segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A lenda dos lacraus de Capelins

 A lenda dos lacraus de Capelins

O ti Miguel Gomes, chegou às terras de Capelins, nos finais do decénio de mil oitocentos e sessenta, vindo da vizinha Villa Medieval de Terena, já era viúvo e tinha três filhos!
A situação que levou o ti Miguel Gomes às terras de Capelins, foi o seu casamento com a Maria da Graça, na Igreja de Santo António, no Domingo, dia 20 de Setembro de mil oitocentos e sessenta e oito, uma rapariga solteira, natural de Capelins!
O ti Miguel, era seareiro, tinha uma courela no Monte Branco e, comprou duas courelas e umas casas quando chegou a Capelins com os seus filhos!
Passado um ano, após o casamento, a Maria da Graça teve um filho legítimo do ti Miguel Gomes, a quem foi dado o nome de Francisco da Graça Gomes!
O Francisco, conhecido pelo Xiquinho da Graça, foi crescendo sempre atrás do pai e da mãe pelas courelas, fosse na monda, na ceifa ou outros trabalhos agrícolas lá ia o Xiquinho na carroça acompanhando os pais, depois, a mãe estendia uma manta no chão o mais perto possível dos lugares onde andava a trabalhar para o poder ter debaixo de olho!
Decorria o mês de Junho de mil oitocentos e setenta e quatro, o Xiquinho já tinha cinco anos, os pais faziam a ceifa da aveia numa courela, semeada ao quarto na herdade do Terraço, começavam a ceifar de madrugada, ainda mal se via, para depois na hora de mais calor dormirem a cesta debaixo de um chaparro, o menino, ia embrulhado numa manta e continuava a dormir até mais tarde, depois, quando acordava a mãe dava-lhe umas sopinhas de leite, estendia a manta no chão e ele ficava a brincar com umas pedrinhas, fazendo currais, uns pauzinhos e umas ferraduras que, eram as mulas dele, mas levava o tempo a chamar pela mãe:
Xiquinho: Mãe, oh mãe, quero água!
Mãe: Já aí vou, espera lá só um bocadinho Xiquinho! Mesmo agora daí vim e já queres água? Vá, bebe lá e deixa-te estar aqui sentado!
Xiquinho: Mãe, oh mãe, tenho fome!
Mãe: Oh Xiquinho, espera lá um bocadinho, mesmo agora daí vim! Agora não posso, senão, não faço nada!
Xiquinho: Mãe, oh mãe, eu estou cheio de fome!
Mãe: Espera lá Xiquinho, isto assim não pode ser! Vá, toma lá um bocadinho de pão com queijo, come aqui sentadinho e não abales daqui, porque há aí muitas cobras!
Xiquinho: Mãe, oh mãe, dói-me a barriga!
Mãe: Espera lá Xiquinho, mesmo agora daí vim! Assim não faço mais nada!
Era sempre assim o comportamento do Xiquinho, a todo o momento estava a chamar pela ti Maria da Graça!
No dia seguinte, continuavam na ceifa na herdade do Terraço, depois da ti Maria da Graça tratar do Xiquinho, estendeu a manta no chão para ele ficar a brincar e foi continuara a ceifar, passou-se meia hora, uma hora e o Xiquinho sem chamar a mãe, a situação começou a preocupar a ti Maria e sempre que se dirigia a ele, eram estas as respostas:
Mãe: Então Xiquinho, não queres água?
Xiquinho: Agora não tenho vagar, estou a guardar as minhas ovelhas!
Mãe: Então Xiquinho, não queres pão?
Xiquinho: Agora não tenho vagar, vou dar água às minhas ovelhas!
Mãe: Então Xiquinho, não queres nada?
Xiquinho: Agora não tenho vagar, estou a tosquiar as minhas ovelhas!
A mãe começou a desconfiar que alguma coisa de estranho se estava a passar e decidiu ir ver o que ele estava fazendo, foi pé ante pé por trás dele e ele continuava falando como se estivesse a tratar de ovelhas, tinha um curral feito com pedras para onde estava debruçado e dizia: "Agora, vão comer para ali", vá, vá andando, senão levam com o pau, tinha na mão um pauzinho de um palmo com o qual guiava as supostas ovelhas dele!
Como as "ovelhas" não estavam a obedecer, atirou com o pau para o lado e dirigiu a mão para apanhar as ovelhas e obrigá-las a mudar para o lugar que ele queria! Foi nesse momento que, a mãe viu dois alacraus (lacraus, escorpiões), de ferrão alçado já dentro da mão do Xiquinho, deu um grito que se ouviu por toda a herdade do Terraço e que o assustou, ao mesmo tempo recuou a mão!
A mãe toda frenética pegou numa grande pedra e matou os lacraus, foi quando o Xiquinho começou a chorar, desalmadamente, levando a mãe a pensar que tinha sido ferrado pelos lacraus, começou a gritar a pedir socorro, o pai atirou com a foice foi a correr acudir ao filho, assim como os vizinhos e vizinhas que andavam a ceifar nas courelas em redor, toda a gente foi a tentar ajudar e saber o que se tinha passado! Quando perguntavam, os pais diziam que o Xiquinho tinha sido picado por uma alacrau, mas percorriam a mão e não conseguiam ver nenhum sinal! Por fim, chegou junto deles o ti Fernando Melro, homem com muita experiência nessa matéria e sabedoria em mezinhas, perguntou qual era a mão picada, pegou nela, observou, observou e disse: Nesta mão não lhe picou nenhum alacrau, mostra lá a outra, observou e disse: Nesta, também não lhe picou nenhum bicho, vejam lá noutro lado! Percorreram o corpo do Xiquinho de lés a lés e não encontraram qualquer sinal de picada de alacrau, mas ele continuava em grande pranto!
Como o pai e a mãe continuavam aflitos e a perguntar-lhe onde doía, quando ele conseguiu falar disse: Não dói nada, não dói nada!
Então o pai perguntou-lhe: Xiquinho, se não te dói nada, porque choras tanto?
E o Xiquinho respondeu: Porque a mãe matou as minhas ovelhas!
A causa de tanto choro, estava desvendada e os ceifeiros e ceifeiras voltaram às suas courelas, comentando e rindo do sucedido!
Afinal, o Xiquinho tinha andado a brincar com os alacraus no curral e com eles na mão e não o tinham ferrado, ou porque não os apertou, ou porque estavam cansados de dar tantas ferruadas no pauzinho com o qual ele os picava ou porque, como diz o ditado: "Ao menino e ao borracho, mete Deus a mão por baixo"!
Esta situação deu muito falatório pelas terras de Capelins, a partir daquele dia, o Xiquinho ficou a ser conhecido pelo Xico dos alacraus, mais tarde, o ti Xico Alacrau, assim como, os seus descendentes, entre os quais, o seu filho, o ti João Alacrau, um grande jogador de xito!
Assim, concluímos que, os apelidos nas terras de Capelins, todos tinham uma razão de ser.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Ferreira de Capelins 








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