terça-feira, 25 de outubro de 2022

Memórias da paródia dos rapazes, no rio Guadiana

 Memórias da paródia dos rapazes, no rio Guadiana 

Num mês de Junho do início da década de 1970, antes das dez horas da manhã já estava um grupo de rapazes numa taberna da Aldeia de Ferreira, alguns de férias e outros não tinham nada para fazer.

O rapaz mais velho chamado João, perante um dia tão longo pela frente, exclamou para os outros: - Já viram as horas que são? Como é que a gente passa aqui um dia inteiro na taberna, mesmo que jogamos às cartas, mas isso cansa! O que acham se fossemos fazer uma paródia no rio Guadiana? 

Rapazes: Mas como é que vamos fazer uma paródia? Já a esta hora e não temos nada, nem peixes, nem temperos, nem pão, nem colheres, nem garfos, nada, nada! E vamos para onde?

João: Vamos para as Azenhas D' El-Rei e não é preciso levar nada, a não ser vinho, há lá sempre gente nas paródias, decerto que há lá alguns conhecidos e alguma coisa nos hão-de dispensar! Quem é que quer ir?

Os rapazes responderam em coro: - Eu, eu, eu! 

João: Então temos de ir já, vamos lá comprar um garrafão de cinco litros de vinho tinto e vamos embora! 

O João pediu o garrafão de vinho e angariou o dinheiro de cada um, pagou e partiram sem levar nada de comida, nem copos para beber o vinho e nem saca rolhas. 

Antes da partida, a taberneira disse várias vezes que queria o garrafão de volta e inteiro, alguns rapazes ainda disseram que se ele não voltasse que o pagavam, mas ela acentuou que queria o garrafão, não era o dinheiro dele.

O garrafão de vinho era pesado, mas o entusiasmo era muito grande e foi feito um esquema em que cada um tinha de o levar dez minutos, dava uma hora, era o tempo suficiente para chegar ao destino e chegou.

Quando os rapazes chegaram ao Moinho das Azenhas D'El-Rei estava deserto, não havia ninguém à vista, mas não perderam a esperança de ainda aparecer alguém para alguma paródia e colocaram o vinho dentro de água para refrescar e foram tomar banho no correntão abaixo do Moinho.

O tempo foi passando e não aparecia ninguém, alguns rapazes ainda falaram em ir apanhar alguns peixes nas lapas, para assar e davam para petisco do vinho, mas surgiu outro problema, não tinham sal e o peixe sem sal não tinha sabor, assim, foram ver se estava por ali algum pescador que lhe desse um punhadinho de sal, mas não havia ninguém, um dos pescadores tinha ido a sua casa em Montejuntos e o outro estava em casa na Aldeia de Ferreira, então, decidiram abrir o garrafão de vinho com um canivete e começara a beber pelo garrafão, a olhómetro, porque não havia copos.

Não foi presciso muito tempo  e começaram a variar , a implicar uns com os outros por tudo e por nada, pelas quinze horas cheios de fome, decidiram ir embora e como o sítio mais próximo onde podia haver comida era na Aldeia de Montejuntos decidiram ir por lá, enchiam a barriga e depois dali, já faziam melhor o caminho até à Aldeia de Ferreira e todos concordaram com essa volta. 

O garrfão ainda tinha mais de um litro de vinho e decidiram não o deitar fora, porque se o carregaram com cheio, melhor o transportavam com aquela quantidade, que ainda podia ser aproveitada para um petisco no dia seguinte.

A viagem de volta à Aldeia de Ferreira, começou bem e foi implementado o mesmo esquema, cada rapaz levava o garrafão o mesmo tempo da ida, e os primeiros dois rapazes levaram-no o tempo acordado, mas o vinho fazia cada vez mais efeito e quando o segundo rapaz acabou o turno e pretende entregar o garrafão a outro, todos se negaram, com a desculpa que ainda não estava na vez deles, porque para lá não tinha sido essa a ordem, porque nem foi definido que o primeiro era o João, depois o Xico e depois o outro, porque tinha de passar por todos e deu-se uma grande confusão, ficando o garrafão ao centro da estrada e os rapazes seguiram.

Quando já estavam a cerca de um quilómetro, sempre em acesa discussão, um dos rapazes lembrou os outros do que a taberneira tinha dito, "queria ali o garrfão, não era o dinheiro do seu valor" e pararam para decidir como fazer, e depois de muitas trocas de acusações houve um dos rapazes que voltou atrás a buscar o garrafão, mas sempre a barafustar em voz alta, e quando se juntou aos outros, disse que já não ia por Montejuntos e os restantes foram desistindo e acabaram por virar pela estrada que vinha dos Moinhos Novos pelas Bispas, Silveirinha, Poço da estrada, Monte do Marco e chegarm à taberna onde entregaram o garrafão são e salvo e já não quiseram o resto do vinho, porque vinham todos brigados, mas no dia seguinte já estavam todos juntos e como se nada tivesse acontecido, prontos para outra paródia no rio Guadiana.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Capelins



Memórias do poço da bomba, em Capelins

 Memórias do poço da bomba, em Capelins 

O poço da bomba em Capelins, tem cerca de vinte metros de profundidade e no fundo tem duas galerias horizontais que lhe proporcionam uma grande nascente de água, é propriedade da Junta de Freguesia e foi construído no ano de 1958, fica situado a Este da Aldeia de Ferreira, no início da herdade da Defesa de Ferreira, porque era o lugar onde foi encontrada maior quantidade de água subterrânea.

O poço da bomba, era assim desigando, porque tinha uma bomba para tirar a água, constituída por uma grande roda de ferro que era movimentada por uma manivela e acionava o fole de puxar a água para cima, a qual, era direcionada para um pequeno tanque ou para as vasilhas dos utilizadores.

Este poço, abastecia de água muitas casas dos moradores da Aldeia de Ferreira, mas também tinha a pouca distância o lavadouro público, ou seja, os tanques de lavar roupa, onde se juntavam muitas mulheres para lavar a roupa da família, e onde se lavavam as nódoas e as mágoas das agruras da vida de então, ali riam, falavam e choravam, como os tanque estavam arrumados uns aos outros, era fácil o convívio e dava para trocar as novidades que aconteciam de uma ponta à outra da Aldeia e metiam sempre a foice em seara alheia.

Numa quarta feira do mês de Abril de 1960, dia da lavagem da ti Mariana, calhou ficar ao lado da ti Mariana dos bacros, natural de Montejuntos, que tinha este apelido por o marido ser o porqueiro da Casa Dias e habitavam numa casinha muito pequenina de um só compartimento anexa à malhada dos porcos que ficava um pouco acima do poço da bomba, sendo uma boa oportunidade para conhecer melhor a ti Mariana dos bacros. 

A ti Mariana dos bacros tinha com ela um filho, o mais novinho, e a outra ti Mariana tinha com ela uma filha, da mesma idade do rapaz, que brincaram juntos o dia todo, perto das mães. 

Na parte da tarde, com a lavagem adiantada, a roupa ainda estava a corar ao sol, depois era só batê-la e pô-la a enxugar, então a ti Mariana dos bacros disse que tinha de ir à malhada fazer lume e pôr as sopas ao lume para estarem prontas quando o marido voltasse à noite, com os bacros à malhada e perguntou aos gaiatos se queriam ir com ela ou ficar ali a brincar? 

O filho respondeu que queria ir, e ela convidou a menina para os acompanhar, porque passava melhor o tempo e ela foi, onde se demoraram cerca de uma hora. 

Quando voltaram ao poço da bomba, o rapaz vinha num grande pranto, com um bocadinho de pão na mão, de velas acesas, ou seja, necessidade de se assoar, mas num estado que dava dó, chamando a atenção das mulheres, que perguntaram se tinha caído ou o que lhe tinha acontecido? 

Então, a mãe contou que ele estava com uma birra, porque antes de sair da malhada perguntou às crianças se queriam um bocadinho de pão, elas aceitaram e quando ela questionou se queriam sêco ou com azeitonas, eram as duas opções que tinham, a menina disse que queria azeitonas, mas o filho disse que queria sêco, e quando fechou a porta, para voltar ao poço da bomba, o rapaz começou a chorar e a dizer que queria o sêco para acompanhar com o pão e por muito que a mãe lhe explicasse que sêco queria dizer pão sem mais nada, ele não se convencia e, desde a malhada até ali, não tinha parado de pedir o sêco para comer com o pão.

Algumas mulheres tentaram consolar o rapaz e explicaram-lhe o que a mãe já lhe tinha explicado, mas não adiantaram, a birra era grande e, enquanto a mãe ali esteve a acabar a lavagem, o rapaz não saiu de junto dela a pedir o sêco.

Fim 

Texto: Correia Manuel



domingo, 23 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi enganado com a malagueta

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi enganado com a malagueta 

O Chiquinho de Capelins, gostava muito de meter o nariz onde não era chamado, por isso, era muitas vezes enganado, pelos rapazes mais velhos. 

Em meados da década de 1960, um dia saiu de casa e foi dar uma volta pela vizinhança na esperança de encontrar algum vizinho para brincar e, ao passar à porta de uma taberna ouviu vozes de rapazes e foi logo lá meter o nariz.

Um dos rapazes era o filho do dono da taberna e, assim que viu o Chiquinho chamou-o e perguntou-lhe se queria um pirolito, já estava com ele na mão, pronto a empurrar a bola de vidro, que o fechava, para dentro e ficaria pronto a beber, eram uns pirolitos do Xico Zé, de Vila Viçosa, feitos com água gaseificada, açúcar e com um aroma muito saboroso, como a gasosa.

O Chiquinho respondeu que queria, e foi a correr até junto do taberneiro, já a saborear o belo pirolito, mas quando lhe deitou a mão, ele recolheu-o e disse-lhe: - Espera lá! Isto não é assim, se o queres tens de o ganhar! 

O Chiquinho ficou quieto à espera do que lhe seria exigido, mas pensou que, se ele o ofereceu, decerto não era para o pagar, até porque, ele não tinha um centavo no bolso e o taberneiro continuou: 

Taberneiro: Se queres o pirolito tens de comer, de uma vez, este pimentão pequenino, não custa nada, dás-lhe uma trincada ou duas e abaixo, e a seguir bebes o pirolito!

O Chiquinho ficou desconfiado que devia ser algum engano, mas pensou que não seria assim tão mau comer um pimentão tão pequenino, e depois ganhava um pirolito, e disse que sim, que comia o pimentão se ele abrisse já o pirolito, era uma segurança.

O taberneiro, respondeu que abria já o pirolito, e abriu, entregou o suposto pimentão ao Chiquinho e disse-lhe que primeiro tinha de lhe ferrar bem os dentes e depois engolir. 

O Chiquinho abanou a cabeça, afirmativamente e pegou no suposto pimentão, que era uma malagueta, e fez o que o taberneiro lhe disse, no início não sentiu nada de anormal, a não ser um mau sabor, mas quando lhe começou a arder na boca, no nariz, nos olhos, parecia fogo, deitou-o fora, mas já era tarde, saiu da taberna a correr o mais que podia, com um palmo de língua de fora, pela rua abaixo, no caminho de casa, mas passou e nem viu a porta e começou a andar às voltas na tapada até se cansar, e foi quando entrou em casa, meteu água num copo, encheu a boca e começou a sentir o fogo a apaziguar, então levou horas a meter água fresca na boca até se sentir melhor. 

Antes da fuga apressada da taberna, o Chiquinho, ainda ouviu as gargalhadas e os comentários do taberneiro e dos rapazes que o acompanhavam, até pulavam a rir e a chamá-lo para beber o pirolito que já estava aberto, mas ele não teve tempo e, durante alguns anos, ficou com aversão a pirolitos e a malaguetas.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




domingo, 9 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, sobre o carro do ti Manel Cá Fica

Memórias do Chiquinho de Capelins, sobre o carro do ti Manel Cá Fica

No início da década de mil novecentos e sessenta, num mês de Agosto, quando o Chiquinho de Capelins, ouviu a sua mãe a dizer à prima Maria Isabel que ia à feira de Vila Viçosa, pulou de contente e, começou a imaginar aquela animação e, principalmente os carróceis com os cavalos em correria louca, nos quais, com alguma sorte, podia dar uma voltinha.
Assim que a prima Maria Isabel seguiu o seu caminho, aproximou-se da mãe e perguntou-lhe:
Chiquinho: Mãe, vamos à feira de Agosto a Vila Viçosa?
Mãe: Vamos, vamos, eu e o teu pai!
Chiquinho: E eu? Não vou?
Mãe: Vais, vais, mas é no carro (carroça) do ti Manel Cá Fica!
Chquinho: Quem esse homem? E porque é que vou com ele?
Mãe: Esse homem é quem leva os gaiatos de Ferreira, de Montejuntos e de Faleiros, no seu carro, às Feiras!
Chiquinho: Oh mãe, mas se vocês vão no nosso carro, (carroça) porque é que eu tenho de ir com um homem que nem conheço?
Mãe: Oh filho, porque é assim a lei que saiu agora, e se não fizermos o que a lei manda, está ali a guarda à nossa espera em Terena e ficamos lá presos!
O Chiquinho já não insistiu mais e saiu de casa a correr para ir contar a novidade, que ia à feira em Vila Viçosa, ao vizinho Zé António que, era alguns anos mais velho, quando chegou estava ele à porta apertando umas porcas e uns parafusos da bicicleta, com cara de estar mal disposto, então o Chiquinho foi-se aproximando com cuidado, não lhe calhasse algum sorvete e a uma distância segura, começou assim:
Chiquinho: Eh Zé António, o que estás a fazer?
Zé: Olha, estou a ver se chove!
Chiquinho: Então, queres que chova para quê?
Zé: Para ver se tu tomavas banho!
Chiquinho: Oh Zé António, ainda não deve haver um mês que fui com a minha mãe a lavar a roupa à Ribeira e tomei lá cinco ou seis banhos, vê lá!
Zé: Ah! Então já estás banhado para o resto do ano!
Chiquinho: Não sei, se a minha mãe me levar outra vez lá à Ribeira, se calhar, ainda devo tomar mais algum banho!
Zé: Era uma boa ideia, mas tem cuidado, não te afogues lá no pego das vacas!
Chiquinho: Não afogo, não! Olha, sabes que vou à feira de Agosto a Vila Viçosa?
Zé: Deves ir, deves, só se for no carro do ti Manel Cá Fica!
Chiquinho: Olha, como é que sabias? É mesmo com esse homem que eu tenho de ir à feira, por causa da lei que saiu agora!
Zé: Pois, é a lei, é! Queres um conselho? Põe-te a andar daqui e vai já marcar lugar, porque ouvi dizer que o ti Manel Cá Fica já tinha a carrada de gaiatos quase completa!
O Chiquinho voltou para casa muito confuso, por causa do carro do ti Manel Cá Fica, e a pensar no raio da lei que tinham feito para levarem os gaiatos todos juntos no mesmo carro, às feiras, mas já não teve maneira de adiantar a conversa com a mãe que andava ocupada a chamar as galinhas, pita, pita, pita, para as encerrar na capoeira.
Como o Chquinho estava muito tempo em casa dos avós em Capelins de Baixo (Ferreira), uma tarde andava a brincar na rua quando parou perto dele uma camioneta da carreira, verde, da empresa de João Cândido Belo, com muita mercadoria na grade sobre o tejadilho, apertada pela rede de malha larga, o cobrador saiu da camioneta, assim como alguns passageiros, subiu uma escadinha fixa na parte de trás, e começou a entregar as encomendas a quem, cá em baixo, as reclamava, quando acabou, a camioneta seguiu para Montejuntos com os respetivos passageiros dessa Aldeia e, ainda com meia carga na grade sobre o tejadilho.
O Chiquinho assistia à chegada da camioneta da carreira quase todos os dias e, nunca tinha visto os passageiros que chegavam, trazer tantas coisas e pensou que eram trastes (mobílias) e novos povoadores que chegavam à Aldeia, mas quando se aproximaram, confirmou que já os conhecia, entre elas, vinha um vizinho muito carregado com sacos e embrulhos e trazia na mão um carrinho de madeira encimado por uma linda pombinha cujas asas estavam ligadas com arames às rodas do mesmo e á medida que iam rodando a pombinha abria e fechava as asas, era mesmo esse o brinquedo que o Chiquinho queria comprar na feira, então, com os olhos postos no dito carrinho, deu um passo em frente e perguntou:
Chiquinho: Onde foi a isso?
Vizinho: A isso, o quê? Trago tantas coisas! Os cobertores?
Chiquinho: Não, não! O carrinho da pombinha!
Vizinho: Ah, o carrinho! Comprei-o na Feira!
Chiquinho: Ah! Já foi a Feira de Vila Viçosa? E eu que queria ir comprar um carrinho igual a esse!
Vizinho: Então não sabias que a feira era hoje? Mas amanhã ainda há, mas não há camioneta da carreira para lá, passa ao Alandroal e a Bencatel, podem ir e depois dali vão à pata galhana até Vila Viçosa!
Chiquinho: Eu não preciso de ir à pata galhana, porque se for, é no carro do ti Manel Cá Fica, não sabe a lei?
Vizinho: Sei, sei! Ora aí está, então vai no carro do ti Manel Cá Fica!
As pessoas foram descendo a rua até desaparecer à curva de Capelins de Baixo e o Chiquinho ficou inerte com os olhos postos no carrinho da pombinha e a imaginar o que teria acontecido ao ti Manel Cá Fica, para se esquecer de o levar no seu carro à Feira.
Daí a pouco, continuou a brincar e esqueceu-se da feira de Agosto de Vila Viçosa.
Quanto ao carro do ti Manel Cá Fica, nunca apareceu, mas nessa época, falava-se muito dele nas terras de Capelins.
Fim
Texto: Correia Manuel

Ferreira de Capelins



terça-feira, 4 de outubro de 2022

A lenda da lebre malhada de Capelins

 A lenda da lebre malhada de Capelins

As terras de Capelins, desde sempre, foram consideradas terras de pão, de gado e de caça, onde existia uma montaria Real, conforme consta no livro das montarias do Reino, de 1605!
Há notícias que alguns Reis vieram caçar nestas terras, entre eles, D. Manuel I e D. João IV, assim como a fidalguia da Casa de Bragança, mas também, quase todos os residentes eram caçadores, os mais ricos já com espingardas caçadeiras, nesses tempos, tinham apenas um cano e eram atacadas pela boca, mas muitos caçavam com armadilhas ou com um pau!
Nos finais da centúria de 1800, começaram a dizer nas terras de Capelins que, andava uma lebre malhada na herdade da Amadoreira e no Carrão, a sua pelagem, parecia a de uma bezerra de raça turina, até as orelhas eram malhadas!
No início, poucas pessoas acreditaram, mas cada vez havia mais pessoas a dizer que a tinham visto, como os ganadeiros que ali andavam com o gado a pastar e, alguns caçadores afirmavam que já a tinham levantado da cama à sua frente e dos seus cães e outros diziam que a tinham tido na mira da espingarda, mas nenhum caçador teve coragem de a matar, porque, sentiam um arrepio na espinha, uma vez que não lhe parecia uma lebre!
Nos trabalhos nos campos e nas tabernas, toda a gente falava da lebre malhada e havia poucas dúvidas que a mesma existia, mas também existia o mistério de como é que o animal saiu malhado, porque ninguém tinha conhecimento de alguma vez ter existido uma lebre malhada por aqui, pelo que, a explicação mais plausível era, que só podia ser uma obra da feitiçaria para se divertirem e assustar os capelinenses!
Numa noite do mês de Outubro de 1890, a taberna da Aldeia de Ferreira estava cheia de clientes, a beber uns copinhos de vinho ou de aguardente e falando sobre a lebre malhada, naquele momento, entrou o ti Manuel Sapateiro que, tinha este apelido por ser sapateiro de profissão, mas era conhecido pelo cientista, pediu um copo de vinho e ficou plantado a um canto do balcão atento à conversa dos homens, mas pouco depois, já estava em pulgas para se meter na conversa, e não demorou muito tempo, porque um dos homens reparou nele e perguntou-lhe se sabia porque motivo a lebre era malhada como uma vaca turina!
O ti Sapateiro, empertigou-se todo, passou os dedos pela ponte do bigode e respondeu que sim, sabia muito bem, porque aconteciam esses fenómenos, tinha acabado de ler nos livros que o avô, vindo anos antes de perto de Ceia, lhe tinha deixado!
Alguns homens, não resistiram à postura do ti Sapateiro e nem o deixaram acabar de falar, e disseram em coro: - Foram as feiticeiras!
O ti Sapateiro, abanou a cabeça em sinal negativo e os homens continuaram: - Então, se não foram as feiticeiras o que foi?
- E ele com ar triunfante respondeu: - Foram os astros! E continuou - Os astros andam desalinhados e algum entrou na órbita da Terra e provocou isto, isto e muitos mais, porque quando isso acontece, nascem borregos, chibos e bezerros com cinco patas, os animais ficam estropiados, e algumas pessoas ficam desasadas, é muita desgraceira por aí!
Alguns homens ficaram surpreendidos, mas como não percebiam nada de astros, mesmo andando debaixo do sol, acharam melhor aceitar o que o ti Sapateiro dizia, todos sabiam que ele tinha livros e estava tudo nos livros, por isso, era cientista, sabia tudo, logo, estava dito e esclarecido que a lebre era malhada por culpa dos astros, e ficaram quase todos convencidos, porém, um dos homens mais observador perguntou-lhe:
- Oh ti Sapateiro, então os astros não estão lá no céu?
- Sim, estão! Ora essa! Onde é que haviam haviam de estar? Não sabes onde está o sol? Respondeu o ti Sapateiro!
- Sei, sei! Então e lá no céu quem manda na Terra, na gente e nos animais, em tudo, tirando Deus, não é a Lua? Continuou o homem!
O ti Sapateiro apressou-se a explicar que a Lua era satélite da Terra e tinha muita força, mas os astros ainda tinham mais e eram muito perigosos, até o sol pode abrasar tudo, a nossa sorte, é que estão fora da órbita da Terra e, raramente cá chegam a fazer essas desgraças!
O homem acabou por ficar convencido, entretanto, fizeram-se horas de fechar a taberna e a conversa ficou por ali!
No dia seguinte, já todos os capelinenses sabiam que os culpados por a lebre ser malhada eram os astros, e quando lhes diziam que a descoberta tinha sido do sapateiro cientista da Aldeia de Ferreira, acabavam-se as dúvidas, ficavam convencidos, embora, alguns não percebessem nada dos astros!
A lebre malhada, continuou a ser avistada na herdade da Amadoreira e no Carrão, durante dois ou três anos e nenhum caçador teve coragem para a matar, diziam que parecia uma bezerra turina, até que desapareceu, misteriosamente, deixando a discussão se seria uma lebre ou um lebrão, não deixou descendentes malhados e, os capelinenses diziam que, se era filha ou filho dos astros, eles vieram buscá-la/o!
Nunca mais se viu uma lebre ou lebrão malhados, nas terras de Capelins.
Fim
Texto: Correia Manuel
Capelins 2022 


Memórias do trabalho de alqueivar, atalhar e semear

 As conversas ao serão, nas tabernas de Capelins

Memórias do trabalho de alqueivar, atalhar e semear

No final do mês de Setembro de 1969, era fim de semana e o serão numa das tabernas de Ferreira de Capelins, estava muito animado com a presença de militares, alguns mobilizados para o Ultramar e, estavam de licença para se despedirem das famílias e amigos!

Permaneciam alguns homens encostados ao balcão da taberna, em conversa animada entre eles e iam bebendo uns copos de vinho ou aguardente, em volta da mesa do canto à direita, estavam os habituais jogadores de cartas, na mesa a seguir, o grupo dos rapazes, e na área destinada ao xito, andavam os respetivos jogadores assistidos por alguns adeptos, todos falando muito alto!

Os rapazes bebiam umas cervejas minis e no grupo lá estava o rapaz que trabalhava na agricultura, no Carrão, e era o que conhecia melhor o ciclo da produção de cereais, por isso, os outros rapazes continuavam a fazer-lhe perguntas, sobre os trabalhos que tinha feito nos últimos meses!

Quando o rapaz começou a explicação entrou o Ti Bate Estacas, não disse nada, mas tocou com a mão direita na boina que trazia na cabeça, em sinal de cumprimento, olhou para os fregueses um a um e ficou a escutar a conversa dos rapazes, mas um dos rapazes, para implicar, perguntou-lhe o que queria beber e ele abanou a cabeça e disse muito baixinho, nada! Então, o rapaz disse-lhe: Se não quer beber nada o que vem fazer aqui? Deves ter muito a ver com isso, venho vêr quem aqui está! Respondeu o Ti Bate Estacas!

O rapaz continuou a explicação sobre o trabalho que tinha feito no Carrão, a seguir ao tapilho das almiaras da palha para alimentar as muares durante o ano, agora, tinha andado a atalhar o alqueive que tinha sido feito em Fevereiro e Março, e explicou que a terra que tinha ficado de pousio, em descanso, e que tinha sido aproveitada para pastagem dos gados, era lavrada naqueles meses, iniciando-se aí o ciclo da produção dos cereais, principalmente do trigo, porque a cevada e aveia são, geralmente semeadas nas relvas, dispensado esse trabalho, porque foram semeadas na terra onde foi semeado o trigo no ano anterior! Assim, em Setembro é feito o atalho desse alqueive que consiste em passá-lo com uma grade puxada pelas muares e que tem pequenos bico de ferro por baixo para ao deslizar pela terra, partir e desfazer os torrões, e deixar a terra o mais lisa possível, a seguir a terra é, novamente lavrada e gradada até ficar desfeita e pronta para a sementeira, é isso o atalho do alqueive, disse o rapaz!

Depois de fazer o atalho, já podemos passar à fase da sementeira, nós na próxima semana vamos semear as favas e depois o trigo, porque a cevada e a aveia já estão semeadas, primeiro vou começar a embelgar que é fazer uns rêgos o mais direitos possível com uma largura de cinco ou seis metros entre eles, para servirem de guia ao espalharmos o adubo e o trigo, este depois de sulfatado, na terra, com o sementeiro ao ombro, o qual é um saco de serapilheira com metade da boca atada junto ao fundo do mesmo, deixamos uma abertura, uma boca, para meter e tirar o trigo ou o adubo, levamos dentro, uns vinte a trinta quilogramas, metido no ombro esquerdo e, o adubo ou o trigo vai-se atirando à terra entre dois regos que é uma belga, com a mão direita cheia, em leque, por cada passo que damos, e vamos sempre andando até ao fim da belga, depois voltamos pela outra, até acabar o adubo ou o trigo, aí fazemos um sinal com uns torrões e vamos encher o sementeiro e continuamos, depois da semente deitada à terra lavramos e gradamos, para o trigo ficar enterrado e, finalmente fica a sementeira feita!

Se o tempo vier a jeito da sementeira, daí a um mês, ou menos, o trigo já germinado começa a aparecer fora da terra e forma uma abençoada seara, que pode matar a fome a muita gente!

Nos finais do mês de Fevereiro e durante o mês de Março e início de Abril, fazemos a monda que consiste em arrancar as ervas daninhas que fazem mal ao trigo, a qual é feita por ranchos de mulheres, que andam dobradas pela cintura, com um sacho na mão, desde manhã cedo até à noite, muitos dias todas molhadas da água das chuvas e da existente na erva e no trigo!

Os seareiros não tiram os olhos do trigo, durante quase um ano, porque é a principal fonte de rendimento das suas casas e muitas vezes, devido a intempéries, a produção corre muito mal, deixando-os na miséria!

Depois da monda, quem pode, ainda lhe aplica um adubo, sulfato amónio, para lhe dar mais força, e ficamos esperando que, em finais de Abril e Maio o trigo encha as espigas de grão e que amadureça em Junho, para fazermos a ceifa, o resto do ciclo da produção de cereais já o conhecem!

O Ti Bate Estacas, ouvia a conversa com muita atenção, mas mais uma vez, não esteve de acordo com as explicações e disse: - Vocês não sabem alqueivar, nem atalhar, nem semear! E com esta me vou para a minha cama!

Como sempre, os rapazes começaram a rir, e riram o resto do serão! Assim acabou mais um serão naquela taberna de Ferreira de Capelins.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Eira e seara - Monte da Vinha - Capelins - Alandroal 



Memórias das almiaras e dos veios de palha de centeio

As conversas ao serão nas tabernas de Capelins

Memórias das almiaras e dos veios de palha de centeio

Em meados do mês de Setembro de 1969, no serão de um sábado, numa das tabernas de Ferreira de Capelins, o ambiente estava muito animado, com mais fregueses, por estarem alguns militares do exército e marinheiros a passar o fim de semana! 

Ao balcão da taberna não havia lugares vagos, alguns fregueses até faziam roda para participar nas conversas e iam bebendo os seus copos de vinho ou aguardente, na mesa do canto estavam os jogadores de cartas e na seguinte à direita o grupo dos rapazes e ao fundo os jogadores do xito!

Os rapazes bebiam as suas cervejas minis e, como todos os fregueses, falavam muito alto enquanto combinavam ir tomar banho no dia seguinte que, era Domingo, antes do jantar (almoço), ao pego da rocha na Ribeira de Lucefécit nas Águas Frias, e a seguir, a conversa foi focada no rapaz que tinha acabado o trabalho do carrego da palha e ajudado a fazer e a tapar as almiaras no Carrão!  

Quando o rapaz iniciou a explicação sobre o ciclo desses trabalhos, entrou o Ti Bate Estacas e, para grande surpresa dos rapazes levou a mão direita à pala da boina em sinal de cumprimento, mas sem dizer nada, então com a finalidade de animar a malta, que queria ramboia, um dos rapazes perguntou-lhe o que queria beber e ele abanou a cabeça em sinal negativo, o rapaz para o chatear disse-lhe: Se não quer beber nada o que vem fazer aqui? Deves ter muito a ver com isso, venho a ver quem está aqui! Respondeu o Ti Bate Estacas! 

O rapaz continuou a explicar o que tinha feito no trabalho no ficar            Carrão, depois da debulha ficar pronta e do trigo ter sido metido no celeiro, seguiu-se o carrego da palha desde a eira até ao sítio onde foram feitas as almiaras, junto ao Monte do seareiro e da cabana das muares, já que a palha é para alimentação e camas das mesmas durante o ano! 

O carrego da palha foi feito no carro (carroça), mas teve de ser armada uma grande rede, presa aos foeiros, os mesmos que tinham servido para fazer as carradas dos molhos de cereais, essa rede faz uma grande gorpelha na parte de trás do carro que chega quase ao chão e leva muita palha, que enchemos com uma espécie de forquilha de madeira, muito grande, chamada balde, a palha é atirada (baldada) para cima do carro, logo, para dentro da dita rede e como é muito leve, é calcada por um homem ou um rapaz para não ficar armada, após fazermos uma grande carrada vamos descarregá-la no sítio onde são construídas as almiaras! 

A construção das almiaras tem preceitos, começamos por calcular o seu tamanho em função da palha que temos e têm quase sempre a configuração retangular, vamos colocando palha sobre palha e calcando e alisando com uma forquilha até à altura de cerca de um metro, ou metro e meio, sempre ao mesmo nível, com pé direito, ou seja, fazemos um retângulo perfeito, com a dita altura, mas a partir daí começamos a reduzir, disfarçadamente a palha nas pontas, recuando para dentro a palha sempre em volta, iniciando-se a forma de uma serra, que acaba por ser parecida, por isso, também lhe chamam serras de palha, pelo que, as partes laterais juntam-se no topo e vão sendo desenhadas em igualdade,  atrás e à frente!

Para a palha não apanhar água da chuva, tem de se aplicar uma cobertura feita com palha de centeio depois de malhada e preparada em veios, a palha de centeio é espalhada no chão em camadas, formando um monte e emaranhada, rega-se com um regador, para amaciar e não partir, mas aplicamos pouca água e, a seguir podemos começar a fazer o veio com uma forquilha com dentes curtos ou um forcado, vamos puxando a palha de centeio em pequeninas quantidades para o nosso lado, até aos nosso pés que servem de barreira e ajudam ao feitio, de maneira a formar uma camada com cerca de dois dedos de altura e com cerca de um metro e meio a dois de comprimento e com um metro de largura! 

A seguir o veio tem de ser transportado para a almiara, passamos o cabo de um chicote da largura do veio por baixo, do meio do veio para cima, e passamos a corda do mesmo pelo lado de cima, sendo atada do outro lado do cabo do chicote e, podemos levantá-lo sem se desmanchar e levá-lo até à almiara, que deve estar perto deste trabalho, começamos a pôr os veios de baixo para cima para ficarem um pouco sobrepostos nas pontas, porque ajuda a que as águas da chuva ao escorrer não entrem na palha da almiara! Para acompanhar a altura do tapilho subimos por uma escada e fixamos o veio à almiara, através de agulhas de piorno, estas agulhas são feitas atando duas varas de piorno pelo lado da rama fazendo um nó especial e as extremidades dos caules são aguçadas para entrarem através da palha fixando o respetivo veio, mas as agulhas ficam todas certinhas fazendo um desenho na almiara e no final do tapilho ainda são feitos alguns enfeites com a mesma palha de centeio e com as ditas agulhas para as almiaras ficarem diferenciadas umas das outras e mais vistosas, porque, depois dizem: - A almiara da minha vizinha, não é tão bonita como a minha!

O Ti Bate Estacas, ouvia a conversa com entusiasmo e os rapazes pensaram que desta vez estava de acordo com a explicação, mas no final disse: - Vocês não sabem o que são almiaras nem veios de palha de centeio! E com esta me vou para o meu camalho!  

Como sempre, os rapazes começaram a rir, e riram o resto do serão! Assim acabou mais um serão naquela taberna de Ferreira de Capelins.

Fim 

Texto: Correia Manuel


As almiaras podiam ter esta configuração!





Memórias dos calcadores e das marés nas eiras

 Memórias dos calcadores e das marés nas eiras

Na noite de trinta de Agosto de 1969, por ser Sábado e por haver ainda alguns fregueses de férias, uma das tabernas de Capelins, estava bem afreguesada e o ambiente era, como sempre, de grande  festa.

Os fregueses, formavam grupos, uns ao balcão, porque não gostavam de se sentar, outros jogando às cartas, à sueca ou à manilha, outros ao xito e, o grupo dos rapazes, nessa noite, era mais numeroso.

Os rapazes começaram por planear uma paródia no rio Guadiana, mas não se entendiam sobre a data e passaram para outras conversas, como estava ali um rapaz que tinha feito a debulha numa eira no Monte do Carrão, foi-lhe pedido para contar como tinha decorrido esse trabalho.

O rapaz prontificou-se a contar e começou a conversa  sobre os frascais ou medas de molhos de cereais, que tinham sido feitos na eira para debulhar, e eis que entra o Ti Bate Estacas, mal humorado, nem cumprimentou os presentes e chegou-se para o lado da mesa dos rapazes para ouvir as suas conversas.  

Um dos costumes de Capelins era, quem já estava numa taberna quando alguém das suas relações entrava, oferecer-lhe uma bebida, por isso, um dos rapazes cumpriu a tradição e perguntou-lhe o que queria beber, e ele abanou a cabeça, negativamente, então o rapaz continuou: 

- Então se não quer beber nada, o que é que quer daqui? 

- Deves ter muito a ver com isso! Hoje não está muito calor, mas ouço esta algazarra lá no camalho, não me deixam dormir!  Respondeu o Ti Bate Estacas!

O outro rapaz continuou a explicar como tinha feito a debulha na eira do Carrão:    - Começava com a mudança dos molhos de cereais dos frascais para dentro da eira, iam-se contando os molhos para não pôr lá a mais nem a menos, também dependia do tamanho dos molhos e da eira, podiam ser cinquenta, sessenta ou até mais, e no fim podiam-se acertar, depois começavam a desatar os molhos e iam-se atirando em leque, começando pelo lado da eira mais afastado de maneira a formar camadas e, assim, encher a eira quase toda e ficava o calcador feito.

Depois do calcador armado na eira, iam comer e fazer outras coisas, esperavam uma hora ou duas para ele aquecer com o sol, para as espigas e caules ficarem bem secos, porque quanto mais quente estiver o calcador, melhor se debulha, depois, mete-se uma ou duas bestas a andar e a correr por cima, no início pode chegar-lhe à barriga, mas com as sucessivas passagens começa a ficar plano, a baixar, então, atrelamos um trilho (máquina rudimentar feita em madeira e ferro, com rolamentos em madeira por baixo onde estão acopladas pequenas facas em ferro que, ao passar por cima das espigas e caules os vai cortando em pedacinhos e debulhando as espigas! Quando os caules dos cereais já estão quase desfeitos por cima, paramos as bestas e o trilho e com umas forquilhas feitas em madeira damos a volta ao calcador, passando a parte que estava por baixo para cima e vice versa, depois de duas a três horas repetindo o mesmo trabalho, sempre passando o trilho por cima, está o calcador debulhado!

Quando o calcador estiver debulhado, passamos à fase de o limpar, ou seja, de separa o cereal da palha com a ajuda do vento que se chama maré, e começa quase sempre a soprar só à tardinha, fazendo entrar o trabalho da limpeza pela noite dentro, mas se a maré faltar, a limpeza do cereal fica parada e pode ficar assim dois ou três dias, causando prejuízo ao seareiro, porque não pode pôr outro calcador na eira enquanto lá estiver o anterior e isso pode atrasar a debulha!

Se existir boa maré, com uma forquilha de madeira, atira-se o cereal com a palha ao vento que faz a separação, como a palha é mais leve, o vento atira-a para mais longe caindo o cereal em frente do homem que está a limpar, mas esse trabalho tem técnica, o cereal não pode abalar enrolado na palha, não é para todos, tem de ser cumprido conforme as regras que aprendemos e que foram passando de geração em geração.

Depois do cereal ser separado da palha, ainda é atirado ao vento com uma pá de madeira para sair a moínha, ou seja, as palhas muito finas,  quando ficar limpinho é ensacado em sacos de serapilheira, medido em alqueires com uma medida de madeira, para saberem quantas sementes deu, quanto foi a produção, em relação ao cereal semeado, ou é pesado e guardado em casa, na tulha, para quando acabar a debulha o seareiro o vender no celeiro do Alandroal, Vila Viçosa ou outro!

O Ti Bate Estacas, ouvia a conversa com muita atenção e abanava a cabeça afirmativamente, mas assim que o rapaz terminou disse:

- Vocês não sabem o que são calcadores nem marés nas eiras, só eu sei o que passei! E com esta me vou para o meu camalho!  

Os rapazes já esperavam esta reação do ti Bate Estacas e começaram a rir, e foi rir até ouvirem a palavra do taberneiro "rua" e, assim acabou mais um serão naquela taberna da Aldeia de Ferreira.

Fim 

Texto: Correia Manuel 


Memórias dos camalhos e das tarimbas para dormir

 Memórias dos camalhos e das tarimbas para dormir

O serão numa das tabernas de Capelins, no mês de Julho da década de 1960, começou cedo, porque o fecho não podia ser muito tarde, uma vez que, a licença de porta aberta era só até às vinte e duas horas.

Os fregueses, eram quase sempre os mesmos, lá passava um ou outro a comprar um mata ratos ou uma onça de tabaco e um livro de mortalhas, bebia um copo de vinho ou de aguardente e seguia o seu caminho à procura da cama, do camalho na esteira de buinho, ou da tarimba, porque levantavam-se muito cedo.

O grupo de rapazes ocupava a primeira mesa a seguir à porta, do lado direito  e, estavam alguns homens encostados ao balcão em conversa animada e bebendo uns copos de vinho ou de aguardente e, ao fundo da taberna andavam os jogadores do xito, fazendo muito barulho.

Os rapazes, como habitualmente, bebiam umas cervejas minis e as suas conversas eram banais sobre o que tinham feito durante o dia, mas no grupo estava um rapaz que tinha feito a ceifa e tinha andado a dar molhos, por conta de um seareiro do Carrão, então a conversa encaminhou-se para esse trabalho, os outros rapazes pediram-lhe para contar como o tinha feito e onde comia, o que comia e onde dormia, e como sempre ele aceitou contar tudo.

Assim que o rapaz começou, entrou o ti Bate Estacas que, não cumprimentou ninguém, olhou os fregueses um a um para se inteirar quem estava e fdepois chegou-se para perto da mesa dos rapazes, os quais, cumprindo a tradição da Aldeia, perguntaram-lhe o que queria beber, e ele apenas abanou a cabeça, negativamente, e um dos rapazes, para o picar, disse-lhe: - Então, se não quer beber nada, o que quer daqui? 

- Deves ter muito a ver com isso! O meu camalho está muito quente e o barulho que fazem aqui, não me deixam dormir!  Respondeu o Ti Bate Estacas!

O rapaz continuou a explicar o que comia quando andou na ceifa e no carrego dos molhos de cereais no Carrão, como andava a “de comer” era a mulher do patrão que fazia a comida, eram sopas de tomate com toucinho e carne fritos, ou com um ovo, migas com toucinho frito e uns bocadinhos de chouriça frita, sopas de grãos com toucinho e com carne ou de azeite, sopas de feijão, sopas de beldroegas com um ovo e, às vezes com queijo de cabra, gaspachos com azeitonas e depois em cima pão com queijo ou com um bocadinho de toucinho e de carne, e outras açordas, todas muito boas, só que era tudo por conto, ou seja, não tinha direito a comer à vontade e às vezes sentia grande galga (fome), mas tinha de se aguentar, porque não podia ter lá comida dele, mesmo que tivesse lá algum queijo, depois não tinha pão, mas não podia dizer que comia mal, o trabalho é que era tanto, que lhe dava fome.

Quanto à dormida, quando andava a ceifar longe do Monte, dormia lá nas courelas, acabavam de ceifar quase de noite e começavam a ceifar de madrugada, ainda mal se via, não dava para ir dormir muito longe, assim que ceava (jantava) fazia o camalho no chão, logo ali onde ia o eito, em cima de uns pastos e de troços (caules dos cereais) que por ali apanhava, metia a manta em cima e estava o camalho feito, e tinha um cobertor para se tapar de madrugada, como estava muito cansado dormia que nem um anjo.

 Quando andava a dar molhos dormia lá na eira, o camalho era muito melhor, não era tão duro, porque tinha palha por baixo, mas tinha lá uma tarimba na cabana da mula, podia ser preciso, se viesse uma trovoada durante a noite mudava-se para a tarimba, como alguns rapazes não sabiam, o que era uma tarimba, o rapaz explicou que as tarimbas eram diferentes de camalhos, eram feitas com paus e travessas de tábuas, havia algumas mais bem feitas do que outras, o colchão, geralmente, eram duas sacas de serapilheira cheias de palha e depois levava uma manta por cima e se tivesse frio tapava-se com um cobertor, ou dava a volta à manta, mas no verão não era preciso. 

O rapaz continuou a explicar que as tarimbas, não eram ao nível do chão, como os camalhos, tinham pés em madeira, ou metiam-se uns caixotes por baixo, assim, quem lá dormia, já não apanha a humidade ou água do chão, que fazia mal ao reumatismo, eram mais usadas no inverno, porque no verão toda a gente dormia na rua em camalhos, e estavam quase sempre em cabanas, atrás ou ao lado das bestas, e também nas cabanas de bois, choças, cabanões ou nas casas dos ganhões, ou casa da malta nas herdades, onde dormia a malta (criados).

O Ti Bate Estacas, nem pestanejava a ouvir a conversa dos rapazes, parecia aceitar a explicação do rapaz, mas aproveitou uma pausa e disse: 

- Vocês não não sabem o que são camalhos nem tarimbas, se passassem o que passei! E com esta me vou para o meu camalho!  

Os rapazes começaram a rir ainda na sua presença e, foi só rir o resto do serão até se ouvir a palavra mágica do taberneiro: - "rua" e cada um foi para suas casas.

Fim 

Texto: Correia Manuel


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