segunda-feira, 3 de outubro de 2022

A lenda do Moleiro do Moinho da Moinhola, em Capelins

 A lenda do Moleiro do Moinho da Moinhola, em Capelins 

O sábado dia 31 de Maio de 1862, amanheceu sem sinais de chuva ou trovoada, pelo contrário, esperava-se um dia quente, como outros que o antecederam!  
O ti Manoel Farinha e a ti Loreta de Jesus, eram Moleiros no Moinho da Moinhola, o qual, como todos os outros, estava cheio de sacos de trigo e moia dia e noite para dar resposta às encomendas! Naquele sábado, este Moinho, tinha lá dentro cerca de trinta sacos de trigo e outros cereais! 
Pelas quatro horas da tarde, surgiu uma trovoada por cima da Vila de Chelles, cobria o céu até onde a vista alcançava, para os lados de Olivença! O ti Manoel saiu do Moinho, olhou, olhou, coçou a cabeça e comentou com o pastor da herdade da Defesa de Bobadela que ia passando por ali: 
Ti Manoel: Oh Zé, não estou a gostar nada do que estou a ver! O que é que dizes daquilo? 
Pastor: Oh Manoel, digo-te que aquilo é uma grande trovoada, um caso sério, e se queres que te diga mais, não me lembro de ver uma bicha daquelas! Olha lá, os relâmpagos seguidos de trovões tão fortes e nem despegam! E as cordas de água! Cá por mim, vais ter aqui fezes!
Ti Manoel: Não sei, não sei, de verdade não me lembro de uma coisa assim! A água que vai caindo além, vem cá parar toda! Não sei o que faça à vida! Mas num tempo destes há-de encher o Moinho? 
Pastor: Não sei, Manoel, não sei! A trovoada não vai chegar aqui, não vês o vento a empurrá-la para lá? Ela vai carregar bem, aí para Juromenha e Elvas, mas tens razão, a água vem cá ter toda! 
Ti Manoel: Ora aí está! Se a água vem cá ter toda, então tenho de me amanhar, porque o Moinho está cheio de sacos! Eu não os vou tirar, mas vou pôr aí os taipases (tábuas) para se vier alguma grande cheia, não deixam passar a água aqui para a frente do Moinho e, se for preciso reforço a porta! 
Pastor: Olha que era melhor tirar alguns sacos ali para a casa ou para o cabanão! Vê lá se queres  ajuda? 
Ti Manoel: Não, eu não tiro os sacos de trigo, desde gaiato que ando nisto e nunca me enganei! Olha, ajuda-me aqui a levar as tábuas que estão ali no cabanão!
O ti Manoel e o pastor, colocaram as tábuas encostadas à parede do muro, entre a frente do Moinho e a margem do rio, ficaram bem firmes com grandes pedras a pressionar e, ambos acharam que a água por ali não passava, era preciso galgar mais de dois metros de   altura! 
As ovelhas já seguiam para a choça, o pastor despediu-se e foi no seu encalço! O ti Manoel continuou a vigiar as mós do Moinho e ao mesmo tempo a trovoada que não amainava, mas já tinha a certeza que não chegava ali, tinha mesmo enrolado para cima! 
O leito do rio Guadiana estava a subir,  e já estava a anoitecer, mas a água ainda estava distante das tábuas, por isso, o ti Manoel baixou a guarda! A ti Loreta desceu ao Moinho com as cinco filhas e com a ceia, cearam (jantaram)  todos, depois arrumaram a tralha e voltaram para a casa da Moinhola, porque não podiam demorar em ir para a cama, uma vez que, pelas três ou quatro da madrugada a ti Loreta tinha de se levantar para substitui o ti Manoel no trabalho do Moinho, era uma vida de muito sacrifício! 
O ti Manoel continuou a trabalhar, mas vinha constantemente à rua verificar a cheia do rio Guadiana que, estava a atingir as tábuas e subindo a olhos vistos, por isso, foi a correr travar as mós e apanhar a farinha para dentro dos sacos, começou a carregá-los para casa e acordou a ti Loreta para o ajudar a carregar os restantes sacos de farinha e alguns de trigo para a casa e para o cabanão e chamou logo a ti Loreta: 
Ti Manoel: Loreta, oh Loreta! Levanta-te lá depressa, mulher! Anda lá ajudar-me a pôr os sacos às costas, tenho de tirar de lá a farinha e alguns sacos de trigo, porque, parece-me que vamos ter borrasca! 
Ti Loreta: Oh Manoel, só tu me fazes isto, estava a dormir tão bem! Mas olha que estava a sonhar que vinha aí uma grande cheia e estavamos numa grande aflição! Não gostei nada deste sonho! 
Ti Manoel: Eh lá Loreta! Tanto, também não! Vá, deixa lá o sonho e anda daí depressa! 
Ti Loreta: Oh Manoel, mas que pressa é essa agora? Não disseste que tinhas a certeza que não era preciso tirar nada do Moinho? 
Ti Manoel: Disse, pois disse, mas devia estar enganado, a água não pára de subir, não sei se não passa por cima das tábuas, ou se até rebenta com elas! 
Ti Loreta: Olha lá, então porque não levemos a burra? Como é que vais carregar aqueles sacos todos às costas? 
Ti Manoel: Deixa lá a burra, porque levemos mais tempo, vamos tirar a farinha que não é muita, e depois, tiramos alguns sacos de trigo, mais nada!
O ti Manoel e a ti Loreta, correram até ao Moinho, mas antes, ainda foram ver em que estado estavam as tábuas que seguravam a água e ficaram assustados, porque podiam ceder a qualquer momento, mas tinham de continuar! 
Entre os dois, começaram a carregar a farinha para casa e, logo a seguir, o trigo para o cabanão, embora a água já lhe desse quase aos joelhos continuaram o seu trabalho que estava a correr muito bem, a força da água era tanta que as tábuas, repentinamente cederam, só já tinham meia dúzia de sacos de trigo dentro do Moinho, mas foi no momento que estavam ambos lá dentro e, não deu tempo a fechar a porta com as tábuas que o ti Manoel tinha preparado, a água entrou tão rapidamente que o Moinho ficou logo com água até às meias paredes, eles ainda tentaram sair, mas era impossível, a água impelia-os para trás, subiram, então, para uma das mós e começaram a gritar por socorro, mas àquela hora não andava ninguém por ali, só estavam as filhas a dormir na casa da Moinhola! 
A filha mais velha, a Maria, acordou, devido ao barulho da água, foi à rua, chamou, chamou e como não tinha resposta, apercebeu-se que os pais estavam encurralados dentro do Moinho, o qual, estava quase submerso, foi acordar as irmãs e disse-lhe que os pais se estavam a afogar, começaram todas a chorar e a gritar por socorro, podia algum pastor ouvir, mas às duas da manhã, ninguém as ouvia.
O ti Manoel e a ti Loreta estavam quase afogados, com a água pelo pescoço, e ainda ouviam a água a entrar no Moinho, viram que estavam perdidos, foi então que, o ti Manoel, desesperado gritou: "Nossa Senhora das Neves, nos acuda"! Naquele momento, as águas serenaram e, a cheia começou a baixar, a força da enxurrada diminuiu! 
Como as filhas não pararam de gritar a pedir ajuda, alguns pastores ouviram-nas e vieram ver o que se passava, mas só quase às cinco horas da manhã os conseguiram tirar do Moinho, sem nenhuma mazela.
O ti Manoel, não se esqueceu da ajuda que tiveram, sabia que tinham sido salvos por um milagre de Nossa Senhora das Neves, por isso, na tarde do dia seguinte, Domingo, deixou o Moinho parado e com a ti Loreta e as filhas, foram agradecer o milagre a Nossa Senhora das Neves. 
Depois da enxurrada passar, que tinha sido provocada pela grande trovoada, o curso do rio Guadiana, depressa voltou ao normal, continuando o ti Manoel, a ti Loreta e as cinco filhas a viver na Moinhola (Minhola) muitos felizes e, sempre devotos de Nossa Senhora das Neves, onde iam todos os meses renovar o seu agradecimento. 


Fim 


Texto: Correia Manuel 

Moinho da Moinhola (Minhola) - Capelins 



Sem comentários:

Enviar um comentário

Povoado de Miguéns - Capelins - 5.000 anos

  Povoado de Miguéns -  Capelins - 5.000 anos Conforme podemos verificar nos estudos de diversos arqueólogos, já existiam alguns povoados na...