terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi pagar as quotas da Casa do Povo a Terena

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi pagar as quotas da Casa do Povo a Terena

O Chiquinho de Capelins, com a idade de treze anos, já tinha encargos definidos, como tratar do gado, das cabras, galinhas e dos porcos, mas podiam surgir outras tarefas que lhe eram confiadas em cima da hora ou na noite anterior, como neste caso, o pai do Chiquinho disse-lhe que no dia seguintes, logo de manhã, depois de tratar do gado tinha de ir a Terena pagar as quotas à Casa do Povo!
Cerca das nove horas da manhã, o Chiquinho estava pronto para partir, porque tinha de estar de volta ao meio dia, porém, antes da partida dirigiu-se à taberna do ti José Francisco que, por sorte estava aberta, entrou e não o viu atrás do balcão, então começou a chamá-lo com grande alarido! O ti Zé respondeu no mesmo tom:
Ti Zé: O que é que tu queres Chiquinho? É preciso esse espalhafato todo? Não tens emenda!
Chiquinho: Oh ti Zé, não é espalhafato nenhum, é que era para estar a chegar a Terena e ainda aqui estou!
Ti Zé: Então e que culpa tenho eu disso? Porque não te despachaste mais cedo?
Chiquinho: Eu levantei-me cedo, mas tive de andar a tratar do gado e de outras coisas! Venha cá depressa! O que é que está fazendo?
Ti Zé: Olha, estou a brincar! Agora não posso ir aí, anda cá tu e ajuda-me aqui, estou a tirar o vinho do pipo e não o posso deixar a correr senão entorna-se!
O Chiquinho entrou na casa da retaguarda da taberna, onde o ti Zé armazenava o vinho e outros produtos que ali vendia, ajudou a encher algumas garrafas e garrafões e depressa acabaram o trabalho!
Ti Zé: Mas afinal o que é que tu queres? Ou já te esqueceste do que querias?
Chiquinho: Não esqueci nada, vá depressa, senão agora tenho de ir a correr até Terena, dê-me cá um RITZ!
Ti Zé: RITZ não tenho, deve estar aí a chegar, queres um KART?
Chiquinho: Oh sorte a minha, era só o que me faltava, depois de estar aqui este tempo todo a ajudá-lo, eu não gosto nada do KART, mas não posso esperar pelo RITZ, venha ele e depressa!
O ti Zé pegou no maço de cigarros KART e atirou-o para cima do balcão da taberna e o Chiquinho pegou nele e guardou-o à pressa, antes de o pagar, na tentativa de o esconder no bolso, não entrasse alguém na taberna que visse e fosse contar ao pai que ele andava metido nas fumanças!
Ti Zé: Eh lá Chiquinho, passa para cá cinco escudos! Já te estavas a esquecer de pagar?
Chiquinho: Oh ti Zé, essa não parece sua, então alguma vez lhe fiquei a dever aqui alguma coisa? Não vê que estava só a aconchegá-lo aqui no bolso, eu já pagava!
Ti Zé: Está bem, com o aconchegar no bolso é que eu às vezes me lixo, não sabes que se me abala um maço de cigarros, vai-se o ganho todo do tabaco?
Chiquinho: Está bem, mas eu não sou desses, tome lá os cinco escudos e passe bem!
Ti Zé: Até logo Chiquinho!
O Chiquinho apressou-se a caminhar para Terena e quando chegou à estrada nova deparou-se com um dilema, sobre o caminho a seguir, se fosse pela estrada nova podia apanhar uma boleia, mas não podia fumar e como ali só passava uma camioneta ou um automóvel uma vez por dia, não era boa ideia de arriscar ir pela estrada nova (pavimentada), porque era muito mais longe, de verdade passava por ali o ti Carapinha várias vezes ao dia com a camioneta da pedra para a estrada da herdade da Defesa de Bobadela, mas nunca dava boleia a ninguém, nem virava os olhos para o lado do pedinte da boleia, mas gostava de ajuda, nem que fosse só moral, quando a camioneta avariava! Por fim, o Chiquinho decidiu ir pelo caminho de terra batida, pelo Cebolale, Nabais, Ai Ai, Monte Branco, Ribeiro de Alcaide, Vila Velha, Terena! Como tinha o maço de tabaco para fumar dava mais jeito ir a pé e quando acabou de decidir já estava a fumar o primeiro cigarro KART!
O Chiquinho levava uma caixa de fósforos no bolso para acender os cigarros, mas teve pouco uso, porque a sua estratégia do fumanço foi a de acender o próximo cigarro com a beata do anterior e foi assim até Terena!
O Chiquinho entrou na Vila de Terena pelo lado do cemitério, chegou à Rua Direita onde era a Casa do Povo, subiu a escadaria e entrou na secretaria, estava a esposa do senhor Feliz e o senhor Melo, o cobrador das quotas, que era das Hortinhas mas conhecia toda a gente da região, o Chiquinho ficou calado à espera que lhe perguntassem o que queria e não demorou, o senhor Melo sentiu o olhar persistente do Chiquinho, levantou a cabeça e por cima dos óculos, esteve um pouco em observação e sem nenhum cumprimento, perguntou:
Senhor Melo: Então rapaz, queres alguma coisa daqui?
Chiquinho: Quero, quero, é para pagar as "cotas" do meu pai!
Senhor Melo: Então, tu não és de Ferreira?
Chiquinho: Sou, sim senhor(a)!
Senhor Melo: Estive lá na quarta - feira, podiam ter pago, escusavas de cá vir!
Chiquinho: Pois, mas a gente não estávamos lá em casa!
Senhor Melo: Pois, nunca estão, deviam estar na casa da vizinha! Então, como é o nome do teu pai e quantas quotas queres pagar?
Chiquinho: O meu pai é o ti João e são duas, a do mês passado e a deste mês!
O senhor Melo esteve, esteve, a passar o livro das quotas para trás e para a frente e por fim lá cortou o talão das duas quotas, tomou nota num mapa, levantou-se e disse:
Senhor Melo: São sete escudos!
O Chiquinho pagou as quotas, perguntou se estava tudo certo, desceu a escadaria e assim que pôs os pés na Rua Direita acendeu logo um cigarro e a partir dali pelo mesmo caminho continuou a acender os cigarros com as beatas dos anteriores até os esgotar à chegada às imediações do Monte de Nabais!
Quando chegou a casa ia a cambalear e com dor de cabeça, atirou as quotas para cima da mesa da cozinha e disse à mãe que ia para a cama, porque estava muito doente! A mãe preocupada correu a perguntar-lhe o que sentia, mas o Chiquinho afastou-se para não lhe dar o cheiro a tabacum e foi deitar-se, e também, devido ao cansaço, depressa adormeceu!
Quando chegou a hora do jantar (almoço) a mãe foi acordá-lo e saber como estava, o Chiquinho acordou ainda tonto, zangou-se e disse-lhe para o deixar estar que já estava um pouco melhor, mas ainda não estava bem e continuou a dormir! Pelas quatro ou cinco horas da tarde, acordou ressacado da bebedeira tabágica mas um pouco aliviado, levantou-se, comeu umas sopinhas de grão e daí a pouco já estava melhor, foi tratar do gado, mas devido à grande intoxicação demorou em voltar ao normal, ao ponto de, durante algum tempo ter ficado enjoado do cheiro a tabaco e marcado na memória para sempre.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Capelins de Cima 


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