quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Memórias do uso dos chapéus e das boinas, em Capelins

Memórias do uso dos chapéus e das boinas, em Capelins 

Se o traje é usado para representar a cultura ou identidade de uma determinada comunidade, neste caso, podemos incluir os chapéus e as boinas na identidade da comunidade capelinense, uma vez que, noutros tempos faziam parte das indumentárias nas terras de Capelins, havia chapéus e boinas de todas as cores e feitios, as boinas eram de tecido liso e de diversos padrões, em plástico, de napa ou pele, para ricos e para pobres, logo, umas finórias e as do trabalho, as do inverno tinham orelhas que se aconchegavam à cara e tinham uma mola que a ajustava por baixo do queixo, não deixando entrar o frio nem a chuva, mas à medida que o tempo melhorava, estas boinas eram substituídas por outras mais leves, conforme o tempo, fosse primavera ou verão, e nas festas ou em qualquer saída das Aldeias, em passeio ou a tratar de assuntos, assim era boina que levavam, mas era a mais fina, por isso, havia homens que tinham algumas dezenas, a condizer com os respetivos trajes.

Quanto aos chapéus, também existiam de todas as cores e feitios e para todos os gostos, alguns indicavam a classe social ou profissional de quem os usava, havia os chapéus de palha para a raziada, os de ráfia para as mulheres, os de aba direita usados pelos lavradores, por isso, chamavam-lhe chapéus de lavrador, enquanto nos trabalhos do campo usavam um chapéu, geralmente prêto, ou castanho, às vezes já sem cor, consumida pelas intempéries, com as abas curtas e um pouco curvadas, também havia os chapéus à cowboy com as abas lateralmente curvadas para cima, estes eram usados por poucos homens, e havia uns chapéus mais finos, panamás, ou de côco, usados por comerciantes, empregados do comércio, de escritórios, profissionais liberais, médicos, advogados, professores, empresários, altas individualidades e outros, mais usados nas vilas e nas cidades. 

Em Capelins, usavam-se mais os chapéus de trabalho do campo e nos dias quentes de verão, os homens que trabalhavam nos campos, colocavam um lenço por baixo dos chapéus, tal como faziam os que usavam boinas, que caía até aos ombros e protegia a área do pescoço, contra o sol ardente e, ao mesmo tempo, esses lenços podiam ser usados para limpar o suor que escorria pelo rosto. 

 As boinas e os chapéus serviam para cobrir a cabeça, mas tinham outras utilidades, no caso dos chapéus tinham uma fita ou cinta em redor, que servia para não deixar dilatar a parte que entrava na cabeça, sendo essa fita ornamentada, mais pelas mulheres que também usavam boinas ou chapéus, com flores, espigas de cereais, penas coloridas de aves, e os homens aproveitavam a fita para espetar alfinetes de cabecinha para quando fosse preciso, tirar picos que se espetassem nos dedos, mas alguns também metiam penas coloridas de aves, mas também eram usados para acenar, para chamar à atenção ou chamar alguém à distância e, quando os homens se encontravam ou cruzavam numa rua, num caminho, em qualquer lugar, faziam uma vénia, um cumprimento levando a mão direita à pala da boina ou à aba do chapéu e se fosse uma pessoa considerada importante descobriam a cabeça e, enquanto falavam ficavam de cabeça descoberta com a boina ou chapéu na mão, se entrassem numa casa alheia tiravam, imediatamente a boina ou o chapéu e só voltavam a colocalo na cabeça se o dono da casa lhe dissesse para o pôr, se entrassem numa Igreja, ou numa Repartição Pública, nunca entravam com a boina ou com o chapéu na cabeça.

As boinas em algumas regiões são designadas de bonés, mas nas terras de Capelins os bonés são diferentes, têm uma pala de maiores dimensões e o feitio é diferente das boinas.

O chapéu era tão importante que, existem várias cantigas populares dedicada ao chapéu, como esta:

Ó que lindo chapéu preto

Naquela cabeça vai

Ó que lindo rapazinho

Para genro do meu pai


É mentira, é mentira

É mentira, sim senhor

Eu nunca pedi um beijo

Quem mo deu foi meu amor.

(...). 

Fim 

Texto: Correia Manuel 





terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Memórias das conversas na lavagem da roupa no poço da bomba, em Capelins

Memórias das conversas na lavagem da roupa no poço da bomba, em Capelins

Quando a Maria Carpinteira, que morava em Capelins de Baixo, chegou ao poço da bomba para fazer a lavagem da roupa da casa, ainda de madrugada, apenas se via um palmo à frente dos olhos, mesmo assim, não foi a primeira a chegar, já lá estavam duas mulheres no esfrega, esfrega, cada uma em sua tanqueta (tanque), a Maria cumprimentou-as e só quando elas responderam com bom dia, é que conheceu a sua prima Mariana Rosa que morava em Capelins de Cima, por sorte, a tanqueta ao lado estava desocupada e foi nela que ela instalou o alguidar da roupa, para ficar marcada, porque, depois dos preparativos tinha de ir ao poço buscar água para mergulhar a roupa, ensaboá-la com sabão clarim ou azul e começar na esfrega. 

A Maria perguntou à prima como estavam, ela e a família desde a semana passada, quando tinham estado ali no mesmo sítio e depois de algum diálogo, foi buscar água e deu início à lavagem, que se fazia tarde, mas isso, não impediu a continuação da conversa e da troca das novidades que havia em Capelins de Cima e em Capelins de Baixo, e pouco depois, já estavam as tanquetas todas ocupadas e ouvia-se grande burburinho. 

A Maria estava muito contente por ter apanhado a tanqueta mesmo ao lado da prima, porque tinham muito para falar, e continuou:  

Maria: Então Mariana, cá estamos outra vez na nossa vida, é roupa e mais roupa para lavar, são muitos larujos a sujar, mas calha sempre às mesmas a lavar! 

Mariana: Pois é, prima, a quem havia de calhar, se eles são nossos!

Maria: Sim, quem tem gaiatos não dá à conta, mas não os podemos mandar para a escola cheios de nódoas, eu não dou conta dos meus, não sei onde andam metidos que ficam cheios de nódoas, os teus gaiatos também te aparecem assim? 

Mariana: Sim, o meu Chiquinho às vezes aparece só com uma nódoa, mas é da cabeça aos pés, vai além para o lagar da Casa Dias e deve pular para dentro dos bidões do azeite, depois com o pó, não imaginas como ele aparece!

Maria: Pois, os gaiatos são todos a mesma coisa, e nós cá estamos para tratar deles, quem havia de ser, se são nossos filhos! Então e que novidades há além para cima? 

Mariana: Olha Maria, não sei nada de novo, tirando a da mula do ti Manel António deu um coice, que só por sorte não o apanhou, foi tão grande que bateu com as ferraduras no telhado, se o tivesse apanhado partia-lhe uma perna, se não fossem as duas, ou até podia ter morrido, teve muita sorte! 

Maria: Ai filha, coitado do ti Manel do que ele se livrou, mas então o animal é manhoso ou o que lhe aconteceu? 

Mariana: Não, não é manhosa, até é muito mansinha, mas ele andava a limpar a cabana e sem querer picou-a com a forquilha numa pata, e o animal deu o coice! 

Maria: Vê lá tu bem, como elas se arranjam, esta hora o ti Manel podia estar morto, é preciso muito cuidado, porque animais, são sempre animais, mas nesse caso, a culpa foi do ti Manel!  

Mariana: Olha, agora por falares em animais, sabes que a semana passada uma galinha das minhas começou a cantar como os galos!

Maria: Ai filha, então já sabes o que tens a fazer! Fora com ela e com o dinheiro compras uma cautela da lotaria! Toda a vida foi assim! 

Mariana: Sim, sim eu sei, estou só à espera que a Xica dos Ovos lá apareça e vendo-a logo, depois quando o homem ali de Terena ou do Alandroal aqui aparecer a vender cautelas, compro uma com o dinheiro da galinha, mas com a sorte que eu tenho, devo ficar sem galinha e sem dinheiro, ainda fazem mangação de mim, mas é assim a tradição! 

Maria: Pois, tens de comprar uma cautela, pode ser que tenhas sorte e te calhe pelo menos a terminação, depois trocas por outra, já conheci casos que as trocaram três vezes! 

Mariana: Sim, eu também já conheci casos desses, mas no fim ficaram sem nada e fizeram mangação delas, mas sem jogar é que não me calha, quero lá saber que façam mangação! 

Maria: Olha lá, por falares em mangação lembrei-me do que me contaste a semana passada, então aquela tronga ainda anda a atroujar-te (a gozar)? 

Mariana: Olha, para falar a verdade, há mais de quinze dias que não a vejo, ela não deve estar cá, deve estar lá pra malhada, mas decerto já não se chega cá pro pé de mim, porque a última vez bati-lhe os pés e ela nem sabia onde se havia de meter! E além para baixo que novidades há?

Maria: Nenhuma, não há nada, tirando o estouro (queda) da ti Ana do Caco, além na Rua do Quebra, ia deitar umas coisas velhas ao Ribeiro da Aldeia, escorregou naquelas rochas que estavam com geada e abalou por ali abaixo! 

Mariana: Coitada da ti Ana, e o que é que partiu? 

Maria: Não partiu nada, as coisas que levava a deitar ao Ribeiro eram velhas e não eram de partir! 

Mariana: Não é isso, se partiu uma perna, ou as duas, ou os braços ou a cabeça? 

Maria: Ah não, coitadinha, não partiu nada, mas o estouro que foi, podia ter morrido, quem a viu ir pelos ares, pensou que não ficava inteira, mas não, já anda além com uma perna toda ligada, mas mexe-se bem! Teve muita sorte, não ter morrido! 

As conversas entre as primas Maria e Mariana continuaram nesta linha, todo o dia, mas as outras mulheres sempre que tinham oportunidade, também metiam a colher e acrescentavam alguns pontos às novidades, assim, passaram mais um dia de lavagem da roupa no poço da bomba em Capelins.

Fim 

texto: Correia Manuel  

Poço da bomba - Capelins 




domingo, 28 de janeiro de 2024

Memórias do Zé marinheiro, de Capelins

 Memórias do Zé marinheiro, de Capelins 

O José Manuel, conhecido por Zé marinheiro, era natural de Santo António de Capelins, filho único, de um pequeno lavrador, remediado, tinha algumas courelas e uma parelha de muares, o que lhe permitiu estudar no Colégio do Alandroal e no liceu de Évora, mas devido à vida boémia não passou do antigo quarto ano do liceu que, interrompeu para dar asas aos seus sonhos, alistou-se na Marinha de guerra, para dar a volta ao Mundo. 

Aos dezasseis anos, já se encontrava na Escola da Armada em Vila Franca de Xira e, depois de fazer a recruta, como escolheu em primeiro lugar a especialidade que mais queria, "Manobras",  de Manobras foi.

Assim que terminou a especialidade, foi mobilizado para a guerra colonial, com idas e vindas, passaram alguns anos, e quando a dita guerra terminou, o Zé marinheiro continuou a navegar por Mares e Oceanos, também passou algumas temporadas nos Açores, assim como, noutras missões, conforme os NRP (Navio da Republica Portuguesa), onde estava colocado, passando muito tempo sem visitar os pais e a família na Aldeia de Ferreira, mas quando a mãe adoeceu, sempre que tinha folgas estava com ela e não faltou ao seu funeral.

O pai ficou sozinho em casa, e talvez devido à solidão, pouco depois, entregou-se a uma vida de forrobodó, gastando muito dinheiro em bebidas e com mulheres e, depressa abrasou o dinheiro que tinha amealhado ao longo da sua vida de lavrador, as terras já pouco rendiam, recebia algum dinheiro de subsídios, da venda das pastagens e, uma pequena reforma, que ele depressa derretia, o filho sabia da vida que o pai levava, mas não se metia, deixava-o ser feliz à sua maneira. 

O Zé embarcou no Navio Escola Sagres numa volta ao Mundo que durou mais de um ano e, durante esse espaço temporal, pouco sabia da vida do pai, apenas que estava vivo e continuava a andar de taberna em taberna, quando voltou à Base Naval do Alfeite, encontrou-se com um marinheiro de Capelins, chamado João, cumprimentaram-se e falaram de vários assuntos entre os quais, sobre a sua Aldeia e o Zé disse-lhe que estava a pensar em ir lá ver como estava o pai e passar lá uns dias para ver a família que ainda lá tinha, o pai, a tia e os primos, mais ninguém, mas o João disse-lhe: - Não tens lá mais ninguém? Na Aldeia de Ferreira podes não ter, mas tens o teu irmão em Vila viçosa, não o vais conhecer? Ou já o conheces?

O Zé ficou surpreendido, corou e perguntou-lhe: - O meu irmão? Mas desde quando é que eu tenho algum irmão? 

Desde quando não sei, mas que tens, tens, toda a gente diz isso lá na Aldeia de Ferreira, afinal só tu é que não sabias? Respondeu o João!

A conversa sobre o suposto irmão do Zé pouco adiantou, porque o João não sabia mais nada, nem quem era, nem que idade tinha, apenas sabia que a mãe era de Vila Viçosa e era lá que estava o seu irmão, despediram-se e cada um seguiu para o seus posto de trabalho. 

O Zé ficou com a conversa sobre a existência do irmão na cabeça, por um lado sentia-se feliz por ter um irmão, que ele noutros tempos tanto tinha desejado, por outro, achava que devia haver alguma confusão, como é que nunca tinha ouvido falar nisso, nem ao pai, e decidiu ir à Aldeia de Ferreira, desvendar o caso, no fim de semana, quando tinha folga e a seguir uns dias de férias, e assim fez. 

O Zé foi visitar o pai e, não demorou em lhe perguntar sobre a existência do irmão, ele reagiu mal e respondeu-lhe que era uma magana que o queria enganar para lhe apanhar a fortuna, mas o filho respondeu-lhe que, ela só lhe podia apanhar uma fortuna em dívidas, porque ele só tinha a casa e as courelas que não valiam quase nada, e continuou a insistir para ele lhe dizer onde a mulher morava e como se chamava, porque, queria conhecer o irmão, e depois de muita insistência o pai contou-lhe tudo, que se chamava Rosa e onde morava e trabalhava. 

O Zé marinheiro, nesse Sábado à tarde foi direitinho à casa da Rosa a mãe do seu irmão, bateu à porta, veio uma senhora loira, muito bonita com cerca de trinta anos, ele disse-lhe quem era e que estava ali para  conhecer o irmão, a senhora parecia que já o esperava, mandou-o logo entrar e a sentar-se, e começaram a falar como se fossem velhos amigos, o Zé estava convencido que era a sua cunhada e achou que o seu irmão estava muito bem de mulher, até que lhe perguntou se o irmão não estava em casa, e ela respondeu-lhe que sim, mas estava a dormir e pediu-lhe para esperar um pouco, devia estar a acordar, porque não o podia acordar senão ficava rabugento, e o Zé brincou com a situação, dizendo que, isso era um mal da família e continuou a gracejar, se ele não tinha vergonha de ainda estar a dormir àquela hora, estava a ver que, também devia ter o vício da garrafinha de vinho, cerveja, bagaceiras, o que viesse, porque ele, também já tinha passado por isso, mas agora pouco bebia, e quando a Rosa ia começar a responder-lhe ouviu-se o choro de uma criança e o Zé pensou que já tinha um sobrinho, o que era muito natural, talvez até mais, a Rosa não demorou em voltar com uma criança nos braços na sua direção e ele perguntou-lhe: 

Zé: E esta criança, quem é? Meu sobrinho? 

Rosa: Não, não, este é o Manelinho, o seu irmão, tem o mesmo nome do pai! 

Zé: Ó mulher, não me diga uma coisa dessas! Então quantos anos tem o Manelinho? 

Rosa: O seu irmão ainda não tem anos, tem nove meses! 

Zé: Não pode ser meu irmão, pelas minhas contas quando foi gerado tinha o meu pai setenta anos, como é que ele fez isso? 

Rosa: Pois olhe, fez melhor do que muitos rapazes novos que andam por aí armados em fanfarrões, lá nisso não tenho queixas! 

O Manelinho parece ter percebido que o irmão o rejeitava e começou a chorar, nem a mãe o fazia calar, depois ela lembrou-se que estava na hora de lhe preparar o biberão e pediu ao Zé para o pegar ao colo enquanto ela ia preparar o leite e ele com alguma relutância pegou no Manelinho que, imediatamente se calou e ficou a sorrir para o José, arrebatando-lhe o coração. 

A conversa com a Rosa continuou, e ela contou-lhe que se tinha envolvido com o pai dele, porque ele aparecia muitas vezes no café onde ela trabalhava, sempre com muito dinheiro e toda a gente o tratava por lavrador e diziam que era viúvo e tinha herdades lá para Capelins, e como ela vivia muito mal, ganhava o ordenado mínimo, mais as gorjetas, que eram poucas, com dois filhos para criar, pensou que  ele podia ser a sua salvação, mas foi enganada, o pai do Manelinho não a queria ajudar, nem ao filho, dizia que não era dele, mas era, porque ela não tinha mais ninguém, mas como ele estava cheio de dívidas nas tabernas, não esperava nada dele, por isso, queria pedir ajuda ao Zé, para fazer um investimento que garantia um rendimento para o Manelinho ter uma boa vida. 

O Zé desconfiou que era alguma marosca da Rosa para lhe sacar dinheiro e disse-lhe que não tinha dinheiro nenhum, mas ela insistiu, insistiu, e ele perguntou-lhe que tipo de investimento queria fazer para garantir uma boa educação ao Manelinho, e de quanto precisava? A Rosa respondeu-lhe que não podia contar a ninguém o que era o investimento, mas precisava de cinco mil euros. 

O Zé disse-lhe que, não tinha esse dinheiro, e se tivesse não podia dar-lhe tanto dinheiro sem nenhuma garantia, mas enquanto esteve com o Manelinho ao colo, ele não parou de sorrir, parecia que pedia ajuda ao irmão, e por alguns traços o Zé achou que eram mesmo irmãos e quando se despediu disse à Rosa que ia ver o que podia fazer, mas era pelo Manelinho. 

O sorriso do Manelinho conquistou o irmão, a todo o momento lhe vinha à memória e, em menos de um mês já estava em Vila Viçosa a visitar o irmão e, entregou os cinco mil euros à Rosa, mas antes, passou-lhe um sermão e disse-lhe que se estava a pensar em o enganar não imaginava onde se ia meter e acrescentou que ia embarcar, mas assim que voltasse, estaria ali a pedir-lhe contas. 

O Zé esteve embarcado e, assim que chegou à Base Naval do Alfeite e teve dispensa de uns dias, foi a Vila Viçosa ver o irmão e a pedir contas à Rosa, pediu-lhe os talões do depósito do eventual Plano Poupança em nome do Manelinho, e ela respondeu-lhe que não tinha feito nada disso, porque o investimento que tinha feito, rendia cem vezes, ou mil vezes mais, mas antes de ela lhe contar o que tinha sido o investimento, ele desde que tinha chegado achava-a muito diferente, e não tirava os olhos do grande decote dela com os seios quase todos à mostra, até que, reparou que eram implantes e disse-lhe: 

Zé: Áh magana, sempre me enganaste! Então tu foste fazer implantes com o meu dinheiro? Que parvo que eu fui! Então, o dinheiro que me pediste não era para o Manelinho? 

Rosa: Tem lá calma! Deixa-me explicar-te! Sim, fiz implantes, foram muito caros, mas ficaram muito bons, como podes ver, por isso, desde que os fiz, comecei a receber mais dinheiro em gorjetas lá no café do que recebo de ordenado e a clientela aumentou tanto, que o Pernalonga já me aumentou o ordenado em mais duzentos euros e os clientes não param de aumentar, daqui a dois meses já tenho de volta o dinheiro do custo dos implantes, agora diz-me lá se conheces algum investimento que dê esse rendimento? Posso dizer-te que a minha vida e dos meus filhos mudou, completamente e não sou mal comportada, qualquer mulher que tenha dinheiro faz implantes, e só me dá gorjetas quem quer, eu não peço nada a ninguém, não achas este investimento bom para o Manelinho? Mas se quiseres, posso devolver-te o dinheiro!

Zé: Não, não! Está dado, está dado, para o Manelinho! Não sei o que diga! Mas se isso for bom para o Manelinho, não posso dizer nada! Mas toma tato, quando tiveres o dinheiro de volta faz um Plano Poupança para o Manelinho poder estudar! 

Rosa: Fica descansado que tenho tudo orientado, e está tudo a correr muito bem!

Como a Rosa contou ao Zé, os implantes mudaram-lhe a vida e, passados meia dúzia de anos, já era dona do café e restaurante pernalonga, sempre muito bem afreguesado, permitindo-lhe dar uma boa vida aos três filhos, nunca lhe faltou nada, estudaram e seguiram as suas carreiras profissionais, o Manelinho por influência do irmão Zé, que esteve sempre a seu lado, seguiu a carreira militar na Marinha de guerra, sendo um ilustre oficial superior, com a patente de capitão de mar e guerra.

As vidas dos protagonistas, decorreram, normalmente, mas foram chegando ao fim, os mais velhos foram prestar contas a Deus, os mais novos, continuam a cumprir a sua missão neste Mundo.

Fim 

Texto: Correia Manuel 




quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Memórias da chegada do Posto dos Correios a Capelins de Cima

Memórias da chegada do Posto dos Correios a Capelins de Cima

Na última metade do decénio de 1960, o volume de cartas, aerogramas e encomendas destinadas às Aldeias que constituem a Freguesia de Capelins, em conjunto com a Aldeia de Cabeça de Carneiro, aumentava dia a dia e, passou a ser muito trabalho para as Mercearias que até aqui faziam a entrega do correio, em troca de nada, era apenas uma estratégia comercial, como os fregueses se dirigiam à respetiva Mercearia a levantar ou a saber se tinham correio, na mesma visita, compravam sempre alguma coisa, aumentando as vendas, sendo uma vantagem para o negócio. 

 Cerca do ano de 1968, os CTT, escolheram a Aldeia de Ferreira, Capelins de Cima, para instalar o Posto dos Correios, o qual, ficou sediado na cave da casa e loja do senhor José Francisco, numas boas instalações, até tinham um quarto para o carteiro.

A escolha recaiu nesta Aldeia, por uma questão de logística, por ser a mais próxima do Alandroal, bem situada para iniciar e acabar o circuito do correio, implementado na Freguesia de Capelins. 

O correio dirigido às ditas localidades chegava a Capelins de Cima todo junto, dentro do mesmo saco, bem fechado e selado, e  só abria com uma chave especial guardada pelo carteiro que, tirava o conteúdo do saco, fazia a separação  das cartas, aerogramas e encomendas por Aldeias e dentro de cada uma, ordenava pelas ruas e números da porta, conforme o giro e, enquanto fazia esse trabalho, era seguido por um grupo de mulheres, rapazes e raparigas, a comentar em voz baixa o que conseguiam ver e, o senhor João Carteiro era tão paciente que, não se importava com os comentários e não dizia nada.

Quando o dito trabalho estivesse pronto, o carteiro pegava no correio de Capelins de Cima e lia em voz alta os nomes dos destinatários e, se estivessem presentes, ou se eram seus vizinhos ou familiares, se pedissem, ele entregava até o correio da rua toda e, por cada nome que o carteiro lia, como a maioria das pessoas não eram conhecidas pelos seus verdadeiros nomes, ou quando chegavam os avisos das Finanças para pagamento da contribuição autárquica, atual IMI, em nome dos donos das terras ou das casas, às vezes de trisavôs ou tetravôs que já tinham falecido há quase cem anos, sem rua nem número de porta, só alguém mais velho, sabia dizer ao carteiro a quem devia entregar o respetivo aviso, quanto ao correio normal os presentes respondiam em coro: - É o ti João da Cruz, é a ti Rosa Mira, é a ti Catrina Pôtra, é a ti Luzia Ratinha, é o ti Zé Marisuco, é o ti Zé Rato, é o ti Limpas, é a ti Lúcia e, sempre assim, o restante correio, fizesse chuva ou sol ardente, o carteiro partia numa motorizada a fazer a distribuição porta a porta e, na volta fazia a recolha do correio das respetivas caixas, para o tratar em Capelins de Cima e, depois seguia para o Alandroal e fechava o circuito. 

O Posto dos Correios em Capelins de Cima, tinha muito movimento de correio enquanto durou a guerra colonial, depois a quantidade de cartas diminuiu, os aerogramas acabaram e, após 1974, a distribuição do correio na Freguesia de Capelins foi alterada e, nunca mais foi o que era nessa época.

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Aldeia de Ferreira- Capelins de Cima



segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Memórias das festas das sortes, em Capelins

 Memórias das festas das sortes, em Capelins 

A guerra colonial portuguesa teve início no dia 15 de Março de 1961, devido a um massacre no Norte de Angola e, não passou muito tempo para se estender à Guiné Bissau e a Moçambique. 

Durante a sua dimensão temporal, entre 1961 e 1974, mais de noventa por cento da população masculina foi mobilizada para esta guerra, geralmente, entre os vinte e os vinte e dois anos, mas os voluntários, podiam ingressar na Marinha aos dezasseis anos e na Força Aérea aos dezassete anos, neste caso, quase todos seguiam a carreira militar, como os rapazes tinham poucas hipóteses de escapar à mobilização, a não ser fugir para um país que lhe desse asilo político, mas nesse caso, não podiam voltar a Portugal, senão eram presos e torturados, então, alguns rapazes optavam pelo voluntariado, na tentativa de fugir ao alistamento forçado no exército, considerado mais severo e perigoso, em termos de logística no terreno de guerra. 

Cerca dos dezanove anos de idade, os rapazes não voluntários, eram convocados através de Edital afixado em determinados lugares na Freguesia de Capelins, para comparecer nas inspeções, ao que chamavam "tirar as sortes", no dia marcado eram observados por médicos e outros profissionais do exército que, decidiam se os rapazes estavam, ou não, aptos para o serviço militar, podendo, em caso de dúvidas dos médicos, por ser encontrado algum problema físico ou mental, ficar "Adiado", até fazer alguns exames de diagnóstico ou alguma consulta de especialidade, para confirmação, mas se ficassem "livres" estavam desgraçados, era porque tinham alguma doença grave, ou grande incapacidade. 

Quando os rapazes do mesmo ano de nascimento, iam às ditas "sortes", havia uma grande festa entre eles, que começava no dia anterior ao da apresentação, como não existiam casas de banho em Capelins, o banho era no rio Guadiana, um banho memorável, com muita brincadeira, davam mergulhos, passavam sabão azul ou sabonete da cabeça aos pés, para sair a casca formada pelo suor e pó apanhado no trabalho nos campos, ficando limpinhos por uns dias e prontos para a observação que os esperava.

No dia das "sortes", de madrugada, vestiam o melhor fato e partiam para o Alandroal na camioneta da carreira, mas noutros tempos mais remotos, iam a pé, ou em carroças enfeitadas para a festa, e quando voltavam em grande festa, ostentavam fitas coloridas, em conformidade com o resultado do que lhes tinha calhado na sorte, ou inspeção, não era preciso perguntar a "sorte" de cada um, bastava olhar para a cor das fitas que exibiam, assim, se ficassem "aptos", o mesmo que "apurados" era grande alegria e, as suas fitas eram vermelhas, mas se ficassem "livres" o que era  muito raro, as fitas eram verdes, mas ficavam tristes, porque sentiam-se à parte e dava falatório sobre que doença teriam, e se ficassem "adiados", traziam fitas amarelas. 

As fitas eram compradas após saberem o resultado da referida inspeção, sendo um bom negócio para as lojas do lugar onde faziam as inspeções, neste caso, era na Vila do Alandroal, onde se deslocavam os profissionais do exército, ao encontro dos mancebos de todo o Concelho, em determinados dias, a fazer a inspeção. 

Depois das sortes, a festa começava no Alandroal e quando chegavam a Capelins, alguns, já vinham com o grão na asa, andavam abraçados pelas ruas da Aldeia a cantar as cantigas da moda e outras heróicas que passavam de ano para ano, bebiam uns copinhos e, à noite faziam um grande baile, que era o baile das "sortes", onde eles eram as estrelas e, no dia seguinte, a festa continuava, alguns rapazes faziam grandes paródias no rio Guadiana, outras vezes era numa taberna de Capelins, ou podiam fazer eles alguns petiscos, ou arranjavam uma cozinheira  e, a festa, podia durar vários dias. 

A rapaziada não festejava, somente o estado de ficar apto para a guerra, sendo isso uma prova de robustez física e mental, mas envolvia outros sentimentos, como a libertação do jugo paterno, o triunfo por alcançar a autonomia, a emancipação, tipo carta de alforria, a partir desse dia já podiam decidir por si e, essa transição ficava registada na história da sua vida. 

No ano seguinte, quando eram notificados para apresentação num qualquer quartel do exército, era o início de uma nova vida, começava a sua preparação para a guerra colonial.

Fim 

Texto: Correia Manuel 





Memórias da chegada dos rapazes da guerra colonial, a Capelins

Memórias da chegada dos rapazes da guerra colonial, a Capelins

Depois das sortes, ou seja, das inspeções, no ano seguinte os rapazes eram convocados e recebiam uma guia de marcha para apresentação num dos diversos quartéis do exercito, podendo ser na primeira incorporação, ou nas seguintes ao longo do ano, mas todos preferiam que fosse o mais cedo possível, porque a espera causava ansiedade e se tinha de ser que fosse depressa, senão mais atrasavam a sua vida, a maioria dos rapazes de Capelins, faziam a recruta em Elvas, mas passados cerca de três meses, depois do juramento de bandeira, através do qual se comprometiam a sacrificar a sua vida pela Pátria, iniciavam uma especialidade e tinham de mudar de quartel, muitas vezes, para muito longe de casa, era o primeiro abanão na sua vida.

Depois da especialidade que podia ser, mais ou menos rápida, a maioria eram "atiradores", por isso, passados pouco mais de seis meses, se tanto, alguns já estavam a fazer adeus a bordo do Niassa, Vera Cruz ou outro navio, no cais da rocha do conde de Óbidos em Lisboa, e partiam para uma das três frentes de guerra, em Angola, Guiné ou Moçambique, poucos iam para Cabo Verde, Timor ou Macau, onde não existia guerra e, se não morressem na guerra, por lá permaneciam pelo menos dois anos, chegando a quase três anos no caso de Timor, onde o Niassa aportava de seis em seis meses e, antes de 18 de Dezembro de 1961, também, embarcavam militares para Goa, na India.

No caso dos capelinenses, que foram a essa guerra, dois não voltaram com vida e os seus restos mortais encontram-se no cemitério de Capelins, todos os outros, passado o referido tempo, chegaram a Capelins, quase todos na camioneta da carreira, foram poucos os que chegaram de carro de praça, ou de aluguer. 

Quando um militar comunicava à família e amigos o dia da sua chegada a Capelins, em poucas horas, toda a gente sabia e comentava com alegria, assim, no dia da sua chegada, muitos capelinenses deixavam o trabalho, pelo menos na parte da tarde e, a partir das 14 horas concentravam-se junto às paragens da camioneta da carreira, embora a hora da chegada fosse pelas 15,30, as pessoas faziam grupos, conforme as afinidades e falavam sobre as searas, sobre o tempo que fazia, sobre a guerra colonial que não tinha fim, o que os rapazes lá passavam, os que lá morriam, e tentavam adivinhar como seria a vida do rapaz que esperavam, se ficaria ali, ou se também emigrava, como quase todos. 

Quando a espera era em Capelins de Cima, porque era ali que o rapaz ficava, assim que a camioneta da carreira aparecia ao Monte da Igreja, ou no caso de ser em Capelins de Baixo, aos muros do Monte Grande, ouvia-se grande clamor: - "Já aí vem, se vier", e as mulheres e raparigas começavam a chorar em pranto, de emoção, e toda a gente se apinhava no lugar onde a camioneta parava, mas tinham o cuidado de deixar chegar os pais e familiares à frente, e quando ele saía, era grande confusão, toda a gente o queria abraçar ao mesmo tempo e fazer perguntas inoportunas, não havia filas, qualquer espaço livre, depressa deixava de estar e depois da camioneta seguir para Montejuntos, o fim da linha, ficava ali até o deixarem ir para casa, muitas vezes cansados e com fome, mas era impensável deixar alguém sem os devidos cumprimentos, beijos, apertos de mão e abraços. 

Depois de cumprimentar toda a gente, o rapaz ia para casa com a família, mas estava longe de ter sossego, porque nos dias e noites seguintes, a toda a hora chegavam visitas, algumas faziam serão a ver tudo o que ele trazia de África, colchas garridas e outras lembranças e, principalmente a ouvir as suas aventuras e peripécias, o bom e o mau que tinha passado durante os dois anos na guerra. 

Após uns dias de descanso, alguns rapazes, tinham necessidade de começar a trabalhar, voltando à vida normal, a mesma que tinham antes da partida para a guerra, mas a maioria, já vinham com outros horizontes e, assim que tiveram oportunidade emigraram para lugares onde encontraram empregos, uma vida melhor, com maior relevância para a cintura industrial de Lisboa e, Capelins foi perdendo a sua população.

Fim 

Texto: Correia Manuel   

Paragem da camioneta da carreira em Capelins de Cima





segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi casamenteiro

 Memórias do Chiquinho de Capelins, quando foi casamenteiro 

Nas terras de Capelins, nunca existiram meios de comunicação social para a difusão de notícias, nem faziam falta, porque, eram difundidas, de forma personalisada, ou seja, de boca em boca, existia uma agência noticiosa concertada, que se encarregava de, em poucas horas, as divulgar através de um circuito interno que, rapidamente davam a volta completa à Freguesia de Capelins e arredores.

Na Aldeia de Ferreira havia pessoas com mais, ou menos talento para espalhar as novidades que mantinham a rede sempre ativa, quando sabiam alguma notícia de novo, deixavam de fazer o que estavam fazendo, tiravam o avental e dirigiam-se à casa da vizinha a comunicar o acontecimento, mas pelo caminho iam cumprindo a sua missão, a partir daí, as notícias ficavam entregues e seguiam de casa em casa, de taberna, em taberna, de mercearia em mercearia, pelo poço da bomba e pelos diversos pontos de encontro, aí entregavam e recebiam as novas notícias e, assim se mantinham os fregueses informados sobre o melhor e o pior que se passava na Freguesia e no país. 

Durante os meses de inverno e primavera, desde que, o sol desse a sua graça, as pessoas que, devido à idade ou por doença, não podiam trabalhar, passavam os dias sentadas à soalheira, algumas, feitas com lenha em feixes em pé, de maneira a fazer abrigada da aragem fria, ou atrás de paredes virados para o sol, por onde ia passando muita gente, deixando e recebendo as eventuais novidades. 

O Chiquinho de Capelins, era frequentador das soalheiras quase todas, diariamente, depois de deixar as cabras na pastagem, começava pela soalheira do ti João da Cruz, a que ficava mais a Norte, no altinho em frente à sua porta, ao lado do caminho para a Igreja de Santo António, porque, gostava muito de o ouvir contar a sua história de vida que, nunca se esgotava, e ouvia boas histórias, mas como a volta era longa, não se podia demorar, e dali passava para a soalheira do ti Zé Marizuco, ouvia e contava algumas peripécias e, quando ele lhe começava a pedir para lhe alcançar isto ou aquilo, porque, pouco se podia mexer, dava à sola para outra soalheira ali perto e, antes de seguir para Capelins de Baixo, já carregado de novidades, ainda visitava mais duas ou três soalheiras, no caminho para Sul, entre as quais, a soalheira onde se abrigavam a mãe, um pouco entrevada, devido a sequelas de um AVC e, a filha que tratava dela. 

O Chiquinho, nunca faltava nesta última soalheira, as freguesas eram muito simpáticas e amigas e tinham sempre alguma coisa para repartir e, como não sabia quando trincava alguma coisa, ou bebia água, aproveitava as dádivas e, em troca, contava-lhe o que tinha ouvido pelas outras soalheiras que não eram só fofocas, eram informações úteis, ou seja, também era serviço público, como um carteiro que trazia e lia as cartas. 

Num lindo dia primaveril, quando o Chiquinho estava na conversa, em pé, na frente da mãe e da filha, sentiu que estava a ser observado, olhou para o lado de baixo e, a alguma distância viu  um homem aos saltos de braços no ar e quando o Chiquinho olhava fazia gestos com o braço direito a chamá-lo, deixando-o muito intrigado, porque parecia um autêntico macaco, depois de se certificar que aqueles gestos eram para ele, despediu-se, meteu-se a caminho e quando se aproximou, confirmou que era o ti Manel António, que estava com cara de zangado a perguntar-lhe se não via a chamá-lo. 

O Chiquinho respondeu que via muito bem a figura que ele estava fazendo, mas que não percebia, porque não o chamava pelo nome, e ele explicou-lhe que a mãe da Rosa Maria, era o nome da rapariga já bem entradota na idade, não o podia ver, quanto mais ouvi-lo, porque já sabia que ele andava atrás da filha e não a queria perder, uma vez que, era ela que a tratava, não podia ficar sem ela, porque tinha mais filhas, mas moravam longe, ou não tinham disponibilidade para lhe prestar apoio permanente.

O Chiquinho ficou entusiasmado, era grande novidade, ainda não tinha desconfiado de nada, mas o ti Manel fixou-o nos olhos e disse-lhe que, ninguém podia saber de nada, senão estava desgraçado da vida, convenceu-o a não abrir a boca, e continuou:

Ti Manel: Olha lá Chiquinho, tens de me fazer um favor, um grande favor, levas este papel à Rosa, e depois trazes a resposta, porque eu não posso sair daqui para a mãe dela não me ver, porque ela não me pode ver, mas dá-lhe o papel sem a mãe ver, senão, não sou só eu que estou lixado, tu também estás! 

Chiquinho: Ó ti Manel, eu não me meto nisso, se a mulher descobre não me escapo de levar umas tanganhadas nas orelhas e nunca mais posso arrumar lá à soalheira delas! Arranje outro rapaz que lhe faça isso! Eu tenho de ir a Capelins de Baixo e levo muita pressa! 

Ti Manel: Espera lá Chiquinho, faz-me lá esse favor, voltas lá e daí a pouco pedes um copo de água à Rosa, dizes que estás sequinho, com uma grande sede, depois ela vai a casa a dar-te a água e tu entregas-lhe o papel e esperas a resposta, que é só, sim ou não! 

Chiquinho: Ó ti Manel, tudo se sabe, e se o meu pai descobre ainda me dá uma sova por andar feito casamenteiro, não posso, não posso fazer isso! 

Ti Manel: Olha lá Chiquinho, se me fizeres esse favor dou-te cinco escudos e quando voltares com a resposta, ainda te dou mais alguma coisa! 

Chiquinho: É ti Manel, dá-me cinco escudos? Mas eu não é pelo dinheiro, é pela encrenca em que me vou meter! 

O Chiquinho fez-se difícil mas ficou logo decidido, cinco escudos davam para quatro pacotes de bolachas de baunilha e o ti Manel ainda lhe dava mais alguma coisa, decerto dava para mais uns chocalates, tirava bem a barriguinha de miséria, com tantas guloseimas. 

Ti Manel: Ó Chiquinho, não te metes em encrenca nenhuma, tens é de fazer tudo como eu te disse, a mãe dela não pode sonhar com isto! 

Chiquinho: Está bem ti Manel, dê-me lá o papel e os cinco escudos que eu vou fazer o mandado! 

O Chiquinho voltou à soalheira e começou por dizer que tinha voltado, porque se estava ali muito bem, muito quentinho e mais isto e mais aquilo, mas o pior era que estava cheinho de sede e a Rosa disse-lhe para ir lá a casa que ficava em frente da soalheira, do outro lado da rua, uma vez que sabia onde estava o quartilho e a cantarinha da água, já lá tinha ido a beber mais vezes, e o Chiquinho ficou assustado, não esperava essa resposta e, a gaguejar um pouco, disse-lhe que esperava que ela fosse lá a casa, porque tinha medo de lhe partir a cantarinha como já tinha feito a uma da mãe! 

A Rosa ficou convencida que o Chiquinho lhe podia partir a cantarinha, levantou-se e disse-lhe para ir com ela, porque tinha de ir buscar alguma coisa para a mãe comer e lá foram, o Chiquinho entregou-lhe o papel dobradinho, bebeu uma pinga de água e a resposta não demorou, sem antes lhe chamar "seu malandro", diz-lhe que é "sim", foi dali e já não quis saber mais da soalheira, correu a dar a resposta ao ti Manel, não só por ter sido bem sucedido, mas porque esperava mais uma boa gorjeta. 

O ti Manel agradeceu, deu-lhe um abraço, meteu a mãe ao bolso e tirou vinte e cinco tostões, que o Chiquinho apanhou, pouco convencido, porque, por uma notícia tão boa, esperava pelo menos mais cinco escudos, mas a melhadura ficou por ali, depois seguiu para Capelins de Baixo e continuou com a rota das soalheiras, mas depressa se desfez do dinheiro dado pelo ti Manel, na loja do ti Zé Francisco, a pontos de enjoar as bolachas de baunilha.

Passados alguns meses, também, devido à ajuda do Chiquinho casamenteiro, o ti Manel e a Rosa, juntaram os trastes e as roupinhas e, mais tarde casaram.

O ti Manel e a Rosa, já idosos, foram prestar contas ao Criador, dentro de curto espaço de tempo entre um e outro, mas viveram em comum, quase cinquenta anos. 

Fim 

Texto: Correia Manuel  

Aldeia de Ferreira - Capelins 




quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Memórias da lua de mel na choupana com o burro, em Capelins

Memórias da lua de mel na choupana com o burro, em Capelin

A partir do ano de mil novecentos e dez, os Registos dos casamentos deixaram de ser feitos nas Paróquias, pelos respetivos Párocos que, devido a essa alteração perderam o controlo em obrigar os seus paroquianos a realizar, oficialmente esse Sacramento da Igreja e, assim os chamados ajuntamentos começaram a aumentar, algumas raparigas durante a noite fugiam com os namorados, para a casa deles, ou para outra casa ou choupana, previamente preparada, e mais tarde iam casar ao Posto do Registo Civil de Capelins, e a união ficava oficializada, pelo Civil, porque, pela Igreja tinham de dar outros passos. 

A meio da manhã de um lindo dia do mês de Abril na década de 1960, o Chiquinho de Capelins andava a brincar no quintal em Capelins de Cima, quando se ouviu uma galinha a cacarejar, avisando que tinha acabado de pôr o ovo. 

Não demorou, a mãe do Chiquinho veio à porta, olhou, olhou, e como não o via em lado nenhum, encheu o peito de ar, empertigou-se e gritou: 

Mãe: Ó Chiquinho, Chiquinho! 

O Chiquinho estava a brincar aos passarinhos a fazer um ninho em cima da oliveira a poucos metros da mãe, imaginou que ela o estava a ver e em tom de zangado, respondeu: 

Chiquinho: Ó mãe, então se eu estou aqui mesmo ao pé, para que está a gritar lá para Capelins de Baixo? 

Mãe: Ora essa! Porque não te via! O que estás tu a fazer em cima da oliveira, vamos ver se cais daí e arranjas algumas fezes? 

Chiquinho: Estou aqui a brincar aos passarinhos, e não sei se sabe, eles fazem os ninhos em cima das oliveiras! 

Mãe: Desce lá daí e vai lá ao galinheiro buscar os ovos, mas tem cuidado não os partas, como fazes tantas vezes e depois a ti Xica já não os quer e só me faltam dois para amanhã lhe vender duas dúzias! 

Chiquinho: Qual Xica? 

Mãe: A ti Xica do ovos, que Xica havia de ser? 

Chiquinho: Sei lá! Há aí tantas Xicas! Fique já a saber que eu não quero o filho dela além do portão para dentro, porque ele está cada vez mais parvo! 

Mãe: Olha, tu é que estás cada vez mais parvo, não te metas com o rapaz, que ele não se mete com ninguém, coitado, anda aí a trabalhar a ajudar a mãe, não é como alguns que não fazem nada! 

Chiquinho: Mau, mau! Estou a desconfiar que já gosta mais do Celso do que de mim, fique cá com ele! 

Mãe: Olha, cala-te, senão apanho aí o esborralhador do forno e vens a correr pela oliveira abaixo, vai lá depressa ao galinheiro, porque as galinhas podem comer os ovos! 

Chiquinho: Ó mãe já que está aqui, porque não vai lá e deixa-me acabar o ninho que está a fazer falta aos passarinhos! 

Mãe: Não vou, não, porque está na hora de temperar as sopas de grãos, senão ao meio dia não comes! 

O Chiquinho pensou que podia pôr as sopinhas do jantar (almoço) em causa, e depressa desceu da oliveira e foi apressado para dentro da capoeira das galinhas, para dali entrar no galinheiro e recolher os ovos, mas quando se baixou a meter a cabeça para dentro do galinheiro ouviu a mãe gritar: 

Mãe: Ó Chiquinho, Chiquinho! 

Chiquinho: Estou aqui, dentro da capoeira, não me mandou a buscar os ovos, já não é para os levar? 

Mãe: É, é, mas vem depressa que tens de ir fazer um mandado! 

O Chiquinho ficou a barafustar, murmurando que tinha de fazer tudo naquela casa, e ainda tinha fama de não fazer nada, o Celso é que trabalhava, mas era ele que não dava a conta a fazer tanto trabalho, mas recolheu os ovos e foi-se chegando até casa, onde estava a mãe com uma visita, a ti Maria Joaquina, numa conversa misteriosa. 

O Chiquinho pousou os ovos em cima da mesa e perguntou à mãe o que queria? O que era e onde era o mandado? E foi a ti Maria Joaquina a responder: 

Ti Maria: Olha lá Chiquinho, tens de me fazer um mandado, ouve lá bem, com atenção, vais à choupana do meu burro, bates à porta e chamas o meu Manel e depois pergunta-lhe se a namorada dele está lá dentro com ele e diz-lhe que é só para a mãe e o pai dela ficarem descansados, porque, ela desapareceu e eles não sabem se está morta ou viva, depois diz-lhe para pôr o burro cá fora, porque faz-me falta para ir levar umas encomendas ao Monte da Vinha! 

Chiquinho: Ó ti Maria, eu posso lá ir, mas porque é que não vai lá vocemecê? 

Ti Maria: Ó filho, passei lá horas a bater à porta, mas o bruto não me responde, nem me abre a porta, se fores lá tu, tenho a certeza, que ele fala contigo, porque ele gosta muito de ti! Olha, diz-lhe também, que a mãe dela está à espera da resposta lá na minha casa e o pai ficou ali no Monte da Cruz, e que não tenham medo, eles só querem saber se ela cá está e se é para ficar com ele, mais nada! 

Chiquinho: Está bem, eu vou lá, mas deixe lá ver se no fim levo alguma cachaçada atrás das orelhas, por andar lá meter o nariz na choupana!  

Ti Maria: Cala-te filho, não levas, não, ele gosta muito de ti, não te faz mal, vai descansado, e depois vem ter aqui comigo, que eu fico à espera! Vá, vai num pé e vem no outro!

O Chiquinho saiu a correr para a choupana do burro da ti Maria e do ti José que ficava a duzentos ou trezentos metros dali e, só parou a poucos metros a reprogramar o que devia dizer ao Manel, quando chegou à porta forrada a zinco, fechou a mãe e bateu várias vezes com a força que tinha, mas não ouviu resposta, depois, lembrou-se de o chamar: 

Chiquinho: Ó Manel, Manel! 

Manel: Ah, és tu? Pensava que era a minha mãe, outra vez! Para que estás a gritar, se eu estou aqui mesmo ao pé de ti, o que queres? 

Chiquinho: Venho a fazer um mandado à tua mãe, ela quer saber se a tua namorada está aqui contigo, porque desapareceu de casa e o pai e a mãe não sabem se ela está morta ou viva e disse para pores o burro aqui fora que lhe está a fazer falta!

Manel: Está aqui, está e bem viva! Então, estás aí sozinho? 

Chiquinho: Estou, estou, e não há ninguém à vista! 

Manel: Então espera aí, que eu vou pôr o burro aí fora e já falamos! 

O Manel saiu da choupana a sorrir e queria saber se a família dele e da namorada estavam zangados por eles terem fugido, mas pelo que o Chiquinho lhe contou, tirado da conversa da mãe dele, teve a certeza que estava tudo a correr bem, ninguém estava zangado com ninguém.

O Chiquinho voltou a casa e contou à ti Maria o que tinha falado com o Manel, e confirmou que, a namorada estava lá com ele e bem viva, deixando-a muito contente, abalando a correr para casa a contar à mãe da rapariga que ela estava lá com o Manel e para ficar! 

A meio da tarde, o Chiquinho feito curioso, foi-se chegando até à casa da ti Maria, a porta estava aberta e ele entrou sem pedir licença, porque, isso não se usava em Capelins, se as portas estavam abertas era sinal que se podia entrar à vontade, estavam lá o Manel e a namorada, só os dois, a fazer uma açorda, ela estava envergonhada, pouco falava, o Chiquinho sentou-se e mirou-a da cabeça aos pés, porque ela não era de Capelins e ele não a conhecia, como imaginava que ela estaria coberta de palha, como os ouriços de espinhos, reparou que não tinha uma palhas na roupa, o Manel estava muito contente, meteu-se logo com o Chiquinho e não se calava a comentar, como tinha sido tão boa a lua de mel, embora tivessem passado muita fome, muita sede e dormido com o burro! 

Foi a primeira vez que o Chiquinho ouviu falar em lua de mel e, começou a imaginar o que seria isso, não encontrava nenhuma ligação da lua com o mel, mas uma coisa estava certa, metia mel, já a lua não achava lugar para ela, como o Manel não falava noutra coisa, teve a certeza que era alguma coisa muito boa, muito doce, pensou num bolo com mel, porque ligava com casamento e, assim que apanhou o Manel a jeito, perguntou-lhe o que era a lua de mel, e o Manel muito ufano, respondeu-lhe: - Então, foi o que eu passei com ela lá na choupana e com o burro, esta noite!    

O Chiquinho ficou abismado, a pensar que, afinal a lua de mel não era mais do que dormir com a namorada na choupana e com o burro e, ficou convencido, só passados alguns anos percebeu que, não estava enganado de todo, apenas o burro estava a mais na lua de mel que, ele imaginava.

O Manel e a namorada, organizaram a sua vida, arranjaram a sua casa, depois casaram, tiveram filhos e uma boa vida em comum durante muitos anos.

O Manel, ainda cedo, foi prestar contas a Deus, mas deixou por aqui, alguns descendentes. 

Fim 

Texto: Correia Manuel   

Ferreira - Capelins



segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Memórias da tragédia do raio, em Capelins

 Memórias da tragédia do raio, em Capelins 

Na Freguesia de Capelins, noutros tempos, os elementos mais temíveis pelos capelinenses eram as feiticeiras e as trovoadas que, também as associavam,  contavam que, as trovoadas não queriam nada com as feiticeiras, porque elas sabiam segredos para acabar com elas e, vagueavam por baixo delas sem nada lhes acontecer, o mesmo, não acontecia com o comum dos mortais, os quais, tinham de ter a oração a Santa Bárbara na ponta da língua, como arma para afastar as trovoadas lá para bem longe onde não houvesse cadilho de lã, nem bafo de gente cristã, e com essa fé iam escapando dos raios que iam caindo num ou noutro lugar da Freguesia, mas a Santa Bárbara não conseguia acudir a toda a gente e, por vezes, aconteciam fatalidades com raios. 

Na quinta - feira, dia 14 de Junho do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil novecentos e quarenta e cinco, a madrugada estava muito calma, como todas neste mês de verão, e os jornaleiros começaram a sair para os seus trabalhos nas herdades e  os seareiros e famílias nas carroças para as suas courelas, nas quais, já ceifavam os favais, a aveia e a cevada, os primeiros cereais a amadurecer e a ficar prontos para a ceifa, só depois, seguia a ceifa do trigo.

Nessa madrugada, também o casal, meus tios avós, seareiros, chamados Joaquim Dias e Maria Rosa Baptista, que moravam na Aldeia de Ferreira, no centro de Capelins de Cima, saíram na carroça da mula para a sua courela no Gomes, onde andavam a ceifar, levaram a panela com as sopas de grãos, pronta a arrumar ao lume para estarem cozidas ao meio dia, ou seja, à hora do jantar (almoço), porque, como toda a gente, só voltavam a casa à noitinha. 

Antes de abalar, enquanto comiam as migas com toucinho frito, do almoço (pequeno almoço), a Maria Rosa, disse ao marido que tinha dormido muito mal, tinha tido muitos pesadelos, sonhos muito maus, palpitava-lhe que, estava para lhe acontecer alguma coisa má, mas dava voltas  e mais voltas  à cabeça e não imaginava o que podia ser, já tinha pensado se algum deles se ia cortar com a foice, ou iam ter algum acidente com a carroça da mula, não achava mais nada! O Joaquim, pouco ligou à conversa da mulher, apenas respondeu que, não pensasse nos sonhos, porque, tinha a certeza que nada de mal lhe podia acontecer! E a conversa ficou por ali.

Chegaram à courela do Gomes e nada de mal aconteceu no caminho, e a Maria Rosa ficou mais descansada, o dia decorria normal, como todos os outros, e não pensaram mais nos maus sonhos, mas pelas quatro horas da tarde o Joaquim olhou para o horizonte a Sul e disse-lhe: - Olha Maria, já lá vem a magana da trovoada! Já passou Cheles e o Guadiana, não me agrada nada, não sei se não é sêca, são as piores, são raios e mais raios e nada de água! Agora, é todas as tardes e cada vez mais cedo, nunca vem só uma, há quinze dias que são seguidas! Temos de ir arrumando isto, porque, está aqui, está cá! Deixa-a, e a gente já cá estamos, é mais uma, o que podemos fazer? Comentou a Maria! 

O Joaquim e a Maria continuaram a ceifar, e a trovoada estava cada vez mais perto, era um negrume assustador, muitos relâmpagos e trovões tão fortes que faziam tremer o chão, mas como ainda não chovia, eles não arredavam pé para o abrigo que já estava preparado, como sempre, debaixo da carroça que, com umas sacas de serapilheira por cima, não deixava entrar água e, não era sítio para atrair raios, ainda nunca se tinha ouvido que tivesse caído um raio em cima de uma carroça, porque, os raios procuram sempre o sítio mais alto do solo, procuram a menor distância entre a nuvém e o solo, por isso, no campo, caem quase sempre nas azinheiras mais altas, assim, achavam que naquele abrigo não corriam perigo. 

Quando a trovoada estava por cima deles, correram para o abrigo e a Maria começou, imediatamente a rezar a oração a Santa Bárbara, mas nesse dia, a Santa das trovoadas não chegou a tempo, fez um relâmpago, ao mesmo tempo um grande.trovão e em simultâneo caiu um raio que os fulminou, não faleceram ali, porque, decerto não receberam o choque direto do raio, senão o coração parava de bater, a respiração era interrompida e morriam logo, mas ninguém soube como conseguiram chegar à Aldeia a pedir socorro, parece que, andaram desorientados pelo caminho, no entanto, já era tarde, porque, pouco depois faleceram, talvez, devido à descarga elétrica, ou a queimaduras profundas, lesões cardíacas ou danificação do sistema nervoso, inclusive do cérebro, provocando-lhe convulsões, perda de consciência e desnorteio, e por fim a morte. 

Esta tragédia, da morte do Joaquim Dias de 33 anos e da Maria Rosa Baptista de 32 anos, tinham casado cerca de dois anos antes, em Outubro de 1942, causou grande choque emocional na comunidade capelinense e, se a maioria das pessoas já temiam as trovoadas, este caso, aumentou o medo, mas ninguém deixou de acreditar em Santa Bárbara, continuando a ser invocada, sempre que, passava uma trovoada por Capelins.

Fim 

Texto:  Correia Manuel 

Alto do Gomes - Capelins 



quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Memórias dos castelhanos rabudos, em Capelins

 Memórias dos castelhanos rabudos, em Capelins

Quando não existiam fogões a gás nem eletricidade na Freguesia de Capelins, o combustível mais usado era a lenha para o lume, quer para aquecimento, quer para cozinhar os alimentos, sendo, ao mesmo tempo, uma companhia para aqueles que, nos invernos, passavam os serões ao canto da chaminé, pondo mais lenha, atiçando o lume, ou conversando uns com os outros ou com o lume sobre as amarguras das suas vidas, mas quer fosse inverno ou verão tinham de acender o lume todos os dias, fosse para aquecer água, fazer o café com a brasa dentro da cafeteira, cozer as migas, as sopas e as açordas.

Nas noites mais frias de inverno, eram escolhidos os melhores e maiores madeiros, ou seja, partes dos troncos ou pernadas das azinheiras que ardiam durante o dia e a noite até à hora de ir para a cama, quando eram apagados com água e, na madrugada seguinte, acendiam-se, novamente o lume e continuavam a arder, fazendo bons braseiros e borralhos. 

No inverno, depois da ceia (jantar) e de quase tudo arrumado, chegava-se toda a gente para dentro da chaminé a fazer o serão, em volta do lume, os pais ou avós disponíveis, começavam a contar lendas, contos, histórias e peripécias aos mais novos, enquanto os mais velhos iam falando da sua vida de trabalho do dia a dia, mas estavam sempre com um olho no lume, para não o deixar apagar e dar lugar ao frio, por isso, quando a chama enfraquecia ou desaparecia, punham mais lenha, ou pegavam no canudo, um tubo de metal com cerca de um metro e extremidade achatada que servia para soprar e dar força à chama, e com ele picavam o madeiro que, com as pancadas na parte que ardia começava a crepitar com grande força, lançando faíscas em todas as direções que faziam fugir toda a gente da chaminé, porque, podiam ser atingidos e onde elas caíssem queimavam ou abriam um buraco na roupa, a essas faíscas chamavam-lhe castelhanos e quando pareciam estrelas cadentes, com rabo de fogo, diziam que eram castelhanos rabudos. 

Quando o madeiro debitava castelhanos era uma festa para a rapaziada, fugiam da chaminé e não se aproximavam enquanto o lume não estivesse calmo, ficando muito intrigados com aquele fogo de artifício e com o nome que lhe davam, castelhanos rabudos, era engraçado, muitas vezes pediam explicações aos mais velhos sobre essa designação e eles respondiam que os castelhanos rabudos eram os espanhóis e diziam que sempre tinham ouvido isso aos ancestrais, mas a rapaziada não percebia o que tinham os espanhóis a ver com os castelhanos rabudos, até ao dia em que avô Xico, com muita paciência, lhe explicou, a comparação entre os castelhanos rabudos e os vizinhos espanhóis, e começou assim:

A comparação que fazemos entre as faíscas do lume com os espanhóis já vem de há muitos séculos, como sabem, nunca nos demos bem, embora vizinhos, tivemos muitas guerras com eles, ódios e invejas, e por ofensa chamavam-lhe castelhanos rabudos e eles chamavam-nos judeus, mas essa alcunha veio da mãe do nosso rei D. Dinis, que era castelhana e chamava-se Beatriz,  filha do rei Afonso X de Castela e era descendente da Casa de Gusmão pelo lado da mãe, e em Espanha diziam que as mulheres dessa Casa, tinham filhos com cauda, com rabo como os macacos, e cá no Reino de Portugal as senhoras da Corte não gostavam dela, por inveja, e começaram a dizer que ela tinha rabo e vinha de uma choupana para o palácio real e chamavam-lhe a rabuda, depois para agravar a situação, ela trouxe para a Corte portuguesa a moda das cotas de rabo, ou caudatas, uns vestidos com rabo, que era a grande moda na Europa, por isso, as senhoras da nobreza e as princesas começaram a usá-los, o povo estranhava aqueles trajes e associaram-no ao rabo da Dª Beatriz, diziam que, era para esconder a cauda, assim, ganhou o título da "rabuda" e, por desprezo, para achincalhar os vizinhos, os portugueses atribuíram o mesmo título aos castelhanos, eram todos "rabudos".

Ao longo da nossa história, toda a gente afirmava, e estavam convencidos que Dª Beatriz, tinha nascido com cauda, e a intriga na Corte era tanta que, no dia 01 de Agosto de 1569, o rei D. Sebastião mandou abrir o túmulo da dita rainha Dª Beatriz, no Mosteiro de Alcobaça, e os físicos do Reino confirmaram que era, inteiramente falso, mas já era tarde, o título da rabuda e dos castelhanos rabudos não se alterou. 

Agora vejam, as faíscas dos madeiros a arder, saem com rabo de fogo, são rabudas e todos fugimos delas, como aqui fugiam dos castelhanos, quando havia guerras, vinham cá a roubar e a matar a gente, logo as comparamos com os castelhanos rabudos, nada é por acaso, rapaziada! 

A rapaziada já esclarecida, comentou em coro: - Bem visto, bem visto! Castelhanos rabudos! Castelhanos rabudos! Acabou o serão e foram todos para a "tulha" cama, a sonhar com os castelhanos rabudos.

Fim 

Texto: Correia Manuel 

Dª Beatriz - mãe de D. Dinis - Foto net




quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O Moinho da Cinza no Rio Guadiana em Capelins

 O Moinho da Cinza no Rio Guadiana em Capelins

Como sabemos, é muito difícil de reunir os documentos que nos dão a conhecer os episódios da história das terras de Capelins que, noutros tempos, não tinham esta denominação, desde a cristianização em 1262 passaram por ser a herdade de Santa Maria de Terena, depois em 1314 a Casa das Rainhas criou a Vila de Ferreira , talvez em 1550 foi criada a Freguesia de Santo António de Terena e, cerca de 1793 passaram a ser Santo António de Capelins e, em 1941 Freguesia de Capelins Santo António.
O Moinho da Cinza prevê-se que foi construído nos finais da centúria de 1600, após a Guerra da Restauração foi necessário repovoar estas terras que tinham ficado desertas e uma das formas de atrair povoadores foi dividir as herdades cada uma em duas e vendê-las aos lavradores e pequenas parcelas a seareiros, assim como, o aforamento de courelas e esta região começou a crescer nas primeiras décadas da centúria de 1700. 
Com o desenvolvimento verificado na Freguesia de Santo António, vieram muitos povoadores de novo e foram criadas algumas estruturas, Montes, cabanas para os gados, caminhos e alguns Moinhos no Rio Guadiana e nas Ribeiras de Lucefécit e do Azevel, entre eles este Moinho da Cinza. 
Como a construção de um Moinho tinha custos muito elevados, devido à forma como era construído, preparado para estar submerso durante meses e não ser arrastado pelas cheias, assim como o seu açude, só pessoas muito ricas ou a Coroa, os podiam mandar construir, neste caso, pensamos que talvez tenha sido um grupo de lavradores, como aconteceu com outros. 
Era um Moinho de rodízio ou roda horizontal com pelo menos  dois aferidos ou seja, casais de mós ou linhas de moagem. 
Este Moinho tinha um açude construído em aparelho gravitacional que atravessava o Rio Guadiana de margem a margem, que barrava a água e a canalizava para fazer mover as mós andantes que transformavam os cereais em farinha e tinha um bom caneiro ou pesqueira, que pescava muito peixe.
Por aqui passaram muitos Moleiros, sendo um dos últimos o senhor Francisco Vieira, conhecido por ti Xico da Cinza, porque esteve aqui tantos anos, que ganhou esta alcunha, assim como alguns dos seus filhos, como o senhor António da Cinza, conhecido em Capelins por ti Tonico da Cinza. 
Nos finais dos anos de 1960, foi o seu fim, como fábrica de fazer farinha, continuou em pé a dar guarida a quem precisava, aos contrabandistas, às paródias e a quem quisesse descansar no seu interior, até que, no ano de 2002 foi submerso pelas águas da Albufeira de Alqueva que começou a encher no dia 08 de Fevereiro desse ano, e continua submerso.
Fim 
Texto: Correia Manuel 
Moinho da Cinza



Resenha da história do Posto do Registo Civil na Freguesia de Capelins

Resenha da história do Posto do Registo Civil na Freguesia de Capelins

Os Registos dos nascimentos, casamentos e óbitos, no Concelho de Terena, Freguesia de São Pedro, tiveram início no ano de 1572, mas, nas primeiras décadas de 1600, passaram a ser feitos nas respetivas Paróquias, no caso de Santo António, foi em 1633.
As Paróquias foram responsáveis pelos ditos Registos até 31 de Dezembro de 1910.
A partir de 01 de Janeiro de 1911, essa função passou para as Conservatórias do Registo Civil, com sede nos Concelhos.
Para facilitar o acesso dos que residiam a maiores distâncias foram criados diversos Postos de proximidade, (conforme Decreto da Direção Geral da Justiça de 03 de Abril de 1911).
No caso do Concelho do Alandroal, foi criado um Posto em Santiago Maior e outro na Vila de Terena, este incluía a Freguesia de Santo António de Capelins.
Assim, a partir de 01 de Janeiro de 1911, os capelinenses para fazer estes Registos tinham de se deslocar à Vila de Terena, onde eram redigidos pelo responsável, senhor Mariano José Ruivo de Carvalho e foi assim durante três anos.
A partir de 01 de Janeiro de 1914, os ditos Registos passaram a ser feitos no Posto do Registo Civil de Capelins, pela responsável, senhora Rosalina Tavares Nogueira.
A senhora Rosalina Tavares Nogueira foi responsável pelo Posto do Registo Civil de Capelins, durante 28 anos, entre 1914 e 1942.
A partir de 01 de Janeiro de 1943 a responsável pelo Posto do Registo Civil de Capelins e pelos Registos, passou a ser a senhora Ana Fernandes Coelho, que desempenhou esse serviço durante 9 anos, entre 1943 e 31 de Dezembro de 1952.
Conforme, informação de amigos capelinenses, as senhoras, eram ambas professoras.
A partir de 01 de Janeiro de 1953, o responsável pelo Posto de Registo Civil de Capelins, e pelos Registos, passou a ser o senhor Inácio Moreira Correia, que fazia os ditos Registos no Monte do Roncão Velho e, também, no Monte de Calados em Capelins.
Livro dos Registos dos casamentos do ano de 1953, quando o senhor Inácio Moreira Correia, iniciou as funções. 















Decreto da criação dos Postos do Registo Civil





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