sábado, 1 de outubro de 2022

A lenda do Moleiro do Moinho do Bufo, em Capelins

 A lenda do Moleiro do Moinho do Bufo, em Capelins

O Moinho do Bufo situava-se na margem direita da Ribeira de Lucefécit, perto do lugar da Torre, a sua construção devia ter sido no século XVIII, aparecendo nos assentos paroquiais da Paróquia de Santo António com o topónimo de Moinho do Escrivão, sendo mais tarde do Bufo, devido ao apelido de um seu rendeiro de Alandroal.
No ano de 1862 este Moinho foi arrendado pelo ti Manoel Zurreta, um bom Moleiro, natural e com casa na vizinha Aldeia da Venda em Santiago Maior, era casado com a ti Margarida de Jesus e pai de cinco filhos, estando apenas dois na sua companhia, os outros três já eram “ajudas” de gado nas redondezas, pela Defesa de Ferreira e Santa Luzia. Esta família, vivia a maior parte da sua vida nas casas de apoio aos Moinhos, enquanto as Ribeiras tinham água suficiente para fazer rodar a mó a cerca de 25 a 30 rotações por minuto e fazer boa farinha, ficavam nos Moinhos situados nos afluentes, mais altos do rio Guadiana, mais perto das localidades e, a salvo das grandes cheias do Guadiana que, podia manter o caudal, submergindo os Moinhos, durante três meses.
O ti Manoel, passava os dias e noites no Moinho, quando precisava de dormir era a mulher  que ficava de vigia e a alimentar a mó, era uma vida de muito trabalho!
Um dia, a ti Margarida decidiu ir visitar a mãe à Aldeia da Venda, como fazia habitualmente, levava um saco de farinha na burra para vender e em troca comprava algumas coisas que lhe faziam falta! Combinou com o ti Manoel e de madrugada carregaram a burra com a farinha, os filhos em cima e pôs-se a caminho, pelo Malhão, Monte do Marco, Terraço, Monte do ti José Agostinho e dali quase em linha reta, até à Aldeia da Venda, onde chegaram logo após o nascer do sol.
O ti Manoel ficou agarrado ao trabalho, a preparar trigo para ser moído, ensacar e pesar farinha para clientes, passou o dia naquela azáfama que chegou à noite sem dar pelo dia passar!
A ti Margarida resolveu a sua vida na Aldeia da Venda e logo de madrugada seguinte voltou ao Moinho do Bufo, mas na volta veio pela Igreja, Capelins de Cima, Chaparral e quando ia passando pelo Monte do Escrivão apareceram algumas mulheres a correr na sua direção a gritar: “Espere aí ti Margarida”!
Ti Margarida: Ai valha-me Deus! Então o que foi? Alguma coisa com o meu homem?
Mulheres: Não sabemos! Então não tem cá estado?
Ti Margarida: Só não estive cá ontem e esta noite, fui lá à Aldeia visitar a minha mãe! Então porquê?
Mulheres: Olhe! Alguma coisa se passou esta noite lá para o Moinho! Toda a noite ouvimos música e gritos estridentes de mulheres! Aquilo, foi um baile que para lá houve, até o barulho da mó a moer a semente acertava com a música! Foi toda a noite: Catapum, catapum, catapum! Uma coisa assustadora!
Ti Margarida: Credo! O meu Manoel é lá homem disso! É um mouro a trabalhar! Não se metia numa coisa dessas! Decerto que não foi lá no Moinho! 
Mulheres: Olhe que não sei! Alguma coisa lá houve!
A ti Margarida despediu-se, continuando o seu caminho! Quando se aproximou do Moinho começou a ouvir a mó a moer em velocidade anormal, catapum, catapum, catapum e nada de sinais do ti Manoel, chamou novamente e nada, estava já assustada, entrou no Moinho, viu logo grandes montanhas de farinha sem estar ensacada, no normal era trabalho de três dias, continuou a chamar pelo ti Manoel e viu-lhe a cabeça fora da montanha da farinha, ressonava e atirava com a farinha ao ar em frente ao nariz, o resto do corpo estava debaixo da farinha! A ti Margarida viu logo que ele estava vivo, encheu o peito de ar e gritou: Manoel! O Moleiro estava a dormir profundamente, mas acordou com o grito, ficando tão assustado que a farinha que estava em cima dele bateu no teto do Moinho do Bufo! O ti Manoel desempoeirou-se e estava só com uma perna das ceroulas enfiada, sem mais nada vestido! A ti Margarida ficou abismada e perguntou-lhe o que se tinha passado ali durante a noite, mas o ti Manoel não conseguia falar, só abanava a cabeça! Depois de passarem alguns minutos, lá foi dizendo à ti Margarida que não sabia o que se tinha passado, não se lembrava de nada, tinha tido um sonho que andava num baile com mulheres nuas e com o Mafarrico a tratar do Moinho, mas isso não tinha passado de um sonho!
Quando se orientaram, foram ambos inspecionar o Moinho e ficaram sem palavras, estava tudo cheio de pegadas de pés descalços de mulheres e dos cascos do Lucifer! Perceberam logo o que se tinha passado, um baile de feiticeiras, pouco mais falaram e o ti Manoel começou a ensacar e a pesar a farinha, quando acabou, disse à ti Margarida que ia a Santo António falar com o Padre Jerónimo de Jesus Maria Granja e a contar-lhe o que ali se tinha passado!
O Padre Jerónimo ouviu o ti Manoel e disse-lhe para todas as noites rezar umas orações e para fazer umas cruzes em volta do Moinho que, ele logo que pudesse ia lá benzer o Moinho e foi logo no dia seguinte, porque o caso era sério e, porque ele também precisava de farinha!  
Os seareiros, conforme estava combinado, foram buscar a sua farinha, mas passados alguns dias, começaram a voltar a pedir mais farinha daquela ao ti Manoel, porque era muito fina, muito boa e fazia um pão que era uma delícia!
Era caso para dizerem: “não era o pão que o diabo amassou”, mas era a farinha que o diabo fabricou!
O ti Manoel e a ti Margarida, continuaram muitos anos pelo Moinho do Bufo, mas nunca mais conseguiram fabricar farinha tão boa. 

Fim 

Texto: Correia Manuel

Casa na Torre




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