terça-feira, 4 de outubro de 2022

Memórias do trabalho de alqueivar, atalhar e semear

 As conversas ao serão, nas tabernas de Capelins

Memórias do trabalho de alqueivar, atalhar e semear

No final do mês de Setembro de 1969, era fim de semana e o serão numa das tabernas de Ferreira de Capelins, estava muito animado com a presença de militares, alguns mobilizados para o Ultramar e, estavam de licença para se despedirem das famílias e amigos!

Permaneciam alguns homens encostados ao balcão da taberna, em conversa animada entre eles e iam bebendo uns copos de vinho ou aguardente, em volta da mesa do canto à direita, estavam os habituais jogadores de cartas, na mesa a seguir, o grupo dos rapazes, e na área destinada ao xito, andavam os respetivos jogadores assistidos por alguns adeptos, todos falando muito alto!

Os rapazes bebiam umas cervejas minis e no grupo lá estava o rapaz que trabalhava na agricultura, no Carrão, e era o que conhecia melhor o ciclo da produção de cereais, por isso, os outros rapazes continuavam a fazer-lhe perguntas, sobre os trabalhos que tinha feito nos últimos meses!

Quando o rapaz começou a explicação entrou o Ti Bate Estacas, não disse nada, mas tocou com a mão direita na boina que trazia na cabeça, em sinal de cumprimento, olhou para os fregueses um a um e ficou a escutar a conversa dos rapazes, mas um dos rapazes, para implicar, perguntou-lhe o que queria beber e ele abanou a cabeça e disse muito baixinho, nada! Então, o rapaz disse-lhe: Se não quer beber nada o que vem fazer aqui? Deves ter muito a ver com isso, venho vêr quem aqui está! Respondeu o Ti Bate Estacas!

O rapaz continuou a explicação sobre o trabalho que tinha feito no Carrão, a seguir ao tapilho das almiaras da palha para alimentar as muares durante o ano, agora, tinha andado a atalhar o alqueive que tinha sido feito em Fevereiro e Março, e explicou que a terra que tinha ficado de pousio, em descanso, e que tinha sido aproveitada para pastagem dos gados, era lavrada naqueles meses, iniciando-se aí o ciclo da produção dos cereais, principalmente do trigo, porque a cevada e aveia são, geralmente semeadas nas relvas, dispensado esse trabalho, porque foram semeadas na terra onde foi semeado o trigo no ano anterior! Assim, em Setembro é feito o atalho desse alqueive que consiste em passá-lo com uma grade puxada pelas muares e que tem pequenos bico de ferro por baixo para ao deslizar pela terra, partir e desfazer os torrões, e deixar a terra o mais lisa possível, a seguir a terra é, novamente lavrada e gradada até ficar desfeita e pronta para a sementeira, é isso o atalho do alqueive, disse o rapaz!

Depois de fazer o atalho, já podemos passar à fase da sementeira, nós na próxima semana vamos semear as favas e depois o trigo, porque a cevada e a aveia já estão semeadas, primeiro vou começar a embelgar que é fazer uns rêgos o mais direitos possível com uma largura de cinco ou seis metros entre eles, para servirem de guia ao espalharmos o adubo e o trigo, este depois de sulfatado, na terra, com o sementeiro ao ombro, o qual é um saco de serapilheira com metade da boca atada junto ao fundo do mesmo, deixamos uma abertura, uma boca, para meter e tirar o trigo ou o adubo, levamos dentro, uns vinte a trinta quilogramas, metido no ombro esquerdo e, o adubo ou o trigo vai-se atirando à terra entre dois regos que é uma belga, com a mão direita cheia, em leque, por cada passo que damos, e vamos sempre andando até ao fim da belga, depois voltamos pela outra, até acabar o adubo ou o trigo, aí fazemos um sinal com uns torrões e vamos encher o sementeiro e continuamos, depois da semente deitada à terra lavramos e gradamos, para o trigo ficar enterrado e, finalmente fica a sementeira feita!

Se o tempo vier a jeito da sementeira, daí a um mês, ou menos, o trigo já germinado começa a aparecer fora da terra e forma uma abençoada seara, que pode matar a fome a muita gente!

Nos finais do mês de Fevereiro e durante o mês de Março e início de Abril, fazemos a monda que consiste em arrancar as ervas daninhas que fazem mal ao trigo, a qual é feita por ranchos de mulheres, que andam dobradas pela cintura, com um sacho na mão, desde manhã cedo até à noite, muitos dias todas molhadas da água das chuvas e da existente na erva e no trigo!

Os seareiros não tiram os olhos do trigo, durante quase um ano, porque é a principal fonte de rendimento das suas casas e muitas vezes, devido a intempéries, a produção corre muito mal, deixando-os na miséria!

Depois da monda, quem pode, ainda lhe aplica um adubo, sulfato amónio, para lhe dar mais força, e ficamos esperando que, em finais de Abril e Maio o trigo encha as espigas de grão e que amadureça em Junho, para fazermos a ceifa, o resto do ciclo da produção de cereais já o conhecem!

O Ti Bate Estacas, ouvia a conversa com muita atenção, mas mais uma vez, não esteve de acordo com as explicações e disse: - Vocês não sabem alqueivar, nem atalhar, nem semear! E com esta me vou para a minha cama!

Como sempre, os rapazes começaram a rir, e riram o resto do serão! Assim acabou mais um serão naquela taberna de Ferreira de Capelins.

Fim 

Texto: Correia Manuel

Eira e seara - Monte da Vinha - Capelins - Alandroal 



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