A lenda do Moleiro do Moinho do Bufo, em Capelins
O Moinho do Bufo situava-se na margem direita da Ribeira de Lucefécit, perto do lugar da Torre, a sua construção devia ter sido no século XVIII, aparecendo nos assentos paroquiais da Paróquia de Santo António com o topónimo de Moinho do Escrivão, sendo mais tarde do Bufo, devido ao apelido de um seu dono do Alandroal que era o lavrador da herdade do Vale do Bufo.
No ano de 1862 este Moinho foi arrendado pelo ti Manel Zurreta, um bom Moleiro, natural e com casa na vizinha Aldeia da Venda em Santiago Maior, era casado com a ti Margarida de Jesus e pai de cinco filhos, estando apenas dois na sua companhia, os outros três já eram “ajudas” de gado nas herdades das redondezas, na Defesa de Ferreira, Aguilhão e Santa Luzia.
Esta família, vivia a maior parte da sua vida nas casas de apoio aos Moinhos, enquanto as Ribeiras tinham água suficiente para fazer rodar a mó a cerca de 25 a 30 rotações por minuto e fazer boa farinha, ficavam nos Moinhos situados nos afluentes, mais altos do rio Guadiana, mais perto das localidades e, a salvo das grandes cheias do rio Guadiana que, podia manter o caudal, submergindo os Moinhos, durante três meses.
O ti Manel, passava os dias e noites no Moinho, quando precisava de dormir era a mulher que ficava de vigia e a alimentar a mó, era uma vida de muito trabalho.
Um dia, a ti Margarida decidiu ir visitar a mãe na Aldeia da Venda, como fazia, habitualmente, levava um saco de farinha na burra para vender e, em troca comprava algumas coisas que lhe faziam falta. Combinou com o ti Manel e de madrugada carregaram a burra com a farinha, os filhos em cima e pôs-se a caminho, pelo Malhão, Monte do Marco, Terraço, Monte do ti José Agostinho e dali quase em linha reta até à Aldeia da Venda, onde chegaram, logo depois do nascer do sol.
O ti Manel ficou agarrado ao trabalho, a preparar trigo para ser moído, a ensacar e a pesar farinha para clientes, passou o dia naquela azáfama chegado à noite sem dar pelo dia passar.
A ti Margarida resolveu a sua vida na Aldeia da Venda e, logo na madrugada seguinte, voltou ao Moinho do Bufo, mas na volta veio pela Igreja de Santo António, Capelins de Cima, Chaparral e quando ia passando pelo Monte do Escrivão apareceram algumas mulheres a correr na sua direção a gritar: “Espere aí ti Margarida”!
Ti Margarida: Ai valha-me Deus! Então o que foi? Alguma coisa com o meu homem?
Mulheres: Não sabemos! Então não tem cá estado?
Ti Margarida: Só não estive cá ontem e esta noite, fui lá à Aldeia visitar a minha mãe! Então porquê?
Mulheres: Olhe! Alguma coisa se passou esta noite lá para o Moinho! Toda a noite ouvimos música e gritos estridentes de mulheres! Aquilo, foi um baile que para lá houve, até o barulho da mó a moer a semente acertava com a música! Foi toda a noite: Catapum, catapum, catapum! Uma coisa assustadora!
Ti Margarida: Credo! O meu Manoel é lá homem disso! É um mouro a trabalhar! Não se metia numa coisa dessas! Decerto que não foi lá no Moinho!
Mulheres: Olhe que não sei! Alguma coisa lá houve!
A ti Margarida despediu-se, continuando o seu caminho! Quando se aproximou do Moinho começou a ouvir a mó a moer em velocidade anormal, catapum, catapum, catapum e nada de sinais do ti Manel, chamou novamente e nada, estava já assustada, entrou no Moinho, viu logo grandes montanhas de farinha sem estar ensacada, no normal era trabalho de três dias, continuou a chamar pelo ti Manel e viu-lhe a cabeça fora da montanha da farinha, ressonava e atirava com a farinha ao ar em frente ao nariz, o resto do corpo estava debaixo da farinha.
A ti Margarida viu logo que ele estava vivo, encheu o peito de ar e gritou: Manel! Oh Manel!
O Moleiro estava a dormir profundamente, mas acordou com o grito, ficando tão assustado que a farinha que estava em cima dele bateu no teto do Moinho do Bufo.
O ti Manel desempoeirou-se da farinha e estava só com uma perna das ceroulas enfiada numa perna, sem mais nada vestido.
A ti Margarida ficou abismada e perguntou-lhe o que se tinha passado ali durante a noite?
O ti Manel não conseguia falar, só abanava a cabeça, negativamente!
Depois de passarem alguns minutos, lá foi dizendo à ti Margarida que não sabia o que se tinha passado, não se lembrava de nada, tinha tido um sonho que andava num baile com mulheres nuas, e o Mafarrico tratava do Moinho, mas isso não tinha passado de um sonho!
Quando o ti Manel se orientou, foram ambos inspecionar o Moinho e ficaram sem palavras, estava tudo cheio de pegadas de pés descalços de mulheres e dos cascos do Lucifer e perceberam logo o que se tinha passado, tinha havido ali um baile de feiticeiras, pouco mais falaram e o ti Manel começou a ensacar e a pesar a farinha, quando acabou, disse à ti Margarida que ia a Santo António falar com o Padre Jerónimo de Jesus Maria Granja e a contar-lhe o que ali se tinha passado e saber o que fazer para não acontecer outra vez.
O Padre Jerónimo ouviu o ti Manel e disse-lhe para todas as noites rezar umas orações que lhe ensinou e, para fazer umas cruzes em volta do Moinho que, ele logo que pudesse ia lá benzer o Moinho e foi logo no dia seguinte, porque, o caso era sério e, ele também precisava de farinha.
Os seareiros, conforme estava combinado, foram buscar a sua farinha, mas passados alguns dias, começaram a voltar a pedir mais farinha daquela ao ti Manel, porque era muito fina, muito boa e faziam um pão com ela, como nunca tinham feito.
Era caso para dizerem: “não era o pão que o diabo amassou”, mas era a farinha que o diabo fabricou!
O ti Manel e a ti Margarida, continuaram muitos anos pelo Moinho do Bufo, mas nunca mais conseguiram fabricar farinha tão boa.
Fim
Texto: Correia Manuel
Casa na Torre
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