terça-feira, 4 de outubro de 2022

A lenda das bodas do Manel Gomes, de Capelins

 lenda das bodas do Manel Gomes, de Capelins

Conta-se que, o Manel Gomes era um rapaz em idade casadoira, morava em Capelins de Cima e, trabalhava como jornaleiro na herdade Defesa de Ferreira. Como todas as família nessa época, também a dele era muito numerosa, tinha cinco irmãos e muitos primos, que moravam pelos Montes e Aldeias da Freguesia de Capelins. 
No ano de 1898, por coincidência, os dois primos mais chegados, marcaram o casamento para o mesmo dia, sendo o Manel convidado por ambos, como não podia deixar de ser, devido à sua grande amizade.
O Manel ficou num dilema, podia assistir ao enlace dos noivos, porque combinaram com o Pároco João Manuel Queimado, de Santo António de Capelins, casarem ao mesmo tempo, para nenhum ter asar na vida, porque dizia-se que, quem casava no mesmo dia e na mesma Igreja, o último a casar tinha azar na vida, mas o problema dele era, como conseguia estar presente quase ao mesmo tempo nas duas bodas, porque, a do primo José Domingos era no Monte da Vinha e, a do primo Joaquim António era no Monte da Talaveira.
Ainda faltava mais de um mês, por isso, tinha esperança de encontrar uma solução, podia ir primeiro a uma e, depois de encher a barriga ia para a outra, mas já só apanhava restos, porque com a fome que havia nesses tempos, depressa desaparecia a comida toda. 
O Manel cismava sobre a forma de encurtar o tempo que levava a ir de uma boda à outra, mas não lhe ocorria nada, já sabia as ementas, qual delas a melhor, na boda do Joaquim António matavam um bácoro e na do José Domingos matavam uma ovelha malata.  
Como se dava muito bem com o ti António Dias, companheiro de trabalho, pediu-lhe ajuda, contou-lhe o que estava em causa e, que não sabia como resolver a situação e o ti António respondeu-lhe: 
Ti António: Oh Manel, depois de encheres bem a barriga num lado, já nem te vai apetecer a comida do outro, deixa isso! 
Manel: Espere lá ti António! Eu vou dar a prenda igual aos dois, tenho que comer igual nos dois! E duas horas a andar de um Monte para o outro, vai dar-me fome e, depois chego lá, vou comer o quê? Já nem ossos deve haver! 
Ti António: És capaz de ter razão, está ai um caso bicudo! Tu precisavas de um transporte que te ajudasse a encurtar essas duas horas, assim, chegavas mais cedo e ainda apanhavas alguma coisa! Olha! Lembrei-me agora, o que te safava era um cavalo, sempre a trote, em pouco mais de meia hora ias de um Monte até ao outro! 
Manel: Pois era! Mas onde é que eu arranjo um cavalo? Isso é coisa dos ricos e não são todos! Eu tenho o burro do meu pai, mas não me adianta muito!
Ti António: Não te adianta muito? Se o treinares a correr, só que seja metade do caminho, pelas Areias, Terraço, Ramalha, Zorra, fazias isso em menos de uma hora! 
Manel: Olhe que não está mal pensado! Mas tinha de o treinar à noite, depois da ceia, antes de me deitar! 
Ti António: E porque não? Já sabes que não podes apertar logo com o animal, senão rebenta, por isso começas com meia hora, ou menos e, depois vais apertando, não é preciso sempre a correr e, no fim não te esqueças de lhe dar água e tratar bem dele! 
Manel: Obrigado ti António, boa ajuda, é mesmo isso que vou fazer, já amanhã! 
O Manel começou a treinar o burro do pai quase todas as noites, saia de Capelins de Cima e, umas noites ia para o Terraço e Areias e outras para a Ramalha até à Zorra, para o burro se habituar bem ao caminho e corria grandes distâncias, já imaginava a situação resolvida, assim, podia estar nas duas bodas quase ao mesmo tempo, enchia bem a barriga numa e abalava logo para a outra, chegando a tempo de ainda haver comida e também acompanhar os dois estimados primos. 
Os treinos do burro do pai do Manel corriam cada vez melhor, até à noite da véspera das bodas que eram num Domingo, na noite de sábado, era o último treino e, o Manel fez o percurso igual ao que pensava fazer no dia seguinte, ou seja, do Monte da Vinha para o Monte da Talaveira, saiu de perto daquele Monte e obrigou o burro a correr o mais que podia, o animal já ia cansado, mas o Manel exigia mais, até que ao passar o ribeiro do Terraço onde havia um barranco, o burro com o cansaço não conseguiu saltar e caiu lá dentro, sendo o Manel despedido para cima de uns penedos, onde ficou desmaiado e caído até que um seareiro que se tinha demorado numa courela no Baldio viu o burro sozinho e começou a ouvir o Manel a gemer, foi encontrá-lo sem ser capaz de se levantar, meteu-o na carroça e foi levá-lo a casa. 
O rapaz estava muito mal, foram buscar um curandeiro a Terena que tratou dele e disse-lhe que era um caso muito sério, porque tinha costelas partidas e alguma podia ter perfurado os pulmões, ficava bem ligado com ligaduras e, não se podia mexer na cama, ficando assim pelo menos quinze dias e depois levava mais de três meses para poder trabalhar.
No Domingo seguinte, realizaram-se os casamentos dos primos e o Manel ficou na cama e não comeu nada do bácoro nem da ovelha malata, o treino do burro do pai, tinha sido um esforço inglório, mas ainda tinha tido muita sorte,  porque podia ter morrido! 
O Manel queria estar nas duas bodas e ficou sem nenhuma.
Três meses depois do acidente, foi trabalhar, ainda com muita dificuldade, mas acabou por ficar bem.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Monte da Vinha - Capelins 






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