terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando descobriu Monsaraz

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando descobriu Monsaraz

O Chiquinho de Capelins nasceu em Capelins de Cima, mas devido à vida rural dos seus pais, frequentemente faziam-lhe as malas, que eram uma saca de serapilheira e um leva tudo, para transportar os seus poucos haveres e, era alojado por longos períodos de tempo na casa dos avós maternos em Capelins de Baixo!
O Chiquinho passava os dias a brincar, ou sozinho ou com os vizinhos da sua idade, na rua principal, porque não havia trânsito motorizado, apenas pedestre! , Um dia estava ele a brincar com um carrinho feito de uma lata de sardinhas em conserva e uma ferradura, na dita rua e viu aparecer uma mulher muito apressada, era a ti Maria Antónia que subia a rua, ficou aliviado, porque, não era de família, logo não tinha de lhe pedir a benção e beijar a mão, mas mesmo assim, não a perdeu de vista, quando já estava muito próxima parou-se, virou-se para a porta da vizinha Catarina Velez (Veleza), conhecida pela ti Beleza, pôs as mãos sobre os quadris, encheu o peito de ar, bandeou-se toda e gritou:
Ti Maria: Oh Beleza, Beleza! Onde é que ela andará? Mas tem a porta aberta! Oh Catrina Beleza!
Ti Beleza: Quem é? Agora não posso lá ir, não vês que estou a pôr as sopas ao lume?
Ti Maria: Então como é que vejo que estás a pôr as sopas ao lume? Se estou aqui no meio da rua! Não é preciso vires cá! Responde-me lá!
Ti Beleza: Como é que queres que te responda se ainda não me procuraste nada!
Ti Maria: Ainda não te procurei, mas vou procurar! Disseram-me aqui na loja que ontem foste lavar ao Paral (Ribeiro do Peral), como é que ele estava?
Ti Beleza: Ora essa! Olha que procura, como é que havia de estar, estava lá no mesmo sítio, onde sempre esteve! Nunca o conheci noutro lado!
Ti Maria: Não é isso mulher, eu procuro se tinha muita água e se estava clarinha, porque amanhã quero lá ir fazer a lavagem!
Ti Beleza: Ah é isso? Olha vai de mar a mar e a água muito clarinha!
Ti Maria: Pronto, era isso que eu te queria procurar, pôe lá as sopas ao lume e passa bem!
A ti Maria, passou pelo Chiquinho com tanta pressa que, nem lhe dirigiu uma palavra e depressa desapareceu pela chapada do Pinheiro acima!
O Chiquinho ficou a magicar na conversa que tinha ouvido, sobre o Ribeiro do Paral ir de mar a mar e se já tinha grande vontade de conhecer o Paral, do qual tanto ouvia falar, agora lá com o mar, ainda aumentou o seu desejo!
O avô do Chiquinho tinha a profissão de alvanéu (pedreiro), mas entre a finalização de uma obra e início de outra, algumas vezes ficava uns dias a trabalhar na sua courela no Gomes, outras vezes a preparar materiais para futuras obras ou a fazer outros trabalhos para a casa e o Chiquinho andava sempre a querer ajudar o avô naquilo que não sabia nem podia!
Um dia o avô depois de chegar do trabalho, perguntou-lhe se no dia seguinte queria ir com ele às Areias, uma propriedade no Baldio de Capelins a meio caminho da Aldeia de Cabeça de Carneiro, onde ia esgalhar uma pouca de lenha e era mesmo junto ao Paral (Peral)! O Chiquinho quando ouviu a palavra mágica Paral deu um salto de contente e fez o avô repetir que iam ao Paral e começou a gritar: - Vou ao Paral e os outros gaiatos não vão!
Na manhã seguinte, já com o sol acima do horizonte, o Chiquinho deu a mão ao avô e, seguiram pelo Pinheiro, Monte Novo, Portela, fazendo grandes cumprimentos às pessoas com as quais se cruzavam!
Quando passaram o Monte da Portela, o Chquinho que, ainda não se tinha calado um minuto com perguntas sobre tudo o que lhe vinha à cabeça, o nome das pessoas, dos Montes, dos cães, deu com os olhos na Fortaleza de Monsaraz, ficou supreendido e pensou que era Lisboa, uma vez que, tinha ouvido à ti Beleza que o mar estava no Paral e se Lisboa era ao pé do mar, não podia ser outra coisa e perguntou ao avô:
Chiquinho: Avô, avô, o que é aquilo? É Lisboa?
Avô: Aquilo, o quê? Não vejo nada!
Chiquinho: Aquilo além na frente!
Avô: Ah aquilo! É o curral dos mouros!
Chiquinho: Curral dos mouros? Isso é o quê, avô?
Avô: É um curral, com as paredes muito altas e tem lá dentro uns homens muito maus que são mouros!
Chiquinho: Avô, o que estão os homens maus a fazer lá dentro do curral?
Avô: Estão lá encerrados para não fazer mal às pessoas!
Chiquinho: Então, como é que comem, avô?
Avô: Atiram-lhe pão e água cá de fora!
Chiquinho: E não fogem de lá, avô? E se fogem e fazem mal à gente?
Avô: Está descansado que não fogem, a parede é muito alta!
A partir dali até ao Paral o Chiquinho já pouco falou e começou tudo a correr mal, quando chegou ao destino e o avô lhe confirmou que era ali o Paral, foi uma grande deceção, o grande Paral dos seus sonhos, não passava de um regato de água, mais pequeno do que o Ribeiro do Poço do chorão, não queria acreditar!
Enquanto lá estiveram, as perguntas ao avô foram sobre o curral dos mouros, até esqueceu o Paral, estava perante um caso muito mais sério e cada vez com mais medo começou a ficar impaciente e a dar pressa ao avô para se irem embora e foi muito difícil deixar acabar o trabalho!
No da seguinte, o Chiquinho já tinha esquecido o Paral e o curral dos mouros, só anos mais tarde, em companhia do pai voltou a avistar o imponente Castelo de Monsaraz lá no horizonte e perguntou ao pai se ainda lá estavam os mouros encerrados? O pai não percebia a conversa e ficou surpreendido, pediu-lhe explicações e ele contou a versão do avô!
Então o pai disse-lhe que tinha sido uma brincadeira do avô, que não era nenhum curral, mas um grande Castelo onde tinham morado reis, principes e princesas, mas agora, moravam lá pessoas nas suas casas e que conhecia muitas, até já tinha trabalhado várias vezes em companhia de alguns homens de lá e eram gente muito boa!
O Chiquinho já um pouco mais esperto, mas ainda desconfiado, ficou a pensar na conversa do avô e ainda voltou à mesma conversa, mas o pai foi brusco e disse-lhe que nunca lá houve homens maus nem mouros encerrados e que não fosse parvo!
A rodada de parvo, não lhe caiu bem, ficou calado e a conversa ficou por ali, porém, só no último ano da Escola Primária, já com o estudo da história de Portugal e dos mouros, ficou convencido que não havia mouros maus, encerrados no Castelo de Monsaraz.

Fim

Texto: Correia Manuel

Vila de Monsaraz


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