terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando carregou a pedra de amolar picaretas

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando carregou a pedra de amolar picaretas

O Chiquinho de Capelins, morava em Capelins de Cima e quando estava livre da escola, tinha a seu cargo algumas tarefas, tratar dos animais, das cabras, galinhas e porcos, mas esse trabalho no seu todo, não ocupava mais de uma hora, quase todo o restante tempo era dedicado às brincadeiras, as quais, eram quase sempre em Capelins de Baixo, onde morava a rapaziada que participava nas mesmas.
O Chiquinho, assim que se desembaraçava daquele encargo, metia-se logo a caminho para não chegar atrasado ao lugar combinado que, era à porta da mercearia da senhora Leonília, no entanto, se houvesse alguma coisa de novo entre as duas Aldeias, arranjava tempo para alargar a rota e ir averiguar o que se passava.
Quando a Junta de Freguesia de Capelins adjudicou o arranjo da estrada entre Capelins de Cima, Monte da Cruz, poço largo até à escola primária, à Firma de Alberto Faustino, havia por ali muito movimento de camionetas e de homens a trabalhar, a maioria eram moradores na Aldeia ou dos arredores, então o Chiquinho quando ia para as suas brincadeiras desviava o percurso por aquelas bandas para ver as obras e para se ir metendo com os trabalhadores.
Quando eram conhecidos, tratava-os pelo nome, eh ti Manel, eh ti Zéi, eh ti Chico, eh ti Antonho e, armado em entendido adiantava: - Está a fazer um bom trabalho! O ti Antonho e, os outros respondiam: - Oh se estou Chiquinho, e tu deves perceber muito disto! O Chiquinho empertigava-se e respondia: - Olhe que até percebo, no inverno não se consegue aqui passar com tanta água e lama, agora estão a endireitar a estrada para a água não fazer poças, a pôr pedra e a fazer valetas para a água não correr pela estrada, era o que tinha ouvido ao pai, deixando alguns homens surpreendidos e concordavam, então ele seguia todo orgulhoso por a sua sabedoria ser reconhecida.
Se fosse um desconhecido, também não se escapava, mas o cumprimento era diferente: Eh ti homem, eh ti homem, uns respondiam, adeus rapaz, outros não.
O dia que carregou a pedra de amolar picaretas, foi para esquecer, o Chiquinho tratou dos animais com toda a pressa e dirigiu-se para o santuário das brincadeiras, mas planeou ir pelo Monte da Cruz para dar fé do que por ali se passava, foi andando e começou logo a encontrar trabalhadores, fazia o seu cumprimento e alguns homens respondiam: Bom dia Chiquinho, e metiam conversa: Onde vais hoje? O Chiquinho ia respondendo e justificando: - Dizia a todos que ia a Capelins de Baixo em serviço da casa, a dar um recado do pai.
Estava tudo a correr bem, até chegar junto do Poço Largo, onde andava o ti António João a trabalhar, assim que o viu, chamou-o e disse-lhe:
Ti António João: Eh Chiquinho, ainda bem que apareceste! Então tu não és rapaz para me fazeres um favor?
Chiquinho: Não sei, ti António João, não sei, eu vou com muita pressa, porque vou dar um recado do meu pai, além ao ti Domingos Almeida e se me demoro, não o apanho em casa e depois pode chegar-me a roupa ao pêlo!
Ti António João: Oh Chiquinho, mas isto que te vou pedir não demora nada, fica-te de caminho!
Chiquinho: Fica-me de caminho para onde ti António João? Eu agora vou aqui pela vereda à roda do Ribeiro e vou sair além ao poço do chorão é neste caminho?
Ti António João: Não, não, mas se fores por aqui a sair além à escola, diz-me lá que tempo perdes? E fazias-me um grande favor!
Chiquinho: Oh ti António João, eu até gostava muito de lhe fazer esse favor, mas não posso, senão depois já não apanho lá o homem e ainda levo alguma sova! Não posso, não posso! Passe bem!
Ti António João: Oh Chiquinho, tu não me faças uma coisa dessas, senão logo digo ao teu pai que passaste aqui a caminho da brincadeira e te negaste a fazer-me um favor!
O Chiquinho, aqui, ficou entre a espada e a parede e continuou!
Chiquinho: Oh ti António João, eu não me neguei a nada, sabe que tenho a minha vida, mas pronto, diga lá o que quer?
Ti António João: Chiquinho, estás a ver ali aquela saca ao pé do poço? Tem uma pedra de amolar as picaretas lá dentro, leva-a lá até além à do Manel do ti Chico!
Chiquinho: Mau, mau, isto não me está a agradar! Então, porque é que ele não a vem cá buscar?
Ti António João: Oh valha-me Deus, porque não pode, se ele viesse aqui de costas direitas e chegasse ai o patrão, ia pensar que ele andava por aqui a passear, era logo despedido! Vá, leva-lhe lá a pedra que está a fazer-lhe muita falta!
O Chiquinho deitou a mão à saca de serapilheira, mas caiu de costas, nem a mexeu devido ao peso do pedragulho!
Chiquinho: Eh ti António João, isto pesa uma tonelada, eu não sou capaz de a levar! Passe bem!
Ti António João: Espera lá Chiquinho, então, tu sabes o que dizem por aí? Que és um rapaz pequeno e franzino, mas não há aqui nenhum da tua idade que tenha tanta força! Afinal, é mentira!
Chiquinho: Olhe que não é mentira! Eu posso com a pedra!
O Chiquinho encheu-se de orgulho, pegou na saca com as duas mãos e com muita dificuldade conseguiu pô-la às costas e seguiu o caminho a abanar, aqui caio, ali me levanto, mas lá chegou junto do Manel do ti Chico e disse-lhe que estava ali a encomenda do ti António João! E ele respondeu:
Manel do ti Chico: Qual encomenda? Isso não é para mim rapaz! O ti António João enganou-se! Leva lá isso para trás, porque não é para mim! É além para o Manel das Hortinhas!
Chiquinho: É o levas! Tenho a certeza que morria aí debaixo da pedra! Até aqui já faltou pouco! Eu não lhe mexo mais! Passe bem!
O Manel do ti Chico ficou a falar, mas o Chiquinho seguiu o caminho para Capelins de Baixo e, a pedra de amolar as picaretas ficou onde a deixou.
Quando chegou ao destino, ainda as canetas (pernas) lhe tremiam como varas verdes, os companheiros já o esperavam e como viram o seu estado perguntaram:
Rapazes: O que te aconteceu, nem te seguras nas pernas!
O Chiquinho contou-lhe o que se tinha passado, e os rapazes responderam:
Ah também caíste no engano? E contaram ao Chiquinho que também tinham sido enganados pelos homens da estrada e que não era nenhuma pedra de amolar picaretas, era uma grande pedra que eles usavam para enganar os gaiatos que por ali passavam.
O chiquinho ficou muito zangado e envergonhado e a partir daquele dia mudou a sua rota do percurso, afastando-se o mais possível dos homens da estrada.
Quanto às pedras de amolar picaretas, embora houvesse outras tentativas, nunca mais foram carregadas às costas do Chiquinho, mas foi mais uma lição para a sua vida.
Fim

Texto: Correia Manuel

Ferreira de Capelins





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