segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A lenda da passagem do Rei D. José I, por Capelins

 A lenda da passagem do Rei D. José I, por Capelins 

Passavam os meses e a cidade de Elvas clamava pela presença do Rei D. José I para despachar assuntos de justiça e outros que se acumulavam e estavam a prejudicar a vida normal nesta cidade, mas devido à distância que a separava do Paço da Ribeira, o Rei ia adiando, até que, sua majestade a rainha Mariana Vitória, cansada dos ares de Lisboa, propôs ao monarca que a Família Real fosse com ele passar uns dias à inesquecível cidade de Elvas, onde, perto dela, tinha sido feita a troca das Princesas que a incluía! 
A Troca das Princesas realizou-se no dia 19 de Janeiro de 1729! Essa troca foi feita no Rio Caia, que faz fronteira entre os Concelhos de Elvas, Portugal e de  Badajoz, Espanha. A cerimónia fez-se literalmente a meio do rio, numa grande ponte-palácio de madeira ricamente decorada construida para a ocasião, com vários pavilhões em ambas as margens. 
Quase toda a Corte participou, tendo todas as vilas e lugares entre Lisboa e Elvas sido enfeitadas com arte efémera, tal como arcos triunfais, jardins artificiais, fontes e outros ornamentos, para receber os imensos cortejos na ida e na volta da fronteira. 
As princesas trocadas foram Dª Mariana Vitória, filha de Filipe V de Espanha e, Dª Maria Bárbara, filha de D. João V e irmã de D. José, que casou com o Pirncipe das Astúrias. 
A rainha Dª Mariana Vitória, não esqueceu como foi recebida e, ficou com Elvas no coração, porque, tinha sido ali a porta de entrada para o reino de Portugal, por isso, desejava ardentemente voltar a esse lugar e, apesar da viagem ser longa não hesitou e convenceu o rei em o acompanhar e aproveitar para mostrar aos filhos, o lugar onde foi trocada no rio Caia que lhe deixou tanta saudade, também foi aí que se separou dos seus familiares e amigos para iniciar uma nova vida no reino de Portugal! 
O rei D. José I, depois de ouvir os argumentos da rainha aceitou imediatamente e, deu ordens para se iniciarem os preparativos da viagem com a partida para daí a 8 dias e, na data marcada partiram pelo Alentejo dentro! Ao terceiro dia de viagem estavam em Elvas, atravessaram os campos do Alentejo no mês de Abril, em plena Primavera por, Alcácer do Sal, Alcáçovas, Évora, Estremoz, Elvas. 
O rei D. José I, tinha muito trabalho a afzer na cidade de Elvas, as justiças e outros assuntos, mas a rainha todos os dias cumpria o seu programa, foi duas vezes ao rio Caia, sem necessitar da sua companhia, a não ser nas várias festas que se realizaram com a presença das gentes importantes da cidade, arredores e de Espanha. 
Quando o rei estava com o trabalho aliviado, em conversa com o meirinho-mor disse-lhe que, estava cansado de tanta papelada e o que gostava de fazer no fim do trabalho eram umas boas caçadas, porque não havia desporto tão belo! 
O Meirinho-mor, incentivou o rei a fazer algumas caçadas por ali, ou melhor seria na sua montaria real no Roncão D' El-Rei, porque não havia outra igual, mas era um pouco longe dali, talvez 5/6 horas de cavalo! Esta sugestão despertou no rei a vontade de ir passar uns dias ao seu Roncão, mas estava ali a Família Real e tinha de a mandar seguir para Évora onde o podiam esperar! Quando acabou o trabalho foi dizer à rainha o que tinha decidido! A rainha perguntou-lhe onde ficava esse Roncão e, o rei explicou-lhe que era no termo (Concelho) de Monsaraz. perto do rio Guadiana! A rainha disse-lhe que já tinha ouvido falar nessa Vila Medieval e gostava muito de a conhecer! Não é aquela Vila que fica muito alta e se vê Espanha? Perguntou a rainha!  Sim, vê-se a Espanha quase toda! Respondeu o rei! Nesse caso, vamos todos com sua majestade e, se for possível descemos o rio Guadiana!  Disse a rainha! O rei chamou o caiptão mor da guarda real e participou-lhe o desejo da rainha! O capitão disse-lhe que seria muito difícil descer o rio Guadiana com as carruagens, mas podiam seguir por caminhos muito próximos, quase sempre com Espanha à vista! Mas tinham de arranjar esses caminhos, porque existiam muitos buracos e barrancos, mas isso depressa se arranjava, mandavam um piquete especializado para arranjar alguns troços e dez ordenanças comandados pelo sargento mor dizer aos lavradores para arranjar os caminhos que estavam dentro das suas herdades e, decerto que, em menos de oito dias os caminhos estavam todos arranjados! O rei concordou  e começaram logo a distribuir as  ordens! O caminho entre Elvas e o Roncão D' El-Rei, tinha de ser quase em linha reta e o mais próximo possível do rio Guadiana! Ainda tentaram o percurso por Juromenha, Alandroal, Terena e Aldeia de Reguengos, mas esse percurso foi logo rejeitado uma vez que, além de ser mais longo, afastava-se muito do rio Guadiana, podendo ser uma deceção para sua majestade a rainha! Então, foi decidido que, o percurso seria por Juromenha, Mina do Bugalho, Rosário, Defesa de Ferreira, Cabeça de Carneiro, Corval e fialmente Roncão, cujo espaço seria percorrido, incluindo 5/6 paragens para diversos fins, sem apertos cerca de 10 a 12 horas, com saída de Elvas pelas 5/6 horas da manhã e chegada ao Roncão à tardinha pelas 18/19 Horas. A operação começou naquela hora e, antes da data marcada para a partida estava tudo conclluído! As populações dos lugares junto aos caminhos que foram alvo de intervenção, ficaram surpreendidadas com tanto movimento e começaram a ouvir dizer que era para o rei e a rainha passar por ali, mas ninguém sabia em que dia ou hora e nem o que ia fazer por ali, alguns nem acreditavam, ainda se fosse o rei à caça! Mas o que vem uma rainha fazer a estes matos? Comentavam os moradores!  
No dia 18 de Maio de 1751, depois de meio dia sairam várias carroças, trens e charretes de apoio, levavam tendas para levantar nos lugares onde a caravana devia parar, anunciando que estava para breve a passagem dos monarcas por ali! 
No dia 19 de Maio de 1751, pouco depois da hora marcada a caravana real pôs-se em marcha escoltada por um pelotão especial da guarda real, mas todo o caminho estava guardado por ordenanças bem armados, porque iam passar por lugares onde por vezes apareciam bandidos! A primeira paragem foi na Mina do Bugalho, cerca de meia hora, a segunda paragem foi na Ribeira de Lucefécit, logo após a passagem no Porto das Águas Frias de Baixo, no altinho, já dentro da Defesa de Ferreira, chegando ali antes da hora prevista, ainda não era meio dia, admiraram a paisagem, ouviram a história da Vila de Ferreira Romana, lá no alto, onde se viam bem as paredes do Forte Romano e, ouviram a história da Ribeira de Lucefécit, que é mencionada nos versos do rei Afonso X, o que causou grande admiração e interesse por parte da rainha que quis saber tudo! 
Assim que almoçaram seguiram o antigo caminho da época romana para Capelins de Cima, chegaram ao Monte Grande da Casa do Infantado que, embora não fosse nada do que conhecemos, já mostrava grande imponência pelas grandes dimensões, sendo explicado aos monarcas a quem pertencia! Passaram a pequena aldeia de Capelins de Cima, composta por 8 a 10 casas, mas muitas cabanas e cabanões e, quando chegaram à Igreja Paroquial de Santo António, a rainha que era muito católica e ainda não tinha entrado numa Igreja nesse dia, mandou parar a carruagem, entrou na Igreja acompanhada pelo rei, damas e chanceler mor e começaram todos a orar! O Pároco António de Souza e Sylva, naquele momento estava dentro da Igreja, quando viu aquela gente, deduziu que eram os monarcas e ficou impávido, quando acabaram o rei dirigiu-se ao Pároco e apresentou-se, o Pároco atirou-se ao chão, parecia que tinha endoidecido, o rei pediu para se levantar e fez-lhe algumas perguntas, quantos fregueses tinha, se os moradores frequentavam a Igreja, de quem era a Igreja e outras, sendo tudo anotado pelo chanceler mor, o rei não se mostrou muito satisfeito com as respostas, mas despediu-se e sairam, tomaram lugar na carruagem real e seguiram o caminho já com Monsaraz à vista! O Pároco de Santo António, ficou atónito o resto do dia, o rei D. José I e a rainha Mariana Vitória, estiveram a orar na sua Igreja, e andou algum tempo a pensar que tinha sido um sonho. 
A caravana passou pelo Monte da Vinha, aldeia de Cabeça de Carneiro, herdade da Rendeira e seguiu até ao Roncão do Rei, onde chegaram mais cedo do que estava marcado, mesmo fazendo uma paragem de quase uma hora antes do Corval. 
O rei e a família Real ficaram alguns dias no seu Roncão, onde existiam boas instalações para todos, o rei fez grandes caçadas e uma semana depois chegaram à cidade de Évora, onde o rei tinha muito trabalho a fazer e muitas festas já marcadas, pela nobreza deste importante burgo. 
O rei, durante o seu trabalho em Évora, recebeu as altas individualidades, entre elas, uma das mais importantes nessa época, o Arcebispo Frei Miguel de Távora, trataram alguns assuntos sobre a Diocese, o padroado real e, por fim o rei disse-lhe que estava muito satisfeito com o desempenho das Igrejas do Bispado de Elvas, porém, não se passava o mesmo com uma pequena Igreja Paroquial, cujo padroeiro era Santo António e ficava no termo (Concelho) de Terena! O rei transmitiu-lhe o que constava no relatório do chanceler e que tinham sido as respostas do Pároco António de Souza e Sylva, depois, sugeriu ao Arcebispo para enviar lá um clérigo avaliar a situação e tomar as medidas que melhor entendesse para alterar o que por lá se passava, uma vez que, os moradores, jornaleiros, que trabalhavam para os lavradores eram impedidos de assistir às missas, frisando que, talvez fosse um caso para a Santa Inquisição, porque o Pároco deu-lhe a entender que havia por ali "marranos". O Arcebispo ficou muito incomodado e prometeu ao rei que seria ele em pessoa a ir visitar a Igreja Paroquial de Santo António, falar com os lavradores  e, exigir que todos os moradores daquela Paróquia fossem crismados! O rei anuiu e, o assunto ficou por ali!
O Arcebispo de Évora, Frei Miguel de Távora, enviou logo na semana seguinte um emissário, à Villa de Terena com uma carta para o Cónego, na qual mostrava grande insatisfação com o que se estava a passar na Paroquia de Santo António, dava algumas diretivas para aplicação imediata e informava que brevemente estaria presente na dita Paróquia para falar com moradores, com os lavradores e fazer a crisma de todas as pessoas que ainda não estivessem crismados! Adiantava para que, o Cónego do termo (Concelho) de Terena, o Pároco de Santo António e outros, deviam começar a preparar a cerimónia que, brevemente, lhe comunicaria, o dia em que estaria presente. Ainda nessa carta, pedia ao Cónego para começar imediatamente a corrigir a situação, porque era essa a vontade de sua magestade!  
A visita à Paroquia de Santo António, foi marcada no fim desse ano, e no dia 15 de Março de 1752 o Arcebispo Frei Miguel de Távora entrava na Igreja Paroquial de Santo António, nunca se tinha assistido a uma cerimónia religiosa como essa, foi recebido pelos Párocos do Concelho de Terena e arredores, pela população, com cânticos de boas vindas e com um grupo de música! Depois das apresentações e cumprimentos, o Arcebispo leu um discurso dirigido a todos os fregueses, no qual pedia aos lavradores para, aoss Domingos darem umas horas aos jornaleiros e outros trabalhadores, para poderem assistir à missa e purificar a sua alma, porque, se isso não acontecer, a Santa Inquisição pode passar por cá e não queremos isso! Também, lembrou que suas majestades o rei D. José e a rainha Dª Mariana Vitória, tinham orado na Igreja de Santo António e não gostaram do que aqui ouviram, por isso, é sua vontade que todas as pessoas possam assistir às missas! Depois do discurso começou a crisma, as 158 pessoas que iam ser crismadas estavam alinhadas, vestindo as melhores roupas que conseguiram, ladeados pelos padrinhos, e tudo decorreu como planeado! A cerimónia durou o dia todo e, pela tardinha o Arcebispo Frei Miguel de Távora regressou à Vila de Terena, onde dormiu, para no dia seguinte continuar a sua viagem para a Diocese de Évora.
A partir desse dia, verificou-se grande mudança na Paróquia de Santo António, durante as missas de Domingo, mais de metade da população não tinha lugar dentro da Igreja, tinham de abrir a porta grande ao fundo, para os homens que ficavam de fora poderem assistir à missa! Os lavradores, talvez com receio da Santa Inquisição, obrigavam os criados e criadas a assistir às missas, era ouvi-los: "Vá Maneli tens dir à missa home"! "Mas eu nã sei razar! O que vou lá fazer patrão? Respondiam alguns criados! "Nã sei, logo aprendes, eu é que nã quero aqui a Inquisição à porta"! Diziam os lavradores!
Este foi o resultado da passagem do rei D. José I e da rainha Mariana Vitória, pelas terras de Capelins, no dia 19 de Maio de 1751.  

Fim 

Texto: Correia Manuel

D. José I


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