terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando deu Batacus

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando deu Batacus

A cultura da comunidade capelinense é composta por muitas tradições, entre as quais, as carnavalescas e, neste caso destacamos as Culas ou Batacus (Batecus) que consistiam em nos aproximar-mos de um rapaz ou de uma rapariga, por trás, sem ser vistos e dar-lhe uma joelhada nas nádegas que, podia causar dor e susto, logo, esse ato era festejado pelos/as assistentes, mas como, geralmente não era bem recebido pelos molestados, muitas vezes, podiam receber de resposta umas orelhadas ou impropérios desagradáveis, era conveniente estarem preparados para fugir e não se deixarem apanhar!
No decénio dos anos sessenta, o Chiquinho entrou para a escola de instrução primária de Ferreira de Capelins, com a idade de seis anos, era muito pequenino, por isso, ganhou o apelido do "pequeno" que detestava, mas quanto mais detestava, mais ouvia esse apelido da boca dos rapazes e raparigas da sua escola!
Já quase a meio do ano letivo que, começava sempre no dia sete de Outubro, chegou o Carnaval, com data marcada para o seu início no dia 20 de Janeiro e decorria até à quarta feira de cinzas, era uma época muito festejada nas terras de Capelins, porque eram permitidas brincadeiras que estavam proibidas o resto do ano, como os Batacus (Batecus) e as caqueiradas!
A professora, Dª Eva, natural de Vila Viçosa deu ordem de saída ao recreio às suas classes, da primeira à terceira, alguns alunos da terceira classe já eram repetentes e podiam passar dos dez anos de idade, por isso, controlavam as brincadeiras do recreio e, só entravam nelas quem eles quisessem, e como o Chiquinho, era pequenino, não tinha lá irmãos nem primos para o protegerem, logo, ficava sempre fora das brincadeiras, sendo uma humilhação!
Nesse dia, a professora tinha acabado de dar uma dúzia de reguadas nas mãos de um rapaz chamado João, aluno da terceira classe, por não saber ler a lição da "Toutinegra descuidada", o qual, saiu da sala ainda a soluçar, revoltado contra a professora e a escola toda, por isso, não foi brincar com os da sua idade e afastou-se deles para a frente da escola!
O Chiquinho, simpatizava com ele e viu ali uma oportunidade para se aproximar, era um rapaz grande e da terceira classe, seria bom ganhar a sua proteção e, com pezinhos de lã foi-se aproximando do João e começou por dizer:
Chiquinho: Então João, estás zangado? Ainda te doem as mãos das reguadas?
João: E se doerem, tens alguma coisa a ver com isso? As mãos são tuas?
Chiquinho: Não, não! Mas tenho pena de ti, de levares tantas reguadas!
João: Mas eu alguma vez te pedi para teres pena de mim? Põe-te a mexer daqui!
Chiquinho: Pronto! Está bem, vou-me já embora!
João: Desaparece! Senão, tu já és pequeno é fácil fazer-te desaparecer!
Chiquinho: Sou pequeno, mas sou forte, não tenho medo de nada, nem de nenhum rapaz do meu tamanho!
João: Sim, disso tenho a certeza, um gaiato do teu tamanho, está agora a nascer!
Chiquinho: Não, não! Quero dizer, da minha idade!
O João estava a ficar animado com a conversa e, decidiu divertir-se com o Chiquinho e continuou:
João: Olha lá, estás a dizer que és muito forte, então se queres que eu acredite, vai lá dar um "Batacu" além naquela!
Chiquinho: Em qual? Só está além a moça velha!
João: Sim, nela, na moça velha!
A rapariga a quem o João se referia frequentava a 4ª classe com a professora Dª Florbela, na escola de baixo, cuja classe tinha quase tantos alunos como as outras três classes, com idades entre os 9 e os 14 anos, sendo alguns destes alunos e alunas com 14 anos, já homens e mulheres e, devido às roupas que algumas alunas tinham de vestir, aparentavam ser muito mais velhas, umas mulheres!
O Chiquinho mediu a "moça velha" de alto a baixo com o olhar, várias vezes e, confirmou que ela tinha o tamanho da mãe dele e hesitou, porque se o "Batacu" corresse mal, estava desgraçado, mas ao mesmo tempo pensou que, talvez ela tivesse dó da sua pequenez e o perdoasse e sendo assim, ganhava pontos na consideração do João que, podia ser a sua salvação no futuro e, sem pensar mais, prontificou-se a dar asas ao desafio proposto pelo João!
A Antónia, era esse o verdadeiro nome da rapariga, estava distraída no espaço em frente da escola que frequentava, afastada das outras alunas, talvez, porque a humilhavam com aquele apelido e o Chiquinho, sorrateiramente foi-se aproximando, mal comparado como um caniche a uma cadela pastora alemã e quando chegou à devida distância dobrou a perna direita e aplicou-lhe um golpe na barriga da perna, o ponto mais alto a que conseguiu chegar e, voltou para o lado da sua escola numa corrida louca, mas a rapariga, ou por susto, ou para descarregar os efeitos da humilhação (Bullying), nem precisou de dar mais de dois ou três passos apressados e aplicou tão grande palmada no cachaço do Chiquinho que ele levantou os pés do chão e voou mais de um metro e quando aterrou ainda continuou a deslizar mais um a dois metros, levantou-se, rapidamente, limpou a terra e ervas do peito e da barriga e ficou empertigado, em frente ao João e perguntou-lhe: - Então, sou forte ou não sou?
O João ria às gargalhadas e nem lhe respondeu, virou-lhe as costas e foi a correr contar aos que brincavam no pátio da escola e o Chiquinho foi atrás todo vaidoso, convencido que ia receber aplausos por aquela ousadia, mas foi ao contrário, todos e todas se riram na sua cara, deixando-o muito envergonhado e averso às Culas ou "Batacus-Batecus" para sempre.
Fim
Texto: Manuel Correia 


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