terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias da visita de Nossa Senhora de Fátima, a Capelins

 Memórias da visita de Nossa Senhora de Fátima, a Capelins 

No ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e sessenta e um, no dia 29 de Janeiro, o padre Joaquim de Jesus Silva, Pároco na Igreja de Santo António de Capelins, assim que chegou à Igreja, vindo de Santiago Maior, onde morava, na Aldeia dos Marmelos, a rezar a missa de Domingo, não se conteve e anunciou que, trazia uma grande novidade que ia encher os paroquianos de júbilo, mas só contava  no final da missa! 

Como o padre Silva não dava muita confiança, as fiéis não insistiram para ele contar, mas ficaram intrigadas com o que ouviam, uma vez que, nunca se passava nada de novo em Capelins, mas acreditavam que desta vez, alguma coisa estava para acontecer, porque o padre Silva não era de brincadeiras! 

A missa decorreu normalmente, mas devido à expetativa, com mais entusiasmo nas ladainhas e, quando acabou, ninguém se mexeu do seu lugar à espera da novidade, mas o padre Silva, fez-se esquecido e começou a arrumar os paramentos e os objetos litúrgicos muito lentamente, deixando toda a gente inquieta! 

As fiéis, esperaram, esperaram até esgotar a paciência, até que começaram a dizer às vizinhas e familiares que tinham de se ir embora, umas a pôr as sopas ao lume, outras a tratar dos bacros e das galinhas e pediam para depois elas passarem pelas suas casas a contar a novidade, porque não podiam esperar mais tempo! 

O padre Silva apercebeu-se das conversas entre as fiéis e com receio que se fossem todas embora, decidiu que, estava na hora de contar a novidade e começou a falar: 

Padre Silva: Bem! Vamos lá a isto, que se faz tarde! Quero contar-lhe que vai haver um grande acontecimento religioso na nossa Paróquia, como nunca cá houve, dentro de poucos meses vamos receber a visita de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, da imagem peregrina! 

As fiéis, esperavam muita coisa, mas não esperavam essa benção e ouviu-se um desabafo de admiração e entusiasmo, e começaram a fazer perguntas e a dar opiniões ao padre Silva: 

Fiéis: Senhor Prior, então e em que dia vem Nossa Senhora de Fátima a Capelins? E respondiam: Sim, temos de saber, para organizar tudo! 

E a imagem de Nossa Senhora fica aqui na Igreja ou lá na Escola Primária? E respondiam: Sim, aqui é que fica bem, a escola não é a Igreja! 

E a irmã Lúcia também vem a Capelins? E respondiam: Sim, deve vir, ela vai sempre com Nossa Senhora de Fátima peregrina! 

O padre Silva, quando o deixaram falar, respondeu que, ainda não tinha certezas, mas a visita devia ser no início do mês de Março, no Sábado e Domingo dias 4 e 5! Sobre onde ficava a imagem de Nossa Senhora de Fátima, depois a comissão que tinha de ser nomeada, logo decidia se seria na Igreja ou na Escola Primária! Ainda não sabia se a irmã Lúcia vinha, mas sabia que ela acompanhava sempre a imagem peregrina que tinha sido oferecida pelo Bispo de Leiria e esculpida por indicação dela e coroada solenemente pelo arcebispo de Évora, D. Manuel da Conceição Santos, em 13 de Maio de 1947 e não adiantou mais!

Ainda nesse Domingo, a novidade espalhou-se pelas Aldeias, Montes e Vales das terras de Capelins e, à tarde e à noite nas tabernas de Capelins, depois de beberem uns copinhos de vinho e de aguardente, o acontecimento começou a ser comemorado com cantigas e motes de décimas, entre os capelinenses! A festa profana tinha começado!

O padre Silva, semana a semana, ia dando instruções à Comissão organizadora, entretanto nomeada, sobre o que tinham de ir tratando e logo a seguir deram início às novenas para treinar as rezas e cânticos de louvor a Nossa Senhora do Rosário de Fátima! 

A comissão e o padre Silva decidiram que, por motivo de acesso dos devotos, era melhor a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima ficar na Escola Primária, entretanto o programa foi confirmado, o dia e horas da chegada, das missas, procissão, crismas, batismos e outros Sacramentos e, no dia marcado para a chegada estava tudo preparado e ornamentado com arcos, flores em papel e palmeiras! 

À medida que, o grande dia se aproximava, mais conversas se ouviam sobre os milagres de Nossa Senhora de Fátima e da sua aparição aos pastorinhos, ouviam-se histórias, cantigas e décimas, já se vivia um clima de festa em Capelins e houve muitas peripécias, antes, durante e depois desta visita de Nossa Senhora de Fátima! 

O Chiquinho de Capelins, era uma das crianças que estava na lista das que seriam batizadas, por isso, andava muito vaidoso, contava a toda a gente que Nossa Senhora de Fátima o vinha batizar! 

Um dia, chegou ao portão do quintal e avistou o vizinho Zé Manel a brincar junto à sua porta, não se conteve e com cautela foi-se aproximando, porque nunca sabia como era recebido e disse-lhe: 

Chiquinho: Então, Zé Manel, ao que estás a brincar? 

Zé Manel:  Estou a brincar à Nossa Senhora de Fátima e aos pastorinhos! Porquê? 

Chiquinho: Então posso brincar contigo? 

Zé Manel: Não, claro que não podes, tu sabes lá brincar à Nossa Senhora de Fátima e muito menos aos pastorinhos! 

Chiquinho: Sei, sei, tu é que não sabes! Ela agora até vem cá a batizar-me! 

Zé Manel: Cala-te, vem cá, mas não é a batizar-te, quem te batiza é o padre Silva e depois tens que lhe beijar a mão!

Chiquinho: Não é, não, e não beijo o padre, eu sei que quem me batiza é Nossa Senhora de Fátima! 

Zé Manel: Mau, mau, olha, cala-te, senão quem te batiza sou eu! 

Chiquinho: Pronto, tu é que sabes tudo, tem de ser como tu dizes, mas estás enganado! 

Zé Manel: Não estou enganado, não! Depois contas-me quem te batizou e se for o padre Silva, levas uns carolos na marmita! Então e que animal levas à procissão? 

Chiquinho: Não sei! Então temos de levar um animal para quê? 

Zé Manel: Para Nossa Senhora lhe dar a benção, se não levas um animal não pões lá os pés! Eu levo a minha cadelinha branca ao colo, com um grande laço ao pescoço, mas ali os vizinhos uns levam gatos, cães, cabras, ovelhas, bacros, coelhos, mulas, galinhas e outros animais, para a benção do gado! 

Chiquinho: Olha, eu tenho dois gatos, mas cada vez que os agarro arranham-me todo, também tenho coelhos, mas também me arranham, só se levar a galinha branca! 

Zé Manel: Pois, olha, leva a galinha branca debaixo do braço, dizes à tua mãe para lhe fazer um laço ao pescoço e, assim já podes ir à procissão! 

Chiquinho: Boa ideia, levo a galinha branca, vou já dizer à minha mãe! 

O Chiquinho foi a correr dizer à mãe que tinha de levar a galinha branca à procissão, porque os rapazes já tinham todos um animal para levar, para Nossa Senhora de Fátima lhe dar a benção! A mãe andava atarefada com as lides da casa e não lhe deu importância, apenas lhe disse que sim! 

Quando chegou o grande dia, o Chiquinho andou brincando no quintal, com o olho na galinha branca, até que foi chamado para o banho num alguidar com uma pitadinha de champô no cabelo, para ficar a cheirar bem e, como os batismos eram pela manhã puseram-se a caminho da Escola Primária, onde foi batizado pelo padre Silva, na presença da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima e de muitos padres e freiras, mas não foi nada como o Chiquinho imaginava, estava muita gente vestida de prêto e cinzento que lhe causaram muito medo, andou muito encolhido e quase não abriu a boca, o padre Silva fez o ritual, deitaram-lhe uma pouca de água pela cabeça, apanhada por uma bacia e depressa desandou dali, sem perceber nada do batismo! 

Depois do jantar, (almoço) o Chiquinho, com o cansaço, adormeceu profundamente e já a procissão estava a meio quando a mãe o acordou e foram a correr ver passar Nossa Senhora de Fátima e os anjinhos, mas a galinha branca (que era amarelada) ficou em paz na capoeira, porque o Chiquinho, partiu ensonado e nunca mais se lembrou dela! 

A procissão de Nossa Senhora de Fátima, foi o maior acontecimento religioso em Ferreira de Capelins, deixou marcas nos devotos que o lembraram durante muitos anos!

Ainda continua o mistério, se a irmã Lúcia acompanhava a imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima em Capelins, ou se era uma freira muito parecida com ela! 

Pelo que conseguimos saber, através dos nossos ancestrais, a irmã Lúcia, não esteve em Capelins, era uma freira parecida com ela, mas Nossa Senhora de Fátima, a primeira imagem peregrina, esteve em Ferreira de Capelins no Sábado e Domingo, dias 4 e 5 e talvez dia 6 do mês do mês de Março do ano de 1961 e em Montes Juntos, nos dias 6 e 7 de Março deste mesmo ano. 

Os batismos na Aldeia de Montes Juntos foram realizados na Escola Primária na Terça Feira dia 07 de Março de 1961.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Nossa Senhora de Fátima



Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...