ao pai a conversa que teve com o ti Vicente, a situação do impedimento de passar pela talisca, dizendo que podia confirmar com o sapateiro e depois quando optou em dar a volta pelo Monte da Cruz, o ti José Maria o tinha chamado para o ajudar a untar o carro e por isso tinha passado a tarde a ajudá-lo, podia confirmar isso com o ti José Maria e depois logo via se ele estava a mentir e então logo ajustavam contas! 
O pai do Chiquinho não achou a justificação fora de jeito e, apenas exclamou: Está bem! Amanhã logo ajustamos as contas e já sabes, se estiveres a mentir, chego-te a roupa ao pêlo! Foi grande alívio para o Chiquinho, porque sabia que o ti José Maria não o ia deixar ficar mal! No dia seguinte, o pai do Chiquinho a caminho para a courela dirigiu-se ao ti José Maria a confirmar a afirmação do Chiquinho! O ti José Maria, confirmou tudo e disse-lhe que ele tinha passado ali a tarde quase toda a ajudá-lo a untar o carro e outros trabalhos, saindo dali já tarde! 
Quando o pai chegou a casa, vindo da courela, o Chiquinho já o esperava para o ajudar, muito confiante, porque sabia que daquela vez estava safo, mas já tinha dado uma volta por Capelins de Baixo. 

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Antiga Forja, em Capelins




  

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