terça-feira, 4 de outubro de 2022

O trabalho de ceifar, atar e enrilheirar os cereais

 As conversas ao serão, nas tabernas de Capelins

O trabalho de ceifar, atar e enrilheirar os cereais

Nos finais do mês de Julho de 1969, já estavam as ceifas prontas, mas alguns seareiros ainda carregavam os cereais para as eiras, para fazerem a debulha!  

No serão, numa taberna de Ferreira de Capelins, onde habitualmente acudia um grupo de rapazes, estavam quase os mesmos fregueses de sempre, mas no grupo verificava-se a presença de mais um rapaz que, já não comparecia, havia mais de um mês, porque tinha andado a fazer a ceifa e a dar molhos, ou seja, a ajudar a carregar os cereais para a eira no Carrão, logo, nessa noite, era o alvo das atenções dos outros rapazes que, queriam saber tudo sobre os ditos trabalhos e o que ele tinha passado!

Os rapazes, como habitualmente, bebiam cervejas minis, mas outros fregueses bebiam vinho, era essa a sua bebida, ou aguardente e, outros jogavam ao xito, perdiam-se por este jogo tão popular nas terras de Capelins, ouvindo-se a mesma algazarra de sempre!

O rapaz ceifeiro, respondia a todos, sobre o que tinha feito, o que lá comia, onde dormia e acentuava que ia ficando sem pele, a ceifa custava muito, começava a ceifar de madrugada, ainda mal se via e só parava depois do sol desaparecer por completo, valia-lhe uma boa sesta que dormia nas horas de mais calor, umas duas horas, deitado no chão debaixo de um chaparro e muitos dias o vento nem mexia, mas o cansaço era tanto que, mesmo assim dormia e, também descansava alguma coisa enquanto comia, ao almoço (pequeno almoço), ao jantar (almoço) e à ceia (jantar) e ainda paravam de ceifar, cerca de meia hora para comer a bucha a meio da manhã e outra meia hora para a merenda a meio da tarde.

Os rapazes continuavam em conversa animada, com a ajuda das minis quando entrou o Ti Bate Estacas, como sempre, não disse nada, parou entre a porta e o balcão, lançou um olhar por todos os fregueses e ficou inerte.

Como era apanágio de quem já estava na taberna, um dos rapazes ofereceu-lhe uma bebida, mas ele recusou, abanando a cabeça em sinal negativo, então o rapaz, talvez para o provocar disse-lhe: - Então se não quer beber nada, o que está a fazer aqui? - Deves ter muito a ver com isso! Não me deixam dormir, ouve-se esta algazarra toda ali ao meu camalho! Respondeu o Ti Bate Estacas!

Os rapazes, ouviam o rapaz ceifeiro a contar, ao pormenor, o que tinha passado na ceifa e a dar molhos e comentavam que, também sabiam fazer esses trabalhos, porque já tinham ceifado uma vez ou outra e tinham dado molhos e reconheciam que era um trabalho muito mau, mas a ceifa era o pior, porque os ceifeiros e ceifeiras andavam um dia inteiro, quase sempre dobrados pela cintura, com a foice numa das mãos e os canudos de cana para proteger os dedos de eventuais cortes, na outra, a que apanhava os cereais que a foice cortava pelos caules quase junto à terra e faziam os molhos, sempre debaixo de um calor insuportável, era matar as pessoas!

O Ti Bate Estacas, estava muito sereno a escutar a conversa e, sem pedir licença, virou-se para os rapazes e disse-lhe: - Vocês não sabem ceifar, nem atar, nem enrilheirar! E com esta me vou para o meu camalho!  

Os rapazes começaram a rir, e foi só rir até a taberna fechar e, assim acabou mais um serão naquela taberna de Ferreira de Capelins.

Fim 

Texto: Correia Manuel 






Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...